Page 346 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (2)



            D. Constantino de Bragança, Vice-Rei da Índia
            D. Constantino de Bragança, Vice-Rei da Índia

         A                                  tinado ao cargo de vedor da fazenda. Em Goa  problema passasse para o novo vice-rei. Na
                                                                               a chegada de D. Cons tantino fez com que o
              14 de Junho de 1557, dois dias depois  era o caso de Aleixo de Sousa Chichorro, des-
              da morte de D. João III, reuniu o con-
                                                                               prática, era necessário expulsar os abexins, ha-
              selho de estado que aceitou as últimas  recebeu o cargo de Francisco Barreto e, de ime-
         vontades do soberano e começou a preparar-  diato, despachou D. Payo de Noronha para a  vendo a anuência do sultanato para isso, mas
         -se para a aclamação de D. Sebastião, con-  capitania de Cananor, onde o contacto com o  implicava uma acção de guerra que tinha de
         formando-se com a regência de Dª Catarina  rei local não ocorreu da melhor forma. A fal-  ser preparada. Em Baçaim, lançando os seus
         que deveria encarregar-se da tutela do neto.  ta de senso e atenção por parte de D. Payo ou  espiões, António Moniz Barreto soubera que
         Curiosamente, a rainha não assistiu à cerimó-  o precipitar de circunstâncias que já vinham  a guarnição tinha mais de três mil homens, de
         nia de aclamação do jovem rei, declinando a  do passado, levou a um recrudescimento da  forma que o Conselho foi de opinião a que se
         homenagem devida numa procuração passa-  pirataria dos canais, com os paraus a ataca-  organizasse  uma armada para a conquistar.
         da ao cardeal D. Henrique, para que o fizesse  rem os portugueses e a criarem instabilidade  D. Constantino despachou as naus do reino,
         em seu nome.                       no Malabar. Ainda em Setembro isso chegou  como era de regimento, enviou o vedor Aleixo
           O governo da Índia estava entre-                                         de Sousa a Cochim para tratar do resto
         gue a Francisco Barreto, por carta de                                      da carga, e começou a  reunir os meios
         sucessão aberta após a morte do vice-                                      necessários, enviando emissários onde
         -rei D. Pedro de Mascarenhas (Mari-                                        era preciso juntar tropas e navios.
         nha de D. João III (48)), sendo urgente                                      “E pelas Oitavas do Natal se fez o
         escolher alguém que tivesse as quali-                                      Viso-Rey á vela com huma Armada de
         dades e o poder necessário para repor                                      mais de cem navios, em que levava per-
         a ordem num império em verdadeira                                          to de três mil homens”, como nos diz
         decadência. Diogo do Couto diz que                                         Diogo do Couto. Passou por Chaul e
         foi essa uma das primeiras preocu-                                         por Baçaim, indo fundear em frente de
         pações da regente, aconselhada para                                        Damão, com grande espanto dos ini-
         isso pelo cardeal D. Henrique, son-                                        migos que não esperavam uma força
         dando duas personagens gradas (que                                         tão impressionante. A barra, no entan-
         não nomeia) do reino que declinaram                                        to, era demasiado estreita para tantos
         o convite. Segundo o cronista, o Du-                                       navios, sendo perigosa a entrada, por-
         que de Bragança, D. Teodósio, e seu                                        que teriam de lançar ferro debaixo do
         irmão, D. Constantino, comentaram                                          alcance da artilharia inimiga. Felizmen-
         aquelas recusas com grande espanto,                                        te o tempo corria de feição, com ventos
         condenando a falta de brio dos esco-                                       terrais fracos que permitiam chegar à
         lhidos. E D. Constantino expressou a                                       praia sem perigo, de forma que se de-
         sua própria vontade de ir à Índia “por                                     cidiu desembarcar e atacar a cidade,
         serviço de Deus e de El Rey”, embora                                       contornando as defesas viradas para a
         o tivesse feito na sequência da con-                                       entrada da barra.  No dia dois de Feve-
         versa e sem imaginar que tal pudesse                                       reiro, foram postos em terra 2000 ho-
         vir a acontecer. A escolha dos vice-reis                                   mens em cinco unidades distintas, que
         – sobretudo quando o título era defi-                                       deviam dominar os abexins, entrando
         nido à partida – recaía dentro das fa-                                     a armada quando fosse içada no forte
         mílias da alta nobreza, mas nunca nas                                      “uma bandeira das nossas”. Tudo cor-
         que estavam mais próximas da famí-  D. Constantino de Bragança, Vice-Rei da Índia.  reu como previsto e a resistência foi mí-
         lia real, como acontecia com a casa de   Livro de Lisuarte de Abreu.       nima. D. Constantino entrou na fortale-
         Bragança ou de Aveiro. Mas D. Teodósio en-  aos ouvidos do vice-rei, que enviou duas ar-  za ao som das salvas dos navios, com grande
         tendeu manifestar esta iniciativa a Dª Catari-  madas de remos consecutivas, para por fim à  pompa e festa nesse mesmo dia.
         na, que abraçou a ideia da melhor forma e, a  ousadia islâmica.         A retirada dos abexins tinha, contudo, o in-
         3 de Março de 1558, nomeou D. Constanti-  Porém, o problema mais importante com  tuito estratégico de reorganizar forças e con-
         no como vice-rei da Índia, devendo partir na  que D. Constantino teria de se defrontar era  tinuar a assolar os portugueses. Assentaram
         armada desse mesmo ano. Saídos de Lisboa  o de Damão, que se arrastava desde o tem-  arraiais a cerca de duas léguas de distância
         a 7 de Abril, invernaram em Moçambique e  po de D. Pedro de Mascarenhas. A cidade  e todas as noites fustigavam as forças nacio-
         chegaram a Goa a 3 de Setembro, depois de  tinha grande importância estratégica sobre  nais, impondo-lhes uma vigilância perma-
         uma viagem sem incidentes.         o Guzerate e estava ocupada por escravos  nente. Mas não foi ameaça que muito duras-
           D. Constantino tinha pouco mais de trinta  abexins convertidos ao islão, mediante con-  se. Comandados por Moniz Barreto, cerca de
         anos – idade com que muitos fidalgos já eram  trato e sob a tutela do sultão de Cambaia. E,  quinhentos homens passaram o rio durante
         veteranos da Índia – mas vivera sempre na  desde que os portugueses tinham ocupado  o final de uma tarde, permanecendo toda a
         corte, faltando-lhe experiência de guerra e, so-  Baçaim, esses abexins lançavam ataques rá-  noite emboscados, à espera da alva. Um pou-
         bretudo, dos assuntos ultramarinos. D. João III  pidos e traiçoeiros, causando uma instabili-  co antes do nascer do sol fizeram os últimos
         prometera-lhe o cargo de camareiro-mor do jo-  dade difícil de suportar. Teve a noção disso  quilómetros até à posição inimiga, que foi sur-
         vem príncipe D. Sebastião, e era na esperança  Diogo de Noronha, enquanto capitão de Diu,  preendida sem vigilância e sem possibilidade
         desse cargo que colocara todo o seu empenho.  que propôs a sua ocupação, mas a opção de  de resposta.
         Mas não deu o dito por não dito e aceitou o  Mascarenhas fora a da negociação para ce-                Z
         desafio, fazendo-se acompanhar de gente que  dência. O acordo com Cambaia conseguiu-      J. Semedo de Matos
         pudesse aconselhá-lo da melhor forma, como  -se ainda no tempo de Francisco Barreto, mas          CFR FZ

         20  NOVEMBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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