Page 29 - Revista da Armada
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RECORDANDO…                                          CARTA

Eu ainda sou do tempo em que nem                             Os navios-escola Colombo e Vespucci no porto de Livorno
       todos os fuzileiros tinham direito
       a usar a boina já que tal distintivo                                  REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2010 29
estava reservado unicamente aos fuzi-
leiros especiais.

  Todo e qualquer pretexto servia, e era
utilizado, para frisar as diferenças entre
os fuzileiros especiais e os fuzileiros na-
vais, a outra categoria de fuzileiros.

  O episódio que hoje vos relato, ocor-
rido por volta de 1964, é quanto a mim,
um claro exemplo de até quanto podia ir
a ânsia em vincar a diferença.

  Ao tempo os oficiais que frequentavam
o curso de fuzileiros especiais, talvez
porque a maioria se encontrava arreda-
da, há vários quilos, de actividade física
regular, estavam sujeitos a um programa
específico de treino que incluía um cross
diário de 7 Km.

  O cross, efectuado sempre no mesmo
percurso, incluía duas passagens por Pa-
lhais e era dirigido por um oficial ou um
sargento instrutores.

  A monotonia do cross, tanto quanto
pude observar, só era quebrada aquan-
do da passagem junta a um burro que,
invariavelmente, se encontrava a pas-
tar amarrado junto ao percurso então,
sem necessidade de qualquer comando,
o grupo de oficiais, contrariamente ao
que a respectiva formação naval aconse-
lharia, “cortava a proa” ao animal que,
pelo menos aparentemente, demonstra-
va não se ter apercebido da passagem
daquele grupo.

  Num determinado dia coube ao sargen-
to JM a direcção do cross dos oficiais.

  O JM era um indivíduo que, embora de
pequena estatura, era fortemente entron-
cado e cioso ao extremo, da sua qualifi-
cação como fuzileiro especial.

  Sendo a primeira vez que dirigia o
cross só bem tarde se apercebeu da ma-
nobra efectuada, pela turma dos oficiais,
à passagem pelo local onde estava o bur-
ro, Tal distracção levou-o a passar no raio
de alcance do “armamento” do asno que
não desprezou a oportunidade para lhe
aplicar um valente par de coices.

  Foi com alguma surpresa que, por pas-
sar então pelo local, vi o sargento JM,
embora combalido, agarrar na arreata do
burro e, ao mesmo tempo que lhe aplica-
va um monumental murro, que lhe pro-
vocou a morte, lhe dizia com o ar mais
sério deste mundo:

  “Só mesmo um burro é que se atreveria
a meter-se com um fuzileiro especial”

  Nem o estado do sargento JM, nem tão
pouco a morte do burro foram suficientes
para impedir a conclusão daqueles, para
alguns, muito longos 7 Km.

                                                   Z

                                Com. E. Gomes
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