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O QUADRANTE NÁUTICO LUSITANO
No fim da minha carreira militar uma bela façanha, de que fomos autor ou pa do quadrante náutico lusitano”. Pensei,
tive o privilégio de ser colocado actor, e quando, um dia, a lemos, ficamos seguramente, que se tratava de um assunto
no Museu de Marinha. Assim, a varados: o que andávamos ingenuamente a de interesse mas acabou por ficar esquecido,
partir de 19 de Setembro de 1980 – que foi “vender” era a história que gostaríamos que como tantos outros, no meu Diário de Bordo.
o dia da minha apresentação – comecei a es- nos tivesse acontecido. A memória perde-se, No dia seguinte registei o nome da firma
crever um Diário de Bordo em
cadernos de capa preta com vendedora, propriedade dum
folhas pautadas. Pensei que, velho amigo, o nome e telefo-
assim, poderia ir registando ne do comprador, que era e
a minha actuação no Museu continua a ser, seguramente,
mas, principalmente, fixar em um coleccionador compulsi-
memória as informações que vo de obras científicas e, até
ia obtendo, a maior parte das registei que pagou 270 contos
vezes, ocasionalmente: um pelo Gallucci.
quadro representando um
navio no Tejo, a edição duma Pois bem, agora ao ler, pas-
obra nunca vista em bibliote- sados tantos anos, este apon-
ca pública, um instrumento tamento, decidi dar-lhe vida.
náutico de fabricante desco- E como não encontrei um úni-
nhecido. Tudo isso eu regis- co exemplar daquela obra nas
tei com o nome, a morada e bibliotecas portuguesas e não,
o telefone do proprietário ou querendo denunciar a origem
do informador. Descrevi as da referida informação, pedi à
viagens que fiz, a maior parte Biblioteca de Florença, cópia
para participar em eventos, do capítulo, da tal obra, que
apresentando comunicações tem por título “Della Fabrica,
ou aprendendo o que os outros & vso del Quadrante náutico
sabiam. Registei o que mais me Lusitano”. Antes de me ocu-
seduziu nos museus que visitei. O quadrante náutico Lusitano. par do conteúdo do referido
capítulo, gostaria de esclare-
Admito, porém, que parte deste meu mas pior é quando também nos engana. cer alguns leitores que não
escrito pouco interesse tenha, dado que se Todavia, um diário, escrito à mão, tem estejam familiarizados com a náutica prati-
refere ao dia a dia da minha vida privada. um enorme demérito: é inexpugnável, como cada pelos Portugueses durante esse mara-
Em resultado deste meu empenhamento, uma fortaleza. Não se encontra o que se vilhoso período das Descobertas Marítimas.
estou actualmente no fim do caderno nº 57, o quer, nem se descobre o que (naturalmen- Quando, por vontade do Infante D. Hen-
que quer dizer que já escrevi mais de dez mil te) esquecemos. Solução: fui aos primeiros 8 rique, os nossos capitães, com a indispensá-
páginas, o que parece muito, mas que pouco anos, aqueles que estive no Museu, cortei o vel ajuda dos pilotos, começaram a explorar
mais é do que, em média, uma página escri- supérfluo e imprimi o essencial. Fiquei com as terras africanas, verificaram que a navega-
ta por dia, o que se faz em escassos minutos. um texto com 625 mil caracteres. Agora, é ção para o Sul se fazia sem dificuldade, apro-
Eu estou a insistir nesta minha proeza, fácil encontrar o que procuro e descobrir o veitando o apoio da costa, mas o regresso se
não para ouvir o estridente som de trom- que já esqueci. tornava difícil devido aos ventos contrários.
betas, mas para chamar a atenção para o Vou dar um exemplo. No dia 31 de Maio Todavia, constatou-se que, se os navios se
encanto que é relembrar um episódio que, de 1989, escrevi: “A obra Della Fabrica et uso afastassem da costa e fizessem uma larga
passados anos, se torna uma inesperada di diversi stromenti de astronomia et cosmogra- viagem, passando pelos Açores, conseguia-
descoberta. Mas também acontece andar- fia, publicada no ano de 1597 por Giovanni -se um trajecto, seguramente, mais longo
mos, muito ufanos, a contar, aos amigos, Paolo Gallucci, tem um capítulo que se ocu- em caminho percorrido, mas mais curto em
tempo. É a chamada Volta pelo largo, ou Volta
O Diário de Bordo do autor, referido no texto.
22 JANEIRO 2011 • REVISTA DA ARMADA