Page 63 - Revista da Armada
P. 63
Este posto radionaval (PRN) era novo, com tempos mais animados mas deserta agora. onde desfaziam as carcaças de baelia com
boas instalações. Meia dúzia de montras mal iluminadas. Um um cheiro nauseabundo. E sempre o Pico
Ali passei um mês (só havia navio de cinema decadente. O Café Internacional com à frente. E o tremendo isolamento. E no en-
mês a mês) para enterrar tanques de re- meia dúzia de caturras. Dia de S. Vapor quin- tanto a ilha era linda. Mais, talvez as Flores
serva de combustível e traduzir todos os zenalmente. Uns que chegavam e outros par- com as suas cascatas majestosas a escorre-
manuais de instruções. tiam. E a correspondência. Cartas remetidas rem sobre o mar e no meio a lagoa, a que o
Príncipe do Mónaco não
AS INSTALAÇÕES encontrou fundo.
DA ERN DA HORTA Hoje a cidade da Hor-
ta deve ter recuperado a
Quando a estação foi vida com ligações fáceis
criada, creio que em de avião, notícias e diver-
1928, edificaram-se insta- timento pela televisão, o
lações de madeira – sem- porto de recreio cheio, o
pre o provisório – para a café do Peter animado a
Direcção, casa das má- actividade política na As-
quinas e transmissores, sembleia Regional. Ain-
quartel para o pessoal da bem.
(cerca de 30 homens) no Muito diferente da mi-
cimo do monte e cá em nha vivência ali, em que
baixo, no caminho para primava o isolamento.
as Angustias, casas de Havia três clubes de fu-
madeira para director, tebol, os quais tomaram a
subdirector e sargentos. liberdade de me fazer só-
As casas estavam extre- Edifício da “Sociedade Amor da Pátria”. cio, o que aceitei de bom
mamente degradadas grado eram, salvo erro o
quando ali cheguei mas o meu sucessor, 2º um mês antes e que agora tinham resposta. Sporting, o Angústias e o Faial. Não me lem-
tenente Junqueira, já foi habitar a casa nova Isolamento grande, feroz. Todas as manhãs o bro qual o melhor.
no Cabeço da Artilharia. Pico em frente ao acordar. E a faina semanal Jornais havia dois com uma só folha: O
A corrente eléctrica que servia as casas de pôr os sapatos ao sol pois as solas exuma- Correio da Horta e o Telégrafo. Este publica-
era de 220 volts, corrente contínua e trans- vam bolor com a humidade de 90%. va um longo folhetim, creio que do Ponson
portada por linha aérea de baixa secção. A Isolamento, solidão. A empregada Maria du Terrail, que vinha de anos atrás e conti-
perda em linha no transporte era muito ele- tinha seis filhos, três na terra e três no Céu, nuou depois da minha saída. Tinha coisas
vada, de forma que na central na cidade au- dizia. Ah senhóra, dizia, paciência. Paciên- engraçadas na Secção Partidas e Chegadas.
mentavam a tensão para 240 volts para, no cia significando desgraça. Gente muito po- Lembro-me de duas: Chegadas: Entrou
fim da linha onde morava, ter apenas 160 bre, valiam-lhes as remessas de roupa usa- no porto da Horta com avaria nas máqui-
volts nas horas de ponta. Durante a noite, da enviada pelos calafonas, emigrantes na nas, a reboque de um seu colega o vapor
com as luzes todas apagadas, tinha em casa California. Por vezes recebiam um canivete Hillary ... Outra: regressou da ilha das Flo-
(com instalação muito res, onde esteve em servi-
velha) 240 volts ço da sua especialidade o
Resultado: uma bela cavalo-garanhão da Junta
noite acordei com a casa Geral...
em chamas. Pus a mu- Na minha mente per-
lher e a filha Paula de três siste uma das imagens
meses, nascida no hos- que tive da cidade da
pital da Horta, fora de Horta. Ei-la:
casa enquanto eu lutava Qual quadro de Tou-
para apagar as chamas louse-Lautrec, três per-
que consumiam os cor- sonagens passeavam ao
tinados, arrancando-os sol nos jardins da cidade:
à mão e abafando o fogo uma senhora de meia-
com tapetes. Consequên- idade (seria mulher-da-
cias: dois meses com as ma?) de chapéu de sol
mãos entrapadas. branco para não tisnar a
pele da cara, que se orgu-
VIVÊNCIA NA HORTA lhava de ter muito bran-
ca, ladeada de dois com-
Foto da Igreja Matriz. Câmara Municipal à direita, Junta Geral à esquerda, mostrando estacionados os
Como referi atrás, a panheiros, todos de braço
transportes colectivos da época.
Horta era uma cidade em dado, felizes. Dois sub-te-
decadência. Havia reminiscências de outros de madre-pérola. Ao sol fraco, nos caminhos nentes da Marinha, um subdirector da Radio
tempos mais prósperos. Havia a casa Ben- um homem desbastava uma caninha com o Naval o outro patrão-mor da Capitania.
saúde, agentes de navegação com oficinas canivete. Então o que está o senhor a fazer, Será que Jorge Amado não se teria inspi-
de reparação de navios. As companhias de perguntava eu. Pois estou a falquejar, senhor. rado neles para escrever uma de suas no-
cabo submarino alemã, americana e ingle- Então e o senhor o que faz, perguntava eu ao velas?
sa tinham desaparecido. Alguma activida- que assistia ao lado com as mãos nos bolsos. Z
de, pouca no porto, onde arribavam navios Pois não vê o senhor que estou a ajudar? Paulo M. Guerra Corujo
com avarias. Um ou outro iate. Uma única Pegava no velho Ford militar e dava vol- CMG
rua empedrada que ia até à Sociedade Amor ta à ilha, uns 50 Kms, passando pelos Ca- (Antigo Director da Estação Radionaval 1951-53)
da Pátria, sociedade cultural e recreativa de pelinhos, Cedros, Espalamaca e Porto Pim Fotos cedidas por Foto Jovial, Horta
REVISTA DA ARMADA U FEVEREIRO 2009 25