Page 26 - Revista da Armada
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As Mulheres na Marinha                                                                                      1

Conversando com...

1MAR L Natália Almeida

APrimeiro - Marinheiro de Abastecimentos (L) Natália Almeida foi, de um conjunto de                         são diferentes.
         três Militares Femininos (MiF) a primeira a ser entrevistada. Depois serão uma Sargento            RA – E a navegar? Sem telemóvel!
         e uma Oficial, um leque correspondente aos três patamares das organizações militares.              NA – Ah! Isso não me preocupa. Ainda sou RC
                                                                                                            (Regime de Contrato) mas sei que se ficar no Qua-
RA – Usando o tratamento tradicional na Armada                                                              dro irei navegar.
                                                                                                            RA – E és voluntária para ficares no Quadro Per-
pergunto de onde és?                                                                                        manente?
                                                                                                            NA – Acho que não… porque estou a fazer a licen-
NA – Dos Açores.                                                                                            ciatura e logo de seguida vou fazer o mestrado e
RA – Dos Açores? Muito bem!                                                                                 sinto que a minha área não é desenvolvida na Ma-
                                                                                                            rinha e gostava de, no futuro, continuar a trabalhar
NA – De Ponta Delgada.                                                                                      no que estou a estudar. E também pelo facto de
RA – Então és Corisca? De gema?                                                                             querer voltar para os Açores.
                                                                                                            RA – Mas não te estás a dar bem por cá?
NA – (risos) Corisca pura.                                                                                  NA – Não é isso. Lá, temos qualidade de vida, te-
RA – Há muitos anos que não vou lá. Viveste                                                                 mos tudo próximo. Só que estamos numa ilha, e
                                                                                                            sendo MiF seria mais complicado ir para Ponta
sempre lá?                                                                                                  Delgada. Não há alojamento para MiF’s, lá.
                                                                                                            RA – Vieste numa altura em que ainda havia pou-
NA – Até entrar para a Marinha, em Janeiro de                                                               cas mulheres em uniforme. Como foi o relaciona-
2005, com 19 anos. Depois estive cá durante o Cur-                                                          mento com a vida militar.
so.                                                                                                         NA – Já havia algumas. Inicialmente, quando che-
RA – Antes disso. Claro que quem nasce nos Aço-                                                             guei à Escola de Fuzileiros, foi um choque. Que, em
                                                                                                            certo sentido, é bom. É um rompimento, não com
res tem uma grande relação com o Mar. Mas que é                                                             os nossos valores mas porque lá é tudo organizado,
                                                                                                            tudo tem regras…
que te fez vir para a Armada?                                                                               RA - Foi útil? Com convicção?
                                                                                                            NA – Sim! Sim! Acho que toda a gente devia ter.
NA – Primeiro por ser uma Instituição Militar, di-                                                          RA – Obrigas-me a perguntar se serias a favor do
ferente duma organização civil, com uma estrutura                                                           SMO?
organizada, uma hierarquia estabelecida em postos                                                           NA – Sem dúvida alguma.
e essa relação com o Mar.                              1MAR L Natália Almeida
                                                                                                                 RA – Surpreendes-me.
RA - Esse apelo é assim tão forte? Com um Mar,         Avarias) e a Marinharia.                                  NA – Vê-se com a geração que está a vir. Cada
nos Açores, tão particularmente perigoso é quase       RA – Eras boa aluna em Francês? Calculo.                  vezmaistêmmenosvalores,éomeupontode
um acto de coragem.                                    NA – Sim! Nos Açores tínhamos um certo toque              vista. Se tivessem entrado no meio militar, se-
NA – Mais essencialmente, os navios, o navegar,        para o Francês.                                           riam mais organizados… é a geração do nada.
que era diferente dos outros ramos. Cada um tem        RA – Quando vieste para a Armada, puseste em              RA – Que idade tens?
a sua especificidade.                                  equação que poderias entrar em combate?                   NA – Vinte e quatro anos.
RA – E já navegaste muito?                             NA – Acho que nos dias de hoje nenhum de nós              RA – Casávamo-nos aos 21… Podia ser teu
NA – O único contacto que tive com um navio                                                                      avô! Vinda dos Açores, que ideia fazias do
foi durante o estágio, quando terminei o curso.                                                                  Continente?
Saímos, uma tarde, para experimentar as tur-                                                                     NA – Já cá tinha estado. Antes já tinha estado
binas do navio                                                                                                   em Toronto e em Boston…
RA - Foi muito pouco! Ainda estás a tempo.                                                                       RA – Em Boston há uma grande comunida-
                                                                                                                 de de Açoreanos. Ligados à Pesca?
Em que ano estavas?                                                                                         NA – Sim. Um Tio meu vive em Providence. Tem
                                                                                                            lá um barco. Mas prefiro Toronto, talvez porque fui
NA – Já tinha o 12.º mas faltava-me a Mate-                                                                 lá mais vezes.
mática.                                                                                                     RA – Já tinhas alma de marinheiro… Entre a Esco-
RA – A Matemática…                                                                                          la de Fuzileiros e o Departamento de Administra-
                                                                                                            ção e Logística (a DAL, a antiga Escola de Abaste-
NA – Fiz a Matemática, já na Marinha, e estou                                                               cimentos!) da ETNA, nessa altura ainda em Vila
no 3.º ano da Faculdade.                                                                                    Franca, houve uma grande diferença?
RA – Na Faculdade de…                                                                                       NA – O facto de termos licenças todos os dias já al-
                                                                                                            tera muito as coisas.
NA - … de Ciências Sociais e Humanas da                                                                     RA – Todos os dias!?
Universidade Nova de Lisboa. Em Sociolo-                                                                    NA – Excepto quando nos portávamos mal. Acon-
gia. Aula de educação fisica na Escola de Fuzileiros.
RA – Caso para perguntar, porque não con-
correste à Escola Naval. Mais um bocadinho e…          pensa nisso. Só iríamos tomar consciência disso se
NA –A Matemática é muito difícil e naquele ano a       num futuro próximo víssemos que podia aconte-
prova de ingresso não tinha corrido bem.               cer.
RA – Não chegaste, portanto, a concorrer. Já tinhas    RA – Pergunto isto porque em 1954 tivemos a ocu-
antecedentes ligados à Marinha?                        pação de Dádrá e de Nagar-Aveli. Era uma situa-
NA - Não. Tinha amigos no Exército.                    ção de guerra latente que em 1961 deu na Invasão
RA – E como foi a recruta?                             de Goa. Mas na tua geração têm a noção de que
NA – Foi de seis semanas na Escola de Fuzileiros,      isso se pode alterar?
depois foi em Vila Franca, a especialização, e partes  NA – No mundo contemporâneo em que vivemos,
do Curso no Alfeite: o Inglês, a LA (Limitação de      as alterações são cada vez mais rápidas. Se num dia
                                                       perdemos o Telejornal, no dia seguinte já as coisas

26 JANEIRO 2011 • REVISTA DA ARMADA
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