Page 350 - Revista da Armada
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Genuíno Madruga,
Genuíno Madruga,
o velejador solitário
enuíno Alexandre Goulart Madruga, Austrália, Timor Leste, Indonésia, Maurícias, cadores tentando obter informações sobre as
cedo se fez “filho do mar”. Pescador África do Sul e, de novo, no Brasil. artes tradicionais, as espécies capturadas e ou-
Gde profissão, natural de São João – Ilha Durante a sua viagem assumiu uma peculiar tras curiosidades culturais. Simultaneamente,
do Pico – Açores, desde pequeno sentiu uma nova maneira de estar na navegação, fazendo transmite os saberes açorianos e as formas de
grande curiosidade de ver o que estava para de ponte de contacto constante entre o modo de captura de pescado naquela região.
além do horizonte. Começou cedo na faina ser da cultura portuguesa e outras formas cultu- Emocionado, Genuíno Madruga, refere
da pesca, num pequeno barco que algumas fases desta viagem, no-
foi sucessivamente substituindo por meadamente a sua passagem pelo
outros mais apetrechados. Residen- difícil Cabo Horn na América do
te na Horta, Ilha do Faial, mítica ci- Sul, e a navegação deste ponto, no
dade-mar, local de acolhimento e Pacífico, para Puerto Montt, com
cruzamento de navegadores, desde condições extremas de frio e can-
os primórdios, não podia deixar de saço devido ao nível intenso de
conviver e ser tocado pelas histórias, atenção que a costa chilena, com
lendas e aventuras desfiadas por es- os seus estreitos, exige. Mas o ver-
ses inúmeros navegadores durante dadeiro testemunho das dificulda-
os convívios à mesa do inevitável des sentidas, na passagem pela Pa-
“Peter’s” Café Sport. tagónia, foi expressa por Genuíno
A sua primeira viagem à volta numa entrevista:
do mundo demorou dois anos e foi “… se houvesse um problema
realizada entre 20 de Outubro de Rotas realizadas em 2000/2002 e 2006/2009. com o motor, se houvesse um pro-
2000 e 18 de Maio de 2002, com blema qualquer com o meu barco,
início e chegada no porto da Hor- nem os ossos escapavam, segura-
ta, tendo percorrido um total de mente! Passei em sítios, nomeada-
26760 milhas. mente naquela zona do Pacífico, à
No dia de Portugal, em 10 de Ju- volta da Patagónia que … O Pacífi-
nho 2003, foi agraciado pelo Pre- co não é nada pacífico. Não volto
sidente da República Portuguesa, mais aquela zona!”
Dr. Jorge Sampaio, com o grau de Outro grande momento desta via-
Comendador da Ordem do Infante gem, foi sem dúvida, a memorável
D. Henrique. recepção, com as maiores honras,
Em Agosto de 2007 partiu para em Díli, pelo Presidente da Repú-
esta nova aventura, que denomi- blica de Timor Leste e Prémio Nobel
nou de “O Desafio do Cabo Horn”, da Paz, José Ramos Horta.
tendo, como principal desafio, a Depois da passagem pelo Ocea-
travessia deste ponto no extremo no Índico, e já com o “peso” das
Sul da América Latina. Zona de saudades da sua terra, o regresso ao
correntes e ventos fortes, de grande Partida do Porto das Lajes do Pico em Agosto de 2007. Oceano Atlântico, após a dobragem
instabilidade, agravada pela pos- dos Cabos das Agulhas e da Boa Es-
sível presença de icebergs, onde, perança foi, para Genuíno Madruga,
centenas de embarcações naufra- como que, esquecer continentes e
garam. O desafio teve, também, a enaltecer as ilhas de Santa Helena
dificuldade acrescida de a traves- (prisão de Napoleão), Fernando No-
sia ter sido realizada em sentido ronha (reserva ambiental), São Luís
contrário ao que é habitualmente do Maranhão e, por fim, a Ilha do
feito pelos velejadores que ousam Pico – Açores, terra-mãe de São João
passar pelo local, contra as corren- e terra-mar das Lajes, em época das
tes e os ventos predominantes. Tal festas maiores do arquipélago: As
como aconteceu na sua primeira Festas do Divino Espírito Santo.
viagem à volta do mundo, Genuí- Num dos seus registos diários,
no Madruga utilizou um veleiro refere:
de onze metros de comprimento, “ … a navegação perto de terra
o “Hemingway”, para a concreti- ou com mau tempo, exige um cui-
zação de um sonho e desafio que Lado Nordeste da ilha de Horn vendo-se o cabo Horn ao fundo. dado enorme pelo que tudo rela-
acalentava há muitos anos: circum-navegar o rais totalmente diferentes com que se deparou cionado com a segurança não pode ser posto
planeta a bordo de um veleiro. nos seus longos percursos por esse mundo fora. em causa. Assim, durmo quando é possível,
Durante esta viagem, o navegador percor- Em cada porto realizou palestras, visitando lo- tanto ao meio-dia, como à meia-noite! Digo-
reu em 21 meses e 12 dias, cerca de trinta e cais de interesse histórico-cultural, e, constante- -vos que já estive, por diversas vezes, muitas
quatro mil milhas. Desde que partiu dos Aço- mente, transmitiu as suas vivências e emoções, horas sem dormir e tudo fazendo para não
res, fez escala em Cabo Verde, Brasil, Uruguai, via rádio para a sua Ilha e gentes Açorianas. adormecer. Mas isso deve-se à prática do trei-
Argentina, Chile (Cabo Horn), Ilha de Páscoa, Não esquecendo o seu passado de mestre no adquirido durante anos no mar, na pesca.
Polinésia Francesa, Samoa, Fiji, Espírito Santo, pescador, em cada novo sítio ausculta os pes- Agora, navegando à vela e não se tratando
24 NOVEMBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA