Page 7 - Revista da Armada
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além das vicissitudes históricas e dos ciclos de     aplauso e Veteranos a quem se reserve o esque-       cionalidade diferente,serviram nas ForçasArma-
vida política, a permanência do Estado.              cimento. Não há Veteranos ou Antigos Comba-          das portuguesas.
                                                     tentes fascistas ou democráticos, socialistas ou
  Os soldados cumprem as suas missões por            comunistas, reaccionários ou revolucionários.          Em 1974,jovens militares decidiram derrubar
diversos motivos. Por dever. Por convicção. Por      Não há Veteranos de antes ou de depois do            o regime autoritário e dar uma oportunidade à
obrigação inescapável. Por desempenho pro-           25 de Abril. Não há Antigos Combatentes mili-        democracia. Outros tentaram estabelecer um
fissional. Por sentido patriótico, político ou mo-   cianos ou de carreira ou contratados. Há Vete-       novo regime político que eventualmente limita-
ral. Só cada um, em sua consciência, conhece         ranos e Antigos Combatentes, ponto final! É o        ria as liberdades.Outros ainda ficaram indepen-
as razões verdadeiras. Mas há sempre um vín-         que nós lhes devemos. Nós, todos, os que fize-       dentes e equidistantes. Enquanto outros, final-
culo, invisível seja ele, que o liga aos outros, à   ram ou não, os que concordaram ou não com            mente, teriam preferido continuar sob o regime
comunidade local ou nacional, ao Estado. É           as guerras, sem distinção de época, de governo       anterior.Prefiro os primeiros,os que ajudaram a
sempre em nome dessa comunidade que o                ou de cor política.                                  fundar o Estado democrático. Mas, pelo sacrifí-
soldado combate.                                                                                          cio das suas vidas e pelo cumprimento dos seus
                                                       Portugal não trata bem os seus antigos com-        deveres, respeito-os todos.
  Na verdade, em todos os episódios de guerra        batentes,sobreviventes,feridos ou mortos.É cer-
referidos e noutros mais, há fenómenos de            to que há, aqui e ali, expressão de gratidão ou             Qualquer guerra ou envolvimento militar
natureza diversa. Houve decisões políticas           respeito,numa unidade,numa autarquia,numa                é controverso e suscita opiniões diversas e
de carácter exclusivamente nacional, mas             instituição, numa lei ou numa localidade. Mas,           contraditórias.É assim noAfeganistão ou no
também houve actos de colaboração em                 em termos gerais e permanentes,o esquecimen-             Iraque. Foi assim no Ultramar. Como tam-
missões multinacionais, como houve deci-             to ou a indiferença são superiores. Sobretudo            bém na Flandres, nas Linhas de Torres ou
sões estratégicas colectivas das alianças de         por omissão do Estado. Dos aspectos materiais            em Aljubarrota. Essas divergências podem
que Portugal é membro. Também conhe-                 aos familiares,passando pelos espirituais e políti-      ser legítimas e compreensíveis. Traduzem
cemos decisões políticas tomadas em vários           cos,o Estado cumpre mal o seu dever de respei-           ideias, interesses, convicções e doutrinas
quadros:com e sem legitimidade democráti-            to perante aqueles a quem tudo se exigiu.                diferentes.Assim como versões diversas do
cas,com e sem referenda parlamentar.E até,                                                                    interesse nacional. Mas isso não justifica a
finalmente, situações em que o Parlamento              Em cada momento, em cada conflito, houve               ausência de respeito por aqueles que com-
fica aquém daquela que deveria ser a sua             quem tivesse ideias diferentes e se opusesse à in-       bateram, que correram riscos, que ficaram
função. Com efeito, a Constituição e as leis         tervenção militar.Uns,mesmo nessas condições,            feridos ou deram a sua vida.
não obrigam, infelizmente, a que as missões no       cumpriram as ordens oficiais,outros recusaram-         As diferenças de opinião e de crença não de-
estrangeiro sejam aprovadas pelo Parlamento.         -se. Por oportunidade, por convicção política,       vem impedir de respeitar todos os que fizeram
Apenas admitem o “acompanhamento do en-              por uma interpretação diferente do interesse         a guerra, com convicção ou por obediência ao
volvimento” militar no estrangeiro, o que nem        nacional, houve refracção e objecção. Em cer-        poder político, desde que, evidentemente, o te-
sempre é rigorosamente cumprido.                     tos casos,pensava-se que as operações militares      nham feito sem abuso.Merecem as pensões que
                                                     não tinham sido referendadas pelo povo sobe-         lhes são devidas. Merecem atenção e cuidado.
  A análise destas diferenças pode ser importan-     rano ou eram contrárias à ética e ao interesse       Merecem um Dia do Combatente oficialmente
te do ponto de vista político, histórico e intelec-  nacional. Noutros casos, faltava o assentimen-       estabelecido.Merecem que as suas associações
tual. Mas, no plano do reconhecimento de um          to parlamentar. Aliás, o acompanhamento par-         sejam consideradas de utilidade pública. Mere-
povo,do respeito devido e do esforço do solda-       lamentar do envolvimento militar é deficiente,       cem estar presentes nas cerimónias públicas e
do, essas distinções são secundárias ou inúteis.     apesar de estatuído pela Constituição.               oficiais. Mas sobretudo merecem respeito.
Foram,simplesmente,militares portugueses que                                                                Os Portugueses são parcos em respeito pelos
tudo deram ou tudo arriscaram. É esse o reco-          Houve soldados que combateram sob um re-           seus mortos e até o Estado não é muito explíci-
nhecimento devido.                                   gime autoritário,outros em regime democrático.       to no cumprimento desse dever. Pois bem: está
                                                     Houve soldados que combateram integrados             chegada a altura de eliminar as diferenças entre
  Um antigo combatente não pode nem deve             em forças nacionais, outros em forças aliadas            bons e maus soldados, entre Veteranos de
ser tratado de colonialista, fascista, democra-      ou internacionais. Como houve soldados que,              nome e Veteranos anónimos, entre recor-
ta ou revolucionário de acordo com con-              de outras origens étnicas então e tendo hoje na-         dados e esquecidos.Pela Pátria ou pelo seu
veniências ou interesses menores. A sua                                                                       País, pelo Estado ou pela sua profissão, foi
origem, a sua classe social, a sua etnia, as                                                                  pela sua comunidade nacional que todos
suas crenças ou a sua forma de vínculo às                                                                     eles combateram e se sacrificaram.
Forças Armadas são, a este propósito, in-
diferentes: foram, simplesmente, soldados                                                                        É possível que o comportamento do
portugueses.                                                                                                  Estado, a atitude de políticos e os senti-
                                                                                                              mentos de cidadãos para com os militares
  Pelo sacrifício, pela duração e pelas im-                                                                   sejam determinados, em parte, pela avalia-
plicações políticas, as guerras do Ultramar                                                                   ção que se faz do modo como deram ou
foram evidentemente as que mais marca-                                                                        retiraram apoio a certos dirigentes e a cer-
ram as gerações das últimas décadas. Mas,                                                                     tas formas de regime. Não se nega o facto.
ao longo dos trinta anos de democracia e                                                                  Mas, perante o antigo combatente, recusa-se o
de compromissos internacionais, muitas                                                                    juízo de valor.
centenas ou milhares de cidadãos portugueses                                                                Aos Veteranos e antigos Combatentes que
estiveram presentes em teatros de guerra e em                                                             hoje estiveram connosco pela primeira vez,
missões de protecção da paz ou de mediação.                                                               nada se lhes pede. Nada devem aos seus con-
Novos sacrifícios foram feitos,vidas foram inter-                                                         temporâneos. Nós é que estamos em dívida
rompidas, carreiras e famílias suspensas.                                                                 para com eles. São o Estado e a sociedade que
                                                                                                          lhes devem algo. O que lhes pedimos hoje foi
  Todos esses militares, os de Luanda ou do Lí-                                                           muito simples: aceitem a homenagem que o
bano, os da Guiné ou da Bósnia, merecem o                                                                 Estado e os Portugueses vos prestaram! Não
nosso respeito. São antigos combatentes. São                                                              estamos aqui a festejar a guerra, mas sim os sol-
Veteranos.São soldados que cumpriram os seus                                                              dados! E não há melhor dia, do que o Dia de
deveres e que, com excepção dos que tenham                                                                Portugal, para o fazer.
moralmente abusado das suas funções, mere-
cem a nossa homenagem. Não há lugar, não                                                                                                                     
deve haver lugar para diferenças entre esses Ve-
teranos. Não há Veteranos melhores ou piores                                                              Fotos de Luís Filipe Catarino / Presidência da República
do que outros.Não há Veteranos que mereçam
                                                                                                                        Revista da aRmada • julho 2010 7
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