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Campanha Antárctica 2009 - ANTARKOS XXV
Em Setembro de 2008 prestes a terminar a é frequente os navios esperarem dias para iniciar No âmbito da cooperação entre Estados, a 12
especialização em Hidrografia e Oceano- viagem, e enfrentar o “temível” Cabo Horn. No de Fevereiro embarcaram três geólogos corea-
grafia recebi um telefonema que revelou dia 7 de Fevereiro o navio largou rumo à ilha Rei nos, tendo sido transportados até à ilha Gibbs
uma das maiores surpresas da minha vida: a in- Jorge (Shetland do Sul), onde se encontra sediada (ilha pertencente também às Shetland do Sul, a
digitação para a CampanhaAntárctica “ANTAR- abaseuruguaia:BaseCientificaAntárcticaArtigas 110mi da BCAA) para recolha de sedimentos e
KOS XXV”. Ao serviço da Marinha já estive em (BCAA). A passagem pelo paralelo 60º S fez-se rochas. O navio serviu também de plataforma
três continentes, mas nunca me ocorreria que envolta num sentimento único, visto representar de observação da fauna marinha para dois licen-
algum dia poderia pisar o continente branco. a entrada na zona antárctica. ciados e dois técnicos. Este trabalho foi inicial-
A 25 de Janeiro de 2009 chega o tão esperado O ROU 04 “General Artigas”, navio logístico mente orientado por um doutorado brasileiro,
dia. Parti de Lisboa rumo a Montevideo, fazen- da armada uruguaia, adquirida à marinha alemã que desembarcou naArgentina. Estes elementos
do escala em Madrid. Cheguei ao Uruguai a 26 em 2004 (classe Friburgo) tinha um conjunto de desembarcaram na ilha Rei Jorge para a obser-
de Janeiro pelas 1100H locais e, acom- vação de fauna autóctone. Estudaram a
panhada pelo oficial de ligação, dirigi- morfologia e o comportamento de várias
-me para bordo onde fui recebida pelo aves (Skuas, Gaivotas, Pinguins, etc) e
Comandante do ROU 04 “General Arti- mamíferos (baleias).
gas”. Nesse dia fui ainda apresentar cum- O meu primeiro desembarque foi no
primentos ao Comandante de la Division dia 13 de Fevereiro, onde tive oportu-
deEscoltas eaoComandantedelFuerzas nidade de visitar a BCAA e desfrutar do
de Mar. Na tarde de 27 de Janeiro visitei ambiente único que ali se vive. Cami-
a Embaixada de Portugal, onde fui rece- nhei até ao Glaciar Collins e tive contac-
bida pela Embaixadora Luísa Almeida. to com vários grupos de pinguins e uma
Além destas visitas protocolares tive ain- foca que se mostrou muito curiosa.
da a oportunidade, nos quatro dias que Uma das tarefas que o navio execu-
estive no Uruguai, de conhecer a capi- tou nos primeiros dias da sua permanên-
tal, Montevideo, visitar Punta de Leste cia na região antárctica foi a trasfega de
(o Algarve uruguaio) situada a cerca de Chegada ao Porto de Ushuaia. combustível para os depósitos russos, si-
200Km e Colónia do Sacramento (Patri- tuados a cerca de 3Km da BCAA. Uma
mónio Histórico da Humanidade). tarefas atribuídas destacando-se o estudo e inves- operação complexa devido a todos os proce-
OnaviolargoudeMontevideoa30deJaneiro, tigação, tarefas logísticas (transporte de material, dimentos a executar: a manobra de fundear na
um dia depois do previsto face ao atraso verifica- de pessoas, etc.), tarefas protocolares e tarefas de baía Maxwell, colocação de barreiras anti-po-
do com a chegada de material venezuelano. A cooperação com outros Estados e entidades. A luição e passagem das mangueiras para a tras-
bordo estavam cerca de 200 pessoas preparadas escolha recaiu sobre o ROU 04 devido à multi- fega. A segurança foi condição imprescindível,
para iniciar uma navegação de 1600mi, até ao plicidade de actividades a executar para cumprir sendo obrigatório respeitar o Plano de Contin-
primeiro porto de escala – Ushuaia, Argentina. com a “ANTARKOS XXV”. De entre os navios gência (plano para este tipo de operação que
Além dos elementos da guarnição (80 militares) da Armada do Uruguai, o ROU 04 não é o na- envolve risco de derrame).
e devido à complexidade da missão, embarca- vio que está mais bem preparado para navegar Uma vez realizadas algumas das actividades
ram um conjunto de Oficiais, Sargentos e Praças nestas águas ou realizar levantamentos hidro- previstas, partiu-se em direcção à PenínsulaAn-
extra-navio; uma equipa de militares e cientistas oceanográficos (não tem equipamentos e siste- tárctica onde está situado o refúgio T/N Ruper-
daVenezuela; um oficial da Armada do to Elichiribehety (Baía Esperança). Este
Paraguai; uma psicóloga; um médico; refúgio, ao contrário da BCAA que está
uma meteorologista, um jornalista, uma a funcionar todo o ano, só se encontra
equipa de biólogos da Universidade de aberto quatro meses na época do Ve-
Montevideo, uma equipa do Instituto An- rão. Neste refúgio e no Estreito Antárcti-
tárctico do Uruguai (IAU) e o curso de ca- co (adjacente à baía) estava igualmente
detes do 2º ano da EN do Uruguai. previsto cumprir algumas tarefas logísti-
Na primeira tirada, quando o mar e o cas e realizar trabalhos de oceanografia
vento permitiram, realizaram-se alguns e hidrografia. Neste trânsito verificaram-
exercícios (incêndio, abandono, etc) de -se as mais duras condições de toda a
forma a adestrar a guarnição e preparar/ viagem, tendo o barómetro descido aos
sensibilizar os que navegavam pela pri- 950HPa e o vento atingido os 51 nós.
meira vez. Iniciei funções de OQP (oficial Cheguei à Península Antártida a 15
de quarto à ponte), supervisionada pelo Encontro com uma foca durante a visita à BCAA e passeio de Fevereiro e as imagens que recor-
“Comandante de guardia”, função que pela ilha Rei Jorge.
desempenhei durante toda a navegação, do daquela manhã são incomparáveis
e únicas: os blocos de gelo e icebergs
excepto nos períodos de trabalho hidrográfico mas próprios de hidrografia/oceanografia e não à deriva, os flocos de neve a cair, o mar espe-
e oceanográfico. A navegação no Atlântico Sul tem qualquer reforço de quilha ou duplo casco lhado, os brancos e os azuis…Fascinante! Não
durou cerca de 7 dias, com mar grosso e ventos para a navegação entre gelo) mas, face à diver- houve quem ficasse no interior do navio e, du-
fortes. Entrámos no canal Beagle na noite de 5 de sidade de acções a realizar, o compromisso só rante toda a manhã, as máquinas fotográficas
Fevereiro e chegámos a Ushuaia (Argentina) dia seria conseguido com o navio logístico. registaram todos os momentos. O navio fun-
6. Este porto é utilizado como ponto de apoio da A 11 de Fevereiro fundeámos pela primei- deou na Baía Esperança e o dia de trabalho foi
maioria das expedições e cruzeiros científicos à ra vez na baía Collins, frente à BCAA. Foi um longo. Iniciou-se o transporte de material para
Antártida.A escala foi curta, dois dias e uma noi- dia preenchido com o desembarque de ma- terra, e desembarcou-se cinco elementos do Ins-
te, com o objectivo de aproveitar as boas condi- terial (géneros, equipamentos e material), de- tituto Antárctico Uruguaio para executar a ma-
çõesmeteorológicasparainiciaratravessiadoEs- sembarque esse efectuado com dois botes e nutenção do refúgio. A pouco e pouco, a baía
treito de Drake. Nestas latitudes (“os quarentas”) uma lancha. ficou repleta de icebergs e o navio rodeado de
24 JANEIRO 2010 U REVISTA DA ARMADA