Page 90 - Revista da Armada
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mo curso ou amigos) até que acabou por o con-  CCS – Quando são novinhas são tão boni-  Esteve em todas as províncias ultrama-
         vencer de que eu não tinha culpa nenhuma.  tas! Ah! Um encanto, mesmo. Mas depois de  rinas?
           RA - Ainda bem!                  terem filhos ficam com as maçãs do rosto, as-  CSS – Sim!
           CSS - Mas tive um imediato em Macau que  sim, muito ossudas…          RA – Com muito que contar e uma belís-
         era “bera”. Mesmo “bera”! Sabe o que me   RA – Vejo que é entendido. Nem pergunto  sima Caderneta. Deixe ver! Cá estão elas.
         fez?                               mais nada… era outra entrevista!   Medalha da Expedição Militar a Timor, as
           RA - Não imagino, sequer.          CSS – (Risos) Mesmo em Lisboa, fui orde-  de Cobre e de Prata (logo duas!) de Com-
           CSS - Como eu era carpinteiro tinha direito  nança. Sabe como é que me chamavam. Era o  portamento Exemplar e a de Mérito Militar.
         a um subsídio de cem escudos. Pois entendeu  «Carlos da Pasta».       Sim senhor!
         que não mo tinha que dar e não deu enquanto   RA – Pois. Nela está devidamente equipado. A   CSS – Sabe? Eu tinha um livro com tudo
         lá esteve. Foi o único que me fez isto!  pasta, o cinturão e o sabre. Bem me recordo das  apontado mas a minha Mulher, nas arruma-
           RA - Estou a ver.                ordenanças dos navios. Aprumados e… desen-  ções, coitada, deve tê-lo deitado fora. Se calhar
           Estávamos a pensar como a simples e ocasio-  rascados. São, nos portos de escala, nacionais ou  até fui eu, sei lá, distraidamente. É assim…
                                                                                                  11
         nal negação dum elementar direito pode revol-  estrangeiros, a primeira imagem do navio…  RA – Acontece e é pena . Quando passou
         tar tanto, a ponto de, ao longo de toda                                   à Reserva estava…
         uma vida, mesmo cheia, ficar a remoer                                        CSS - … na oitava Secção da Dire cção
         na memória… quando                                                        do Serviço do Pessoal.
           CSS - Veja esta foto! Foi tirada da praia                                 RA – Não lhe pergunto se tem sauda-
         com a Kodak dum camarada. Vê-se o                                         des. Melhor que tê-las é poder reviver
         «Zarco» ao fundo, o gasolina de bordo                                     assim tantas e tão belas recordações.
         (eu vou lá) e vê-se a jangada/pontão liga-                                Tê-lo feito com a Revista da Armada
         da a terra por um passadiço. Havia um se-                                 não só nos honra mas, sobretudo, nos
         nhor que revelava as fotografias em Dili e                                 enriquece. Junto dos leitores só espero
         eu levava-lhe os rolos do pessoal. Dei-lhe                                que a palavra escrita não traia o vigor
         muito dinheiro a ganhar.                                                  do que nos disse e, sobretudo, o modo
           RA – Não havia aqui uma grande árvo-                                    espontâneo e caloroso como o fez. Um
         re a que os navios amarravam?                                             grande “Bem haja!”.
           CSS - Sim, sim. Mas ao contrário do   NRP “Gonçalves Zarco”                                         Z
         Malheiro do Vale , com o Cte Fragoso de   1963                              Dr. Rui Manuel Ramalho Ortigão Neves
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         Matos ficávamos fundeados ao largo.                                                                  1TEN
           Deu-se uma cena muito engraçada                                         Notas
         nessa jangada/pontão. Passou por lá uma                                     1  Havia trinta anos que não passava um tufão
         esquadra soviética que ia a caminho da                                    com tal violência. Afundou dois ou três navios.
         Indonésia e os marujos deles estavam à                                    Um jornal chinês chegou a noticiar o afunda-
         espera da lancha mas, como eram mui-                                      mento do «Zarco».
                                                                                     2  Em Fernando Pessoa, na «Mensagem», em
         tos, aquilo desequilibrou-se e uns quantos                                «O Mostrengo».
         foram ao malagueiro.                                                        3  A farda de cotim cinzento, com o corte dos
           RA - Em 1965, quando saímos de Lis-                                     uniformes de passeio das nossas praças actuais
         boa íamos informados de que podería-                                      e que era o uniforme de serviço, usado, durante
         mos ser mandados seguir para o Extre-                                     alguns anos, também pelos cadetes da Escola
                                                                                   Naval, e, em  passeio, pelos jovens recrutas.
         mo Oriente mas, desta vez, por causa                                        4  Por alusão aos temíveis caças «Spitfire» da
         de uma visita de “cortesia” que uma es-                                   Royal Air Force.
         quadra indonésia de navios de fabrico so-                                   5  Comandante da «Pêro Escobar» na viagem
         viético, entretanto fizera. Foi assim que                                  de «Guarda Marinhas» do Curso de «Duarte Pa-
         de repente zarpámos de Luanda. Deve                                       checo», em 1961. Pela entoação dada pareceu-
                                                                                   -nos estar a ouvi-lo!
         haver uma relação entre essa visita, que                                    6  A CUF manteve sempre uma bem treinada
         desconhecia, e a que refiro.                                               e temida equipa de remo (shell), com quem o
           CSS - Dali fomos para Macau e quan-                                     CNOCA disputava, no Sul, o primeiro lugar.
                                                                                     7  Temos fotos da visita do Marechal Carmona, o
         do estávamos para partir para Lisboa, em                                  PR, a Moçambique,  em 1939, em que se vê uma
         Hong Kong, o Comandante ofereceu um                                       massa compacta de africanos, em trajes de guerra,
         jantar ao nosso cônsul. O criado que ser-                                 dançando furiosamente enquanto dois casais des-
         via à mesa veio ter comigo e perguntou-                                   cuidadamente fazem pose para a fotografia.
                                                                                     8  Foi professor no Colégio Militar um oficial
         -me: «Ouça lá! Que é que você fez ao
         cônsul que o homem não se cala a fazer-                                   do Exército, major Garcia de Brito, que ocasio-
                                                                                   nalmente nos narrava a sua odisseia nas mon-
         -lhe elogios!»... «Eu? Nada!». Mas não é                                  tanhas onde se teve de refugiar. Contava-se na
         verdade…                             CCS – No regresso, viemos pelo Suez. Passá-  Armada que um oficial, em virtude da guerra que já
           RA - (sorrimos…)                 mos em Singapura e de lá, de autocarro, fomos   assolava a Europa, se vangloriava de se ter voluntaria-
           CSS - Como eu era a ordenança do navio ia  a Malaca. Umas três horas…  do para Timor onde acabou por ser o único a, amar-
                                                                               gamente, sofrer as agruras da IIGG.
         muitas vezes ao consulado e o senhor gostava   RA – A cidadela dos descendentes dos Por-  9  De facto o nosso entrevistado citou os nomes com-
         muito de conversar comigo e recebia-me sem-  tugueses… Onde ainda hoje se fala o «Papiá   pletos de todos os muitos oficiais com que se cruzou,
         pre muito bem.                     Cristão»!                          revelando nesse aspecto e em todos os outros uma
           Como em Dili havia uma senhora que fazia   Qual foi o seu último embarque?   prodigiosa memória.
                                                                                 10
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         um doce de limão muito bom, eu comprei-lhe   CSS – Foi na «João Belo». Estivemos em An-  atracava em Macau onde, em Fevereiro de 1966, dra-
         uns boiões e ofereci um ao senhor cônsul. Deve  gola em 1973 e 74.    gado um canal, verdadeira almofada de lodo, atracou
         ter sido isso!                       Esta é em Cabinda. Veja! As chamas dos po-  a «D. Francisco de Almeida» vinda de Timor a cami-
           RA - Não foi só por isso…        ços de petróleo à noite.           nho de Moçambique.
                                                                                 11
                                                                                   De facto à História da Armada faltam os testemu-
           Nas costas desta foto, de 1961, escreveu   RA – Em 1962, oficial de quarto, recordo,   nhos das suas Praças e até de Sargentos que, noutra
         «BONS TEMPOS». Claro! Com uma chinesi-  quando iniciaram a prospecção dos poços, das   perspectiva, enriqueceriam, com a sua leitura, os fac-
         nha…                               gerbes das explosões. Mas de dia!  tos que a história regista.
         16  MARÇO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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