Page 364 - Revista da Armada
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MENSAGEM DE NATAL

                                                   NATAL,
                                                   NATAL,

         OU A EXTREMA «OUSADIA» DE DEUS
          OU A EXTREMA «OUSADIA» DE DEUS



                               “… e veio habitar connosco” (Jo. 1,14)

               ão adianta esconder: continuamos a habitar numa terra de   Perante a cultura que se foi instalando e que amiudadas vezes rela-
               equívocos.                                     tiviza a vida, o Papa Bento XVI falou não há muito tempo de “emer-
         N Num relatório recente da UNICEF que reflectia dados sobre  gência educativa”.
         a situação mundial da infância e sobrevivência infantil, diz-se que ”há    De facto, quando se começa a pôr em causa o valor da vida, quando
         mais de vinte e seis mil menores que diariamente morrem antes de  se defende repetidamente uma cultura de morte, é indiscutível que há
         completar cinco anos, na sua maioria por causas evitáveis.”  ”emergência educativa” para a grandeza do ser humano.
           É pena que queiramos nesta quadra celebrar o nascimento da Vida    Celebrar o Natal é sustentar caminhos que contrariem tudo o que
         quando, ao mesmo tempo, nos apercebemos dos desvarios a que tan-  relativize a pessoa humana: violência, ódio, exploração de menores,
         tas vidas estão entregues.                           comércio de pessoas, pobreza, fome…
           Preocupa-nos muito a nossa família, a nossa casa, o nosso quintal,   É imperativo crescer na consciência humilde da grandeza do que
         …ao fim e ao cabo “as nossas coisas”,                                       somos e do valor que temos.
         mas falta-nos um olhar global e abran-
         gente suficientemente atento ao mundo                                      Fotógrafo José Pessoa  Aproveitando este contexto nata-
         e à humanidade.                                                            lício e respeitando sempre as mais
           Dizem os dicionários que «ousadia»  Instituto dos Museus e da Conservação, I.P.  díspares convicções sobre a vida e o
         se pode traduzir por atrevimento, cora-                                    mundo, dirigimo-nos mais uma vez
         gem, temeridade, audácia…                                                  a todos aqueles que servem Portugal
           Tendo em conta o jeito tão humano                                        na Marinha.
         de arriscar o menos possível, precaven-                                     Ser homem é, hoje, um destino
         do sempre um fundamentado calculis-                                        glorioso, apesar dos nossos possíveis
         mo, mais do que temerário, atrevido ou                                     absur dos e erros. Apesar de tudo o
         corajoso, o Natal fala-nos da «ousadia»                                    que possa vir a acontecer, a verda-
         de Deus.                                                                   de inequívoca é que o próprio Deus
            Sonhou com a humanidade, tornou a                                       se glorificou ao fazer-se membro da
         sonhar, voltou a sonhar vezes sem conta                                    raça humana.
         e, por fim, “investiu” nela o melhor que                                     Cremos sinceramente que a gran-
         tinha, o preço mais alto: a “Sua” própria                                  de crise que o mundo da pós-moder-
         Vida. E, segundo Deus, a humanidade é                                      nidade atravessa não é preferencial-
         uma conquista e uma reconquista Sua.                                       mente uma crise de valores, de fé ou
           Este gesto da maior solidariedade de                                     de moral, mas, essencialmente, de
         Deus para com o ser humano deveria                                         esperança.
         ser muito bem revisitado em todos os                                         A este propósito, a segunda Encíclica
         “natais” e talvez essa atitude implicasse                                  (Spe salvi) do actual Papa diz-nos que “
         mudança nas nossas opções recorrente-                                      é incontornável a esperança numa vida
         mente mesquinhas.                                                          serena e simples, amando e servindo,
           Diz o conto que a tartaruga acabava                                      trabalhando pela justiça e lutando para
         de sair do seu esconderijo para um passeio   Pormenor do Quadro “Aparição da Sagrada Família”.  que a cada homem seja reconhecida a
         nocturno.                       Pedro Alexandrino / Séc. XVIII.           sua dignidade.
            O sapo ao vê-la sair adverte-a:  Museu Nacional de Machado de Castro.     Não são as ideologias nem a ciência
           -Tartaruga, a esta hora não é muito aconselhável sair.  – continua Bento XVI – que redimem o homem. O homem é redimi-
           Mas a tartaruga continua e, ousando um passo mais longo, vê-se virada  do pelo amor”.
         de patas para o ar, sobre a sua própria couraça.      A «ousadia» de Deus sugere-nos que também nós sejamos «ousa-
            Então o sapo exclamou:                            dos». Por isso os enfastiados nunca O encontrarão.
           - Eu bem te avisei tartaruga, que era uma imprudência sair a esta hora:   Não há dúvida: com o primeiro Natal, a história da humanidade
         agora vais morrer aí.                                deu uma volta total. A «ousadia» de Deus levou-O a dar a vida por
           - Bem sei – respondeu a tartaruga – mas é a primeira vez que estou a ver  uma causa. E essa causa somos nós.
         o céu estrelado…                                      A todos os que se cruzarem com este texto sugerimos uma visita
                                                              ao presépio. De facto, ali, a vida é Deus e Deus é a vida. Numa pura
           Também este gesto da tartaruga ensina-nos a «ousadia».  «ousadia divina».
           Embalados por melodias ternas e anestesiados por luzeiros do mer-  A todos os militares, militarizados e civis da Marinha Portuguesa,
         cado, pode acontecer que o essencial desta quadra nos passe desper-  às suas excelentíssimas famílias, com uma saudação muito especial
         cebido e nós não o devíamos permitir.                para os nossos doentes e implorando a bênção de Nossa Senhora do
            Revisitando o mesmo relatório da UNICEF a que já aludimos, lá se diz  Mar, os capelães da Marinha desejam um santo Natal vivido na ale-
         também que “a integração ao nível  da comunidade de serviços essenciais  gria, na partilha, na serenidade, na paz e … na “ousadia”.
         para as mães, recém-nascidos e crianças, bem como a melhoria susten-                                  Z
         tável dos serviços de saúde à escala nacional poderiam salvar a vida de            José Ilídio Fernandes da Costa
         uma grande parte dessas crianças que morrem todos os dias”.                                    CMG Capelão
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