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O Mar, de novo o destino de Portugal
          O Mar, de novo o destino de Portugal

               século XX foi marcado por duas
               Guerras Mundiais mas, provavel-
         O  mente, será lembrado como o sé-
         culo em que o homem pisou, pela primeira
         vez, a Lua. No início do século XXI é pre-
         maturo afirmar que marcas deixará na his-
         tória, no entanto, há razões para acreditar
         que será de novo um século virado para
         o mar, tal como o século XV e o XVI. Na
         altura, o mar era apenas o caminho, mas,
         agora, é ele próprio o destino.
           Portugal entregou, no dia 11 de Maio
         de 2009, à Comissão dos Limites da Plata-
         forma das Nações Unidas, a sua proposta
         para a extensão da plataforma continental.
         O nosso pequeno país, de 91 mil km , com
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         uma plataforma continental actual de 1,65
         milhões de km , reclama um acréscimo de
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         quase 2 milhões de km  aos espaços marí-
         timos sob soberania nacional. Assim, Por-
         tugal poderá passar a exercer soberania so-
         bre um solo da ordem dos 3,6 milhões de
         km . Este potencial património correspon-
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         de a quase 40 vezes o território nacional e a   Imagem elaborada pelo autor com uma representação aproximada da proposta de extensão da Plataforma Continental
         cerca de 83% da área terrestre dos 27 países   Portuguesa, submetida à Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas. Repare-se no imenso valor
         membros da União Europeia.          das ilhas, que passam a estar ligadas ao continente por baixo de água em solo que passa, todo ele, a ser Português.
           Vendem-se, na Internet, terrenos na Lua   QUE RIQUEZAS HÁ NO FUNDO   terra. Os nódulos de manganês foram consi-
         e em Marte, mas é no fundo do mar que   DO MAR?                       derados curiosidades até depois da Segunda
         verdadeiramente hoje, ainda, se pode con-                             Guerra Mundial, altura em que se iniciou
         quistar terreno.                     Do ouro negro ouvimos falar com fre-  uma intensa pesquisa oceanográfica.
           O mar volta assim a dar-nos uma opor-  quência e daria, por certo, um artigo interes-  Não tardou muito tempo até que apare-
         tunidade e grande parte da população   sante, mas, neste artigo, vamos falar de ou-  cessem muitos navios, de vários países, a
         portuguesa não tem a consciência do que   tras riquezas menos conhecidas. A história  descer dragas até às profundezas dos oce-
         isto significa, em especial para as gerações   não é muito longa, já que a busca de rique-  anos. Ao içá-las recolhiam pedaços negros
         vindouras.                         zas nas profundezas só começou nos anos  com um aspecto repulsivo que não eram
           Esta é a motivação para este artigo, é   50, impulsionada pela tecnologia desenvol-  mais de que nódulos de manganês.
         preciso que o mar seja um desígnio nacio-  vida durante a Segunda Guerra Mundial.    Para se ter uma noção da importância do
         nal. O nosso mar pode patrocinar-nos um                               manganês refere-se que ele é fundamental
         futuro melhor, se soubermos desenvolver   Em busca das crostas e nódulos polimetá-  para a produção de aço, sobretudo do tipo
         e aplicar uma grande estratégia nacional   licos (anos 60 e 70).      super-duro usado em blindagens e nos den-
         centrada no mar.                     Quando o HMS Challenger fez a sua épi-  tes de escavadoras. O cobalto é utilizado em
                                            ca viagem científica, sob os auspícios da  peças que trabalhem a altas temperaturas,
         QUAL O VALOR ACTUAL DO MAR?        Royal Society e do Almirantado Britânico,  como por exemplo os motores a jacto e as
                                            os cientistas a bordo fizeram muitas des-  turbinas de gás industriais. O níquel é ne-
           Quando pensamos no valor do mar temos  cobertas estranhas. Uma das descobertas  cessário para fazer o aço inoxidável, bem
         sempre de ter em conta que ele tem um va-  mais estranhas foi a existência de nódulos  como as moedas, blindagens e circuitos
         lor real, ligado ao que dele se pode obter ou  de manganês, que pareciam almôndegas  electrónicos.
         ao que se pode fazer a partir dele, mas tam-  cheias de limo, no fundo do mar em re giões   Assim, no final dos anos 60 construíram-
         bém um valor potencial, que tem a ver com  muito profundas. Durante a viagem, entre  se muitos navios com longos tubos e bom-
         o aproveitamento que se pode fazer dele,  Dezembro de 1872 a Maio de 1876, efectua-  bas poderosas para aspirarem este ouro in-
         ou com ele, no futuro. Muito se sabe sobre  ram recolhas de amostras de fundo em 133  dustrial do fundo do mar. Nos anos 70 já
         o seu valor real, muito ligado à exploração  locais diferentes. Em todos estes locais re-  havia muitos preparativos, tanto técnicos
         dos recursos da pesca, ou do transporte e  colheram pequenos nódulos com tamanhos  como políticos, para a exploração do miné-
         comércio marítimo, mas pouco se tem fa-  da ordem dos 3 cm de diâmetro. As análises  rio do fundo do mar. Mas toda esta excitação
         lado sobre o seu valor potencial, numa al-  mostravam que eram tesouros de metais ra-  foi apanhada pelos trabalhos das Nações
         tura em que há inúmeras razões para acre-  ros - até 25% de manganês, 2% de cobalto,  Unidas sobre Direito do Mar.
         ditar que este século será de novo o século  1,9% de cobre, 1,6% de níquel e quantidades   Recorda-se que nas conferências sobre Di-
         do mar. Para justificar esta ideia basta lem-  mais pequenas de muitos outros elementos  reito do Mar de 1958 e 1960, a falta de con-
         brar que é no mar que se descobrem as no-  invulgares.                senso sobre a extensão das águas territoriais
         vas reservas de petróleo e que a tecnologia   A procura de riquezas no fundo do mar  impediu que se avançasse também no regi-
         já permite explorá-lo a mais de 3000 m de  ter-se-á iniciado nos anos 50 e centrou-se nas  me de exploração dos fundos marinhos. A
         profundidade. Se adicionarmos a esta ideia  águas relativamente superficiais das plata-  indefinição a que se chegou revelou-se ver-
         o facto da profundidade média do Atlânti-  formas continentais. Na maioria dos casos  dadeiramente preocupante quando se vis-
         co ser de 3350 m, então podemos deduzir  procurava-se no mar a continuação de filões  lumbrou a viabilidade tecnológica do aces-
         imensas possibilidades.            de estanho, ouro e diamantes que havia em  so às riquezas de todo o fundo do mar. A

         14  NOVEMBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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