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O novo quadro sancionatório da União Europeia
    aplicável à poluição marítima por navios

INTRODUÇÃO                                           das humanas, deverá o auto de notícia ser remeti-   e à introdução de sanções em caso de infrac-
                                                     do à autoridade judicial para eventual instauração  ções, porque tal diploma prevê novos meca-
Portugal tem, desde 26SET2000, um qua-               de processo-crime”. Tal normativo teve como         nismos jurídicos aplicáveis à poluição por
      dro jurídico inovador e sustentado em          preocupação fundamental o garantir que o            navios, designadamente a introdução de san-
      matéria de poluição marítima, cujo en-         regime contra-ordenacional do DL 235/2000           ções penais, por crimes de poluição. Aquele
quadramento teórico se fundamenta quer na            não se desconfigurava do quadro penal vi-            impacte tanto mais é importante, porquanto
Convenção das Nações Unidas sobre o Direi-           gente – artigos 279º e 280º do Código Penal         se pode reflectir a vários níveis da actuação
to do Mar (CNUDM), em especial pontos 4) e           (CP) –, permitindo, assim, oportunamente, a         das entidades do Estado.
5) do nº1, do artigo 1º, e artigos 210º, 211º, 220º  necessária análise judicial a determinadas si-
e 226º, quer nos trabalhos preparatórios de-         tuações, atendendo a que, o legislador penal,         Em primeiro lugar porque o novo quadro
senvolvidos a partir de estudos efectuados na        aquando da elaboração daqueles preceitos,           comunitário indicia, claramente, que os Es-
DGAM ao Decreto-Lei nº 90/71, de 22MAR,              não configurou a definição do ilícito como            tados têm que desenvolver legislação penal
e, ainda, no quadro conceptual estabelecido          podendo ser aplicável a ilícitos de poluição        adequada à nova conceptualização, isto é, ti-
pela Convenção Internacional para a Prevenção        marítima com origem em navios2. Importa, pois,      pificar as descargas de substâncias poluentes
da Poluição Por Navios (MARPOL) de 1973, e           na sequência da nova Directiva comunitária,         como infracções penais - artigos 4º, 5º e 5ºAda
Protocolo de 1978. Independentemente de              apurar o tipo penal existente, especificando,        Directiva -, deixando apenas de fora “os casos
acertos temáticos, e procedimentais, que a dé-       expressamente, a poluição marítima com origem       menos graves em que o acto cometido não causa
cada de vigência do diploma (Decreto-Lei nº          em navios, inclusive porque é tal o sentido do      uma deterioração da qualidade da água”, confor-
235/2000, de 26SET) já exige, tem-se verifica-        novo regime aprovado.                               me se estatui no nº2 do artigo 5ºA. Tal opção
do, em foros internos e mesmo internacionais,                                                            legislativa parece criar, à primeira vista, uma
que os mecanismos legais então definidos e              Considerando o âmbito jurídico do DL              acentuada dificuldade de conformação de
aprovados se mostram actuais, operativos e           235/2000, e atento, sobretudo, o seu enqua-         regimes, porquanto apenas se permitirá uma
eficazes, inclusivé inovadores face aos regi-         dramento jurídico de especialidade, a Lei nº        não tipificação penal a situações meramente
mes existentes noutros Estados-Membros da            50/2006, de 29AGO, que aprovou o regime             circunstanciais, com impactes ecossistémicos
União Europeia (UE).                                 aplicável às contra-ordenações ambientais,          mínimos, o que se reflectirá, apenas - atentas
                                                     salvaguardou, expressamente, através do es-         as várias centenas de situações já tratadas pelo
  No âmbito de tal enquadramento jurídico,           tipulado no seu artigo 75º, o regime das con-       regime jurídico português nas últimas três dé-
foi absolutamente clara a opção legislativa          tra-ordenações no âmbito do meio marinho            cadas - a uma ínfima parte das ocorrências.
em criar, então, com autorização expressa da         – epígrafe algo infeliz, convenhamos -, expres-     Voltar-se-á a esta questão adiante.
Assembleia da República dada através da Lei          são legislativa que foi confirmada pela Lei nº
nº 8/2000, de 3JUN – também concebida na             89/2009, de 31AGO, que deu nova redacção              Os impactes dar-se-ão, em segundo lugar,
DGAM – um quadro sancionatório contra-               à Lei nº 50/2006. Desta forma, mantém-se            ao nível da cooperação inter-departamental
ordenacional firme e processualmente eficaz,           inalterada a opção tomada pelo legislador           das tutelas com atribuições na matéria, isto
criando uma moldura legal cujo limite máxi-          em 26SET2000, e, portanto, a existência de um       é, fundamentalmente, a Defesa Nacional e
mo ascende mesmo – para pessoas colectivas           quadro de ilícito de mera-ordenação social es-      Assuntos do Mar, a Justiça, e o Ambiente, no
- a `2.493.9851, e um regime de medidas cau-         pecífico para o caso da poluição marítima de-        sentido de se concertarem posições com vista
telares cujo sentido último é garantir, de for-      signadamente a originada por navios.                a eventual alteração dos artigos 279º e 280º do
ma ágil e eficiente, os interesses públicos que                                                           CP – de epígrafes poluição e poluição com perigo
fundamentam o diploma, ou seja, os princí-             O quadro legal instituído pelo DL 235/2000,       comum -, ou assumindo, alternativamente, a
pios da protecção e preservação do meio ma-          em Portugal, corresponde, em conceito ao que        construção de um quadro jurídico ad-hoc cujo
rinho (afinal, o conceito-base da Parte XII da        veio a ser assumido pela Directiva 2005/35/         objecto seja a poluição marítima ocasionada
CNUDM) e, em consequência, a garantia de             CE, de 30SET, a qual estabelece a obrigatorie-      por navios. Tal tarefa exige empenhamento
uma melhor segurança marítima.                       dade dos Estados-Membros (EM) punirem               total e acompanhamento próximo, inclusive
                                                     derrames com origem em navios através de            porque, nos termos preceituados no artigo 2º
  A par de tal preocupação, o DL 235/2000            sanções administrativas e penais, pelo que,         da Directiva 2009/123/CE, os Estados-Mem-
previu, ainda, um mecanismo de salvaguar-            existindo em Portugal um regime jurídico sus-       bros têm que colocar em vigor as adequadas
da de custos eventualmente existentes com o          tentado e actual, sempre se defendeu desde en-      disposições legislativas, regulamentares e/
combate à poluição, instituindo a obrigatorie-       tão, até perante a UE, que se não iriam iniciar,    ou administrativas até 16NOV2010, ou seja,
dade de prestação, perante aAutoridade Ma-           por desnecessários, procedimentos de trans-         num horizonte temporal muito curto, atento
rítima, de uma garantia considerada idónea           posição da referida Directiva. Contudo, face        o percurso que uma tal iniciativa legislativa
destinada a assegurar o pagamento de tais            a entendimentos sustentados por quadrantes          terá que conhecer.
despesas. Medida que se veio a revelar de ex-        eco-ambientalistas, a UE entendeu que os EM
trema utilidade em pelo menos uma dezena             deveriam criar, obrigatoriamente, um dispo-         A QUESTÃO JURÍDICA
de situações de grande impacte público que           sitivo de características penais como sanção a
ocorreram nos últimos anos.                          ilícitos de poluição marítima por hidrocarbo-         O presente assunto envolve uma questão
                                                     netos que, com carácter mais grave, tenham          substantiva de fundo, e uma outra, de dife-
  Ficou, pois, definido, que os ilícitos de po-       origem em derrames de navios.                       rente configuração, eventualmente de cariz
luição marítima seriam tratados como contra-                                                             mais adjectivo.
ordenação, ou, preferindo-se o termo, ilícitos de      Serve esta brevíssima introdução para se ter
mera ordenação social, tendo o legislador defi-       uma melhor percepção do impacte que pode-             Aquestão de fundo prende-se com a opção
nido, expressamente, através do nº3, do arti-        ria ter a publicação a 27OUT2009 da Directi-        conceptual que, agora, foi tomada, em sede da
go 14º, do DL235/2000, que “sempre que ocor-         va 2009/123/CE, do Parlamento Europeu e             UE, no sentido de se considerar como infracção
rências envolvam agressões de grandes proporções     do Conselho, de 21OUT2009, que, em parte,           penal uma razoável parte das ocorrências de
ao meio marinho, nomeadamente graves prejuízos       altera a Directiva 2005/35/CE – publicada a         poluição marítima existentes, o que, pelo me-
para o ecossistema ou perigo de contágio para vi-    30SET2005 –, relativa à poluição por navios         nos em termos de princípio, poderia prejudicar

6 FEVEREIRO 2010 U REVISTA DA ARMADA
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