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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (2)
D. Constantino de Bragança, Vice-Rei da Índia
D. Constantino de Bragança, Vice-Rei da Índia
A tinado ao cargo de vedor da fazenda. Em Goa problema passasse para o novo vice-rei. Na
a chegada de D. Cons tantino fez com que o
14 de Junho de 1557, dois dias depois era o caso de Aleixo de Sousa Chichorro, des-
da morte de D. João III, reuniu o con-
prática, era necessário expulsar os abexins, ha-
selho de estado que aceitou as últimas recebeu o cargo de Francisco Barreto e, de ime-
vontades do soberano e começou a preparar- diato, despachou D. Payo de Noronha para a vendo a anuência do sultanato para isso, mas
-se para a aclamação de D. Sebastião, con- capitania de Cananor, onde o contacto com o implicava uma acção de guerra que tinha de
formando-se com a regência de Dª Catarina rei local não ocorreu da melhor forma. A fal- ser preparada. Em Baçaim, lançando os seus
que deveria encarregar-se da tutela do neto. ta de senso e atenção por parte de D. Payo ou espiões, António Moniz Barreto soubera que
Curiosamente, a rainha não assistiu à cerimó- o precipitar de circunstâncias que já vinham a guarnição tinha mais de três mil homens, de
nia de aclamação do jovem rei, declinando a do passado, levou a um recrudescimento da forma que o Conselho foi de opinião a que se
homenagem devida numa procuração passa- pirataria dos canais, com os paraus a ataca- organizasse uma armada para a conquistar.
da ao cardeal D. Henrique, para que o fizesse rem os portugueses e a criarem instabilidade D. Constantino despachou as naus do reino,
em seu nome. no Malabar. Ainda em Setembro isso chegou como era de regimento, enviou o vedor Aleixo
O governo da Índia estava entre- de Sousa a Cochim para tratar do resto
gue a Francisco Barreto, por carta de da carga, e começou a reunir os meios
sucessão aberta após a morte do vice- necessários, enviando emissários onde
-rei D. Pedro de Mascarenhas (Mari- era preciso juntar tropas e navios.
nha de D. João III (48)), sendo urgente “E pelas Oitavas do Natal se fez o
escolher alguém que tivesse as quali- Viso-Rey á vela com huma Armada de
dades e o poder necessário para repor mais de cem navios, em que levava per-
a ordem num império em verdadeira to de três mil homens”, como nos diz
decadência. Diogo do Couto diz que Diogo do Couto. Passou por Chaul e
foi essa uma das primeiras preocu- por Baçaim, indo fundear em frente de
pações da regente, aconselhada para Damão, com grande espanto dos ini-
isso pelo cardeal D. Henrique, son- migos que não esperavam uma força
dando duas personagens gradas (que tão impressionante. A barra, no entan-
não nomeia) do reino que declinaram to, era demasiado estreita para tantos
o convite. Segundo o cronista, o Du- navios, sendo perigosa a entrada, por-
que de Bragança, D. Teodósio, e seu que teriam de lançar ferro debaixo do
irmão, D. Constantino, comentaram alcance da artilharia inimiga. Felizmen-
aquelas recusas com grande espanto, te o tempo corria de feição, com ventos
condenando a falta de brio dos esco- terrais fracos que permitiam chegar à
lhidos. E D. Constantino expressou a praia sem perigo, de forma que se de-
sua própria vontade de ir à Índia “por cidiu desembarcar e atacar a cidade,
serviço de Deus e de El Rey”, embora contornando as defesas viradas para a
o tivesse feito na sequência da con- entrada da barra. No dia dois de Feve-
versa e sem imaginar que tal pudesse reiro, foram postos em terra 2000 ho-
vir a acontecer. A escolha dos vice-reis mens em cinco unidades distintas, que
– sobretudo quando o título era defi- deviam dominar os abexins, entrando
nido à partida – recaía dentro das fa- a armada quando fosse içada no forte
mílias da alta nobreza, mas nunca nas “uma bandeira das nossas”. Tudo cor-
que estavam mais próximas da famí- D. Constantino de Bragança, Vice-Rei da Índia. reu como previsto e a resistência foi mí-
lia real, como acontecia com a casa de Livro de Lisuarte de Abreu. nima. D. Constantino entrou na fortale-
Bragança ou de Aveiro. Mas D. Teodósio en- aos ouvidos do vice-rei, que enviou duas ar- za ao som das salvas dos navios, com grande
tendeu manifestar esta iniciativa a Dª Catari- madas de remos consecutivas, para por fim à pompa e festa nesse mesmo dia.
na, que abraçou a ideia da melhor forma e, a ousadia islâmica. A retirada dos abexins tinha, contudo, o in-
3 de Março de 1558, nomeou D. Constanti- Porém, o problema mais importante com tuito estratégico de reorganizar forças e con-
no como vice-rei da Índia, devendo partir na que D. Constantino teria de se defrontar era tinuar a assolar os portugueses. Assentaram
armada desse mesmo ano. Saídos de Lisboa o de Damão, que se arrastava desde o tem- arraiais a cerca de duas léguas de distância
a 7 de Abril, invernaram em Moçambique e po de D. Pedro de Mascarenhas. A cidade e todas as noites fustigavam as forças nacio-
chegaram a Goa a 3 de Setembro, depois de tinha grande importância estratégica sobre nais, impondo-lhes uma vigilância perma-
uma viagem sem incidentes. o Guzerate e estava ocupada por escravos nente. Mas não foi ameaça que muito duras-
D. Constantino tinha pouco mais de trinta abexins convertidos ao islão, mediante con- se. Comandados por Moniz Barreto, cerca de
anos – idade com que muitos fidalgos já eram trato e sob a tutela do sultão de Cambaia. E, quinhentos homens passaram o rio durante
veteranos da Índia – mas vivera sempre na desde que os portugueses tinham ocupado o final de uma tarde, permanecendo toda a
corte, faltando-lhe experiência de guerra e, so- Baçaim, esses abexins lançavam ataques rá- noite emboscados, à espera da alva. Um pou-
bretudo, dos assuntos ultramarinos. D. João III pidos e traiçoeiros, causando uma instabili- co antes do nascer do sol fizeram os últimos
prometera-lhe o cargo de camareiro-mor do jo- dade difícil de suportar. Teve a noção disso quilómetros até à posição inimiga, que foi sur-
vem príncipe D. Sebastião, e era na esperança Diogo de Noronha, enquanto capitão de Diu, preendida sem vigilância e sem possibilidade
desse cargo que colocara todo o seu empenho. que propôs a sua ocupação, mas a opção de de resposta.
Mas não deu o dito por não dito e aceitou o Mascarenhas fora a da negociação para ce- Z
desafio, fazendo-se acompanhar de gente que dência. O acordo com Cambaia conseguiu- J. Semedo de Matos
pudesse aconselhá-lo da melhor forma, como -se ainda no tempo de Francisco Barreto, mas CFR FZ
20 NOVEMBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA