Page 4 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO DIA

Forças para o bem

As forças navais sempre possuíram              No plano nacional, merece destaque o      navais não estão empenhados noutras ta­
        características distintivas, que as  desempenho dos meios da Marinha Por­        refas, passou a ser encarada como uma
        tornam extremamente úteis em         tuguesa na sequência das chuvas torren­     missão essencial e prioritária do poder
caso de catástrofe, tanto natural como       ciais que se abateram sobre a Madeira em    naval, para a qual a Marinha Portuguesa,
causada pelo homem. Entre essas carac­       20 de Fevereiro deste ano. Prontamente,     por exemplo, possui equipamento apro­
terísticas importa referir a prontidão, a    a Marinha disponibilizou as capacida­       priado e efectua treino dedicado (DISTEX
mobilidade e a flexibilidade. Prontidão,     des da fragata “Corte Real” (incluindo o    – Disaster Relief Training Exercise), que é
porque estão naturalmente prontas, equi­     seu helicóptero embarcado), da corveta      alvo de avaliação internacional.
padas e treinadas para entrar em acção       “Afonso Cerqueira”, do patrulha “Caci­
a qualquer momento. Mobilidade, pois         ne”, de uma Brigada Hidrográfica, bem         Isto vai ao encontro da teoria das “for-
têm grande facilidade de movimentação,       como dos fuzileiros, mergulhadores e        ças para o bem” (exposta no livro de Lor­
que lhes advém da liberdade de circula­      pessoal da autoridade marítima (com         raine Elliott e Graeme Cheeseman “For-
ção no mar. Flexibilidade, porque podem      respectivos meios) para colaborar nas ac­   ces for good – Cosmopolitan militaries in the
ser empregues numa gama muito alarga­        tividades de protecção civil, em estreita   twenty-first century”), que advoga o em­
da de tarefas, de âmbito                     cooperação com as estruturas regional e     prego das Forças Armadas em objecti­
militar e não militar.                       municipais da protecção civil. De entre as
                                             actividades desenvolvidas destacam­se                           vos filantrópicos, como
  A História regista                         as acções de busca e salvamento, o resga­                       missões de assistência
o papel que as duas                          te de corpos, o reconhecimento de zonas                         humanitária e de res­
corvetas então esta­                         ribeirinhas, a limpeza e a remoção de es­                       posta a catástrofes, bem
cionadas nos Açores                          combros, o esgoto de edifícios alagados,                        como combate à degra­
desempenharam, na                            o levantamento hidrográfico de zonas                            dação ambiental, a pan­
sequência do violen­                         portuárias, a assistência na reparação de                       demias, ao terrorismo e
to sismo que abalou                          avarias e a distribuição de alimentos.                          a tráficos de drogas e de
o arquipélago em 1                                                                                           armas. A teoria das “for-
de Janeiro de 1980. A                          Esta tendência de utilização do poder                         ces for good” assenta no
corveta “Jacinto Cân­                        naval em apoio humanitário e interven­                          entendimento de que
dido” (que, logo após                        ção pós­catástrofe levou a que estas mis­                       a humanidade é uma
o sismo, largou para a                       sões fossem incluídas na doutrina estra­                        comunidade moral em
ilha Terceira) e a cor­                      tégica das marinhas de muitos países,                           que as obrigações e os
veta “Baptista de An­                        incluindo Portugal. Isso corresponde a                          deveres não devem es­
drade” (que se lhe jun­                      um aumento da sua valorização no qua­                           tar confinados às fron­
tou dois dias depois)                        dro das missões habitualmente desem­                            teiras estatais e de que,
procederam a inúme­                          penhadas pelas marinhas. Em vez de ser                          na ausência de conflitos
ras acções de evacua­                        uma espécie de bónus que as marinhas                            bélicos, os militares de­
ção das ilhas Terceira,                      disponibilizam para apoio à protecção ci­                       vem empenhar­se em
Graciosa e S. Jorge e                        vil, quando necessário e quando os meios                        fazer o bem.
distribuíram tendas, macas, coberto­
res e alimentação, de forma a mitigar o                                                                         As actividades de­
sofrimento das populações afectadas.                                                     senvolvidas pelos meios da Marinha,
Pela sua acção imediata de apoio às po­                                                  na sequência da tragédia que assolou
pulações sinistradas, a corveta “Jacinto                                                 a ilha da Madeira em 20 de Fevereiro,
Cândido” recebeu a medalha de Servi­                                                     constituíram apenas mais um exemplo
ços Distintos ouro.                                                                      da importância de possuir forças na­
                                                                                         vais prontas e bem treinadas, e da sua
  Nesta perspectiva, a utilidade das for­                                                utilidade em situações desta natureza,
ças navais em missões humanitárias e de                                                  fazendo o bem e mitigando o sofrimento
apoio a catástrofes tem vindo a reforçar­                                                das populações. Num país como Portu­
­se nos últimos tempos. Sem que se seja                                                  gal, caracterizado por descontinuida­
exaustivo, podem citar­se três exemplos                                                  de territorial, isto assume importância
recentes, dois de âmbito internacional e                                                 acrescida, como ficou provado em 1980,
um de âmbito nacional.                                                                   nos Açores, e este ano, na Madeira, bem
                                                                                         como noutras ocasiões igualmente sensí­
  No plano internacional, é forçoso re­                                                  veis como o resgate de cadáveres após o
conhecer o papel que os navios de várias                                                 acidente aéreo nas aproximações ao ae­
marinhas, com natural destaque para a                                                    roporto de Santa Maria, em 1989, ou o
marinha dos EUA, desempenharam na                                                        terramoto nas ilhas do Faial, do Pico e
sequência do tsunami que varreu a Ásia                                                   de S. Jorge, em 1998.
em 26 de Dezembro de 2004 e após o ter­
ramoto que sacudiu o Haiti em 12 de Ja­                                                                                                    
neiro de 2010.                                                                                                   N. Sardinha Monteiro

                                                                                                                                                CFR

4 JULHo 2010 • Revista da aRmada
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