Page 29 - Revista da Armada
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de conveniência. Esta situação agravou o isola- ção pessoal e social. As pessoas tinham tendên-    Houve necessidade de internar durante duas
mento emocional da equipa que ficou circuns- cia a manter-se nos quartos sendo um verda-         semanas um elemento da equipa, por lombal-
crita a 2km2                                deiro desafio faze-las sair e conviver com neve,     gia (hérnia discal), o que condicionou maior
Tivemos a adaptação condicionada pela falta frio e chuva.                                        sobrecarga laboral para os restantes elementos.
de bens essenciais, primeiro devido ao encerra- Apesar de tudo, demos o verdadeiro exem-         Sendo eminente o internamento de outros dois
mento das lojas, depois, devido ao não envio de plo às outras nações, não deixamos passar o      elementos do destacamento médico porque já
carga para o destacamento médico português São Martinho sem as castanhas, o Natal sem            tinham doenças prévias conhecidas, por exem-
nos voos vindos de Portugal.                as filhoses, o Ano Novo sem o champanhe e o          plo, esclerose múltipla e ideação suicida.
Tivemos a adaptação à dificuldade em co- Carnaval sem alegria.
municar com Portugal via internet pois a velo- Tivemos conjuntamente com os Belgas solidá-         A incerteza e a pressão hospitalar fez-se ainda
cidade com que conseguíamos comunicar era rios com outras causas humanitárias: consegui-         sentir a quando das últimas semanas de missão
exasperante.                                                                                     devido ao envio do 15º elemento da terceira ro-
O nível de preparação técnico e teórico
dos elementos da equipa médica era he-                                                                tação não estar assegurado, colocando de
terogéneo, o pessoal da marinha foi mui-                                                              certo modo em causa a manutenção do
to bem preparado o mesmo não sucedeu                                                                  nível de prestação de cuidados.
com os outros ramos que mandaram pes-
soas com menos tempo de experiência.                                                                 CONCLUSÕES
Esta situação exigiu desenvolvimento da
capacidade de entreajuda e foi ultrapassa-                                                               Afeganistão: esperança! Um pouco de
da com esforço e dedicação de todos.                                                                  alegria no pessimismo em que milhões vi-
A disponibilidade para o trabalho era to-                                                             vem agarrados. Cá seguimos, com espe-
tal, sendo a carga horária e o aumento do                                                             rança e motivados.
número de doentes em KAIA norte, facto-
res desmotivadores.                                                                                      A equipa médica portuguesa nesta se-
  Nos alojamentos a ausência de água po-                                                              gunda rotação deu um salto qualitativo
tável, o facto de ocuparmos quartos com Visita natalícia do CALM M Cortes Picciochi                   conseguido não só, com as boas práticas
espaço para duas pessoas onde viviam três e a mos numa festa grelhar carne à boa moda por-            de rotina diárias e na sua prestação treina-
ameaça de podermos vir a ter que dormir em tuguesa e vender a mesma para angariar fundos              da e diferenciada perante as situações de
tendas era angustiante.                     para o HAITI (conseguimos mais de 5000€).                 emergência mas também, com o desen-
Os edifícios quer de alojamento, quer de tra- Mas foi sem dúvida o ambiente de sobrecar-         volvimento do sentimento de partilha, enorme
balho, eram sólidos e inspiravam confiança mas ga emocional que mais custou a ultrapassar,       camaradagem e sentimento de entreajuda e per-
a nossa protecção passou a ser muito relativa não tendo existido preparação psicológica pré-     manente disponibilidade no trabalho e nos basti-
desde que, duas semanas após termos chegado, via, nem apoio psicológico durante e posterior      dores. O seu desempenho no Hospital levantou
surpreendentemente três rockets atacaram KAIA à Missão.                                          bem alto o nome de Portugal e das ForçasArma-
Norte, ficaram a poucos metros de distância dos Passámos o Natal, o Ano Novo e os Aniversá-      das Portuguesas. Do ponto de vista pessoal uma
nossos alojamentos.                         rios longe dos familiares;                           lição de vida, do profissional uma experiência
As condicionantes geográficas com o clima Lidámos com a morte e doença dos nossos                inesquecível, do militar uma honra representar
sempre muito frio, seco, árido e os tremores de familiares em Portugal a par da morte e doença   a Marinha Portuguesa e Portugal.
terra também foram condicionantes de adapta- de crianças na enfermaria no hospital.                Missão cumprida!

                                                                                                                                                    
                                                                                                                                       Carla Pinto

                                                                                                                                                    1TEN MN

VIGIA DA HISTÓRIA                                                                                25

O SUBMARINO DE VALENTE DA CRUZ
Tendo observado, com alguma frequência, que determinadas afirma-
       ções, embora sem fundamento, continuam a ser repetidas ao longo    Atouguia aprovava, por unanimidade, um parecer que, entre outros as-
       do tempo assumindo assim o papel “da verdade ofícial”, papel esse  pectos, salientava que o motor se encontrava cinematicamente bem es-
de que dificilmente, se é que alguma vez, conseguem ser afastadas1.       tudado, o seu diagrama teórico era superior ao dos motores ordinários e
                                                                          que era aplicável à navegação submarina, propunha ainda a Comissão
  Vem isto a propósito, do projecto de torpedeiro submersível da auto-    que ao Ten. Cruz fosse atribuído um subsídio, que estimavam em 6 contos
ria do 1º Ten Júlio Lopes Valente da Cruz que corre não ter sido levado   de reis, para procurar no estrangeiro uma empresa que construísse um
avante por falta de apoio.                                                modelo do motor por forma a testar a sua exequibilidade, propunham
                                                                          ainda que, caso a experiência do motor tivesse êxito, fossem estabeleci-
  Embora não tenha conseguido ainda conhecer, totalmente, as razões       dos contactos para o fabrico dum modelo do casco.
que levaram ao abandono do projecto pode ser afirmado que tal não ocor-
reu por ter havido falta de apoio como se poderá facilmente verificar.      O subsídio proposto foi atribuído, na íntegra, ao Ten. Cruz que, em
                                                                          1906, já em Inglaterra, estabelecia contactos com a firma Vickers e com a
  Pouco tempo após o seu regresso, a Lisboa, duma comissão em Fran-       firma Armstrong para a construção do modelo do motor. Perante a im-
ça, o Ten. Valente da Cruz apresentou, em Agosto de 1905, na Direcção     possibilidade legal da Vickers, foi estabelecido contrato com a firma Ar-
Geral da Marinha um projecto de submarino.                                mstrong, a quem Valente da Cruz informava ter um subsídio do governo
                                                                          de 1333 libras para a concretização do projecto.
  O projecto constava de duas partes, uma sobre o casco e a outra, mais
importante e desenvolvida, sobre o motor.                                   EmAbril de 1906 a firmaArmstrong informava que a execução do mo-
                                                                          delo tinha sofrido, por falha da empresa, um ligeiro atraso que tenciona-
  Na Direcção Geral da Marinha o projecto foi analisado pelo Coman-       vam corrigir bem como alterar, por isso, os custos apresentados.
dante Brito Camacho que o considerou de mérito e interesse nacional,
propondo ainda que fosse analisado por uma comissão técnica nomea-                                                                                        
da para o efeito.                                                                                                                          Com. E. Gomes

  A 25 de Outubro de 1905, dois meses após a apresentação do projecto,    Notas
a Comissão Técnica constituída por: Almirante Morais e Sousa, Coman-         (1) Revista da Armada Nº 334 AGO 2000; “Setenta e Cinco Anos no Mar” vol. 5;
dante Azevedo Gomes, Ten. Rodrigues Gaspar, professor da E. Naval,           “História dos Submarinos em Portugal”Coimbra, Almedina, p. 41.
Eng. Ferrugento Gonçalves, professor da E. Naval e Eng. Naval Jesus

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