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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (31)



                             Práticas Proibidas
                              Práticas Proibidas



               as minhas aulas de Radiocomuni-  se dia não vai jantar a casa, ou o animado  duzir literalmente, o visado é comparado a
               cações dadas aos cursos de Ma-  colóquio entre os mestres de dois arrastões,  um símio e, nessa qualidade, convidado a
         Nrinheiro, Patrão Local e Patrão de  maldizendo a sorte madrasta que os faz re-  consumir o fruto da bananeira (o que é mui-
         Costa tenho o hábito de começar por dei-  colher ao porto com os “sacos” vazios.  tas vezes acompanhado de alguns “mimos”
         xar bem claro perante os meus formandos   Em relação às outras proibições, é por  dirigidos à progenitora do dito).
         que as suas embarcações podem ser de re-  demais frequente encontrar verdadeiros   Pois sucedeu-me uma vez, ainda cade-
         creio mas o seu equipamento de rádio não  artistas da onda electromagnética que con-  te (ena! Há tanto tempo assim?!), aquando
         o é, ou não estivesse ele lá, entre outros  seguem, numa só emissão, violar várias  da passagem por uma zona de navegação
         motivos, para lhes salvar a vida em caso de  regras em simultâneo. Uma das situações  intensa, durante uma viagem de instrução,
         necessidade. E passo, então, a enumerar a  mais simpáticas é a dos melómanos que,  assistir a um verdadeiro bombardeamento
         lista de práticas que, à luz dos regulamen-  sem dúvida levados pela boa intenção de  de frases daquela natureza, na altura em
         tos internacionais, lhes estão vedadas, tais  suavizar as extenuantes e solitárias vigílias  que um engraçadinho lançou a “deixa” e
         como utilizar os canais para fins que não  nocturnas dos seus camaradas, utilizam o  logo foi imitado por uma dezena de im-
         lhes estão destinados; efectuar transmissões  canal 16 do VHF para radiodifundir pro-  becis da mesma cepa. No meio daquela
         desnecessárias; empregar expressões irre-  gramas musicais. E perante a alegria de dar  cacofonia, o Oficial de Quarto do nosso
         verentes, indecentes ou obscenas; cantar,  largas a uma reprimida vocação de locutor  navio, um jovem Guarda-Marinha cheio
                                                                                           de pica e genica, pegou,
                                                                                           então, no microfone, e, re-
                                                                                           solutamente, atirou no seu
                                                                                           melhor Inglês:
                                                                                             - Um dia necessitareis de
                                                                                           recorrer a este canal e, nes-
                                                                                           sa altura, sereis VÓS a co-
                                                                                           mer bananas!
                                                                                             Gostaria de afirmar que
                                                                                           logo ali terminou a galhofa
                                                                                           e que ninguém se atreveu a
                                                                                           responder ao justo “puxão
                                                                                           de orelhas”… No entanto,
                                                                                           se o fizesse estaria a faltar à
                                                                                           verdade que prometi sem-
                                                                                           pre usar para com os meus
                                                                                           confiados leitores. Quero,
                                                                                           porém, acreditar que, no
                                                                                           breve momento de silêncio
                                                                                           que se seguiu à reprimenda,
                                                                                           muitos daqueles energúme-
                                                                                           nos terão, pelo menos, pa-
                                                                                           rado para reflectir e que no
                                                                                           subsequente chorrilho de
                                                                                           afrontas à família do incó-
                                                                                           modo interpelador já não
                                                                                           estariam dois ou três dos
                                                                                           provocadores iniciais.
                                                                                             São estas pequenas recor-
         tocar ou assobiar; efectuar emissões não  radiofónico quem é que se vai lembrar do  dações, entre outras, que me vão alimentan-
         identificadas ou sem destinatário e outras  insignificante pormenor de aquele canal,  do a saudade e a esperança de, um destes
         infracções de equivalente gravidade.  que assegura, à partida, uma larga e aten-  dias – quem sabe?! - voltar a sulcar o Húmi-
           Uma das que suscita, normalmente,  ta audiência, estar destinado a funções de  do Elemento, apesar do receio de reencon-
         maior curiosidade é a questão do sigilo das  chamada ou de socorro?   trar um velho amigo (da onça, claro!) que
         comunicações, que obriga a guardar segre-  Infelizmente, entre as más utilizações da  só não é temido por quem nunca andou no
         do em relação às mensagens que não nos  mencionada frequência conta-se uma outra  Mar ou por quem, graças a um feliz desvio
         dizem respeito, embora legalmente nada  bem menos amigável: a transmissão anóni-  genético, lhe é organicamente imune. Mas
         nos impeça de as ouvir. E a verdade é que  ma de insultos. Existe, inclusive, uma locu-  não vou, para já, falar aqui dele, pois se o
         quem recorre a frequências de uso público  ção que, de tão utilizada, já quase se tornou  fizesse estaria a perder uma ocasião sobe-
         não pode esperar privacidade, embora não  expressão de serviço: uma ofensa dirigida  rana para marcar um novo encontro com
         deixemos de questionar a moralidade de  aos cidadãos de uma determinada naciona-  os meus penitentes leitores… naturalmen-
         quem, para passar o tempo, se põe a escutar  lidade frequentemente encontrada a bordo  te, numa outra história.
         a conversa telefónica – através de uma esta-  de navios mercantes em funções auxiliares,              Z
         ção costeira - do Ti Manel da traineira “Pi-  como a cozinha, a lavandaria ou as limpe-     J. Moreira Silva
         ca-Pau” com a sua Maria, a avisar que nes-  zas. Nessa injúria, que me coíbo de repro-             CTEN

         30  FEVEREIRO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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