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Joseph Silverstein
                                      Joseph Silverstein


                     Um amigo da “Sagres” e da Marinha Portuguesa

               o passado dia 30 de Maio, o NRP  esta limitação, uma vez
               “S agres” iniciou mais uma Viagem  que possuía diversos ne-
         Nde Instrução de cadetes da Escola  gócios que necessitavam
         Naval. A viagem deste ano levou novamente  da minha atenção.
         o navio a visitar terras da América do Nor-
         te. Uma vez mais, e agora no percurso entre   Como nasceu a sua li-
         Nova Iorque e Boston, o navio embarcou o  gação à “Sagres”?
         americano Joseph Silverstein, nascido em   Uma das unidades que
         1927, em New Bedford, Massachussets, ami-  comandei, durante a pres-
         go de longa data da “Sagres”, da Marinha  tação de serviço na reser-
         Portuguesa e de Portugal.          va, foi a Estação Naval de
           Aproveitando mais esta oportunidade de  New Bedford. Em 1964,
         embarque de tão eminente figura, o Coman-  comandava essa unidade,
         dante do navio decidiu que se realizasse uma  quando recebi um telex,
         entrevista ao mesmo, para recolha das suas  do meu comando, pedin-
         memórias, fruto de uma longa ligação a este  do um oficial e um sargen-
         navio. A entrevista foi iniciada a bordo, na  to para darem apoio a um
         travessia de Nova Iorque para Boston e con-  navio que visitava o porto.
         tinuou na sua casa, em New Bedford, onde  O navio era a “Sagres”, na
         Joseph Silverstein recebeu os oficiais da barca  sua primeira viagem de
         para um dia de convívio. Aí foi possível cons-  instrução de cadetes, ao
         tatar a ligação intensa à “Sagres”, materializa-  serviço da Marinha Por-
         da em inúmeras fotografias, pinturas e outras  tuguesa. Uma das con-
         recordações da sua passagem pelo navio.  dições era que o oficial e
                                            o sargento falassem bem
           Quando e como começou a sua carreira  português, de modo a fa-
         naval e a ligação ao mar?          cilitar a comunicação com
           Iniciei a minha carreira na Merchant Ma-  a guarnição do navio. Vi-
         rine Academy, do Estado de Massachussets,  vendo numa região com
         em 1945, com dezassete anos. A duração ini-  uma população maioritariamente de origem  nha, não tive oportunidade de navegar ape-
         cialmente prevista para o curso era de quin-  portuguesa, possuía alguns – muito poucos –  nas com dois deles.
         ze meses, devido à guerra, no entanto, como  conhecimentos de português. No entanto, vi   Também tenho recebido, em minha casa,
         esta terminou, o curso prolongou-se até Maio  ali uma excelente oportunidade de conhecer  nos Estados Unidos, muitos desses meus ami-
         de 1947. Os primeiros navios em que embar-  melhor um navio e uma cultura que me fas-  gos, que conheci graças à “Sagres”.
         quei foram cargueiros de transporte de car-  cinava. Decidi então, em vez de nomear um
         vão a granel.                      dos oficiais sobre o meu comando, assumir   Quais foram para si as viagens mais sig-
           Entretanto decidi continuar os meus estu-  eu próprio o apoio à “Sagres”. Escolhi um  nificativas a bordo da “Sagres”?
         dos, tendo obtido formação em Gestão, no  sargento que falava fluentemente português   Todas elas tiveram um significado espe-
         Babson College, em Boston – Massachussets.  e a situação ficou resolvida.  cial! Por exemplo, tive oportunidade de via-
         Terminei esse curso em 1950.         Nessa viagem, estabeleci laços fortíssi-  jar diversas vezes acompanhado de familia-
           Nesse mesmo ano de 1950, voluntariei-me  mos de amizade com três oficiais: o coman-  res meus. O meu filho Stephen embarcou
         para servir na Marinha de Guerra dos Estados  dante do navio, Almirante Silva Horta, o  duas vezes, o meu filho David, está a embar-
         Unidos, uma vez que tinha começado a Guer-  navegador, Comandante Martins e Silva e  car pela segunda vez nesta viagem. A minha
         ra da Coreia. A Marinha tinha uma necessida-  o professor de Navegação da Escola Naval,  neta Emily teve oportunidade de fazer uma
         de elevada de pessoal especialista em navios  que acompanhava os cadetes, Comandante  viagem que durou quase um Verão inteiro,
         mercantes. Fui viver para Norfolk, na Virgi-  Cyrne de Castro. Esses laços de amizade per-  navegando dos Estados Unidos para Portu-
         nia, onde estive durante três anos. Prestava  duraram até aos nossos dias. Durante essa  gal, tendo ficado lá alojada em casa do Co-
         serviço nas Forças Anfíbias, treinando Mari-  estadia do navio nos Estados Unidos, tive  mandante Dias Pinheiro. O meu neto Benja-
         nes, das bases de Cherry Point e de Quantico.  oportunidade de viajar pela primeira vez a  mim também teve oportunidade de fazer um
         Era ministrado essencialmente treino de ope-  bordo da barca.         pequeno percurso a bordo. A minha mulher
         rações anfíbias, sendo preparado o pes soal                           nunca navegou, mas já esteve imensas vezes
         para acções de desembarque na Coreia.  Estabeleceu certamente relações de ami-  a bordo da barca.
           Em 1954 terminei a minha prestação acti-  zade muito próximas com as inúmeras pes-  Numa das viagens mais fantásticas que fiz,
         va na Marinha, mantendo-me, contudo, na  soas que conheceu ao longo de todos estes  percorri as nove ilhas dos Açores a bordo da
         situa ção de reserva durante mais de trinta  anos na “Sagres”.        “Sagres”. Estive a bordo na viagem de 1976,
         anos, tendo atingido o posto de Capitão-de-  É verdade! Já viajei inúmeras vezes para  comemorativa dos duzentos anos da indepen-
         -fragata. Foi-me oferecido o posto de Capitão-  Portugal, ficando muitas vezes alojado em  dência dos Estados Unidos. Participei também
         -de-mar -e-guerra, mas, por razões pessoais,  casa desses amigos que conheci a bordo. Co-  na viagem de 1986, comemorativa dos cem
         declinei o convite. A aceitação desse posto  nheço muito bem grande parte de Portugal,  anos da Estátua da Liberdade, viagem essa
         implicava o comando de uma estação naval  graças a esses amigos que fiz a bordo. Posso  em que o actual comandante da barca era ca-
         de reserva, o que tinha como consequência a  afirmar que de todos os comandantes do na-  dete. Noutra ocasião percorri toda a costa Oes-
         necessidade de me deslocar duas vezes por  vio que constam da placa com os respectivos  te dos Estados Unidos, viajando de Ensenada
         semana a Boston. Na altura não me convinha  nomes, que se encontra à entrada da camari-  até Vancouver, fazendo escala em San Diego

         22  NOVEMBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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