Page 24 - Revista da Armada
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HIERARQUIA DA MARINHA                                                                                                                      1

Dos finais do século XII até meados                ALCAIDE                                  cas relacionadas com os alcaides das ga-
          do século XIII, chegaram até nós                                                  lés. Já no Porto a jurisdição dos alcaides
          vários forais, como os de Lisboa,    conde Pedro Menezes: “... o conde man-       não cabia ao almirante, mas aos juízes or-
Coimbra, Santarém, Beja e Estremoz, onde       dou logo fazer prestes duas fustas que       dinários da cidade. Rui de Melo, almiran-
é referido o alcaide como membro da tri-       João Pereira aí tinha, e mandou aos alcai-   te a desempenhar funções naquela cidade,
pulação dos navios, dispondo de elevado        des que as aparelhassem... “. Mais à frente  pretendeu modificar este estado de coisas,
estatuto profissional e social, decorrente     refere “Alvaro Afonso, para se certificar,   o que motivou “preito e demanda” entre
do exercício da função de comando.             mandou a um dos alcaides de sua fusta        ele e a cidade, tendo D. Afonso V resolvi-
                                               que fosse acima para reconhecer se era       do a questão a favor desta.
   A palavra alcaide deriva do árabe, quer     assim... “
dizer aquele que conduz, o chefe, o co-                                                        Afirma igualmente aquele historiador
mandante, e terá entrado na terminologia          É no foral de Coimbra (1179) que se en-   que D. João I ordenou a todos os alcaides
naval portuguesa por influência espanho-       contra pela primeira vez a designação de     das galés que tivesse “cada um em sua
la. Segundo Alexandre Herculano, na sua        alcaide de navio: “Do navio mandou que       porta pintada uma galé”, não só “para se
História de Portugal, este termo aplicava-     o alcaide, dois espadeleiros, dois proeiros  saber onde moram”, mas também para
-se “indistintamente aos casteleiros e até     e um petintal, tenham foro de cavalei-       “lhe serem bem guardados os seus pri-
aos capitães de navios, e exprimia-se no       ros… “                                       vilégios”, destacando-se, entre estes, o de
latim bárbaro pelo vocábulo pretor”.                                                        não serem obrigados pelos aposentadores
                                                  Este foral, como o de Almada e o de       do rei, da rainha, dos infantes ou de ou-
   Havia várias designações de alcaides,       Torres Vedras, evidenciam que, desde         tros quaisquer, a dar pousada, roupa ou
tais como: alcaide de galés, alcaide de fus-   muito cedo, os alcaides das embarcações      outros pertences contra sua vontade.
tas e alcaide de navio.                        tinham muitos privilégios e honras con-
                                               cedidas pelos monarcas. Assim, enquanto         Assim, é de crer que as esculturas de
   A designação de alcaide de galés apa-       se atribuía o foro de cavaleiro ao alcaide   embarcações que ainda hoje são visíveis
receu em 1298, ligada à confirmação do         de navio no foral de Coimbra, nos de Beja    em alguns prédios da Lisboa antiga, espe-
foro dos alcaides, arrais e petintais das ga-  e Estremoz (1298), D. Dinis ordenava que     cialmente na zona ribeirinha, sejam fruto
lés, promulgada por D. Dinis. Este termo       aos alcaides das galés fossem concedidas     desta ordem dada por D. João I.
continuou a ser usado nos anos seguintes,      honras de infante. Além disso, o monar-
até à primeira metade do século XV.            ca confirma-lhes o seu foro, pelo qual não                          António Silva Ribeiro
                                               podiam ser presos por dívidas.
   A designação de alcaide de fustas apa-                                                                                                  CALM
receu na segunda metade do século XV,             Refere Silva Marques, em Descobri-
sendo referida por Azurara na Crónica do       mentos Portugueses, que em Lisboa só o
                                               almirante podia resolver questões jurídi-

VIGIA DA HISTÓRIA                                                                                                                          28

                                  SE ME DERES UM PORCO...
Foi este dito popular que me veio , de imediato , ao pensamento quan-
      do me deparei com o documento que seguidamente se divulga .Por      mudança desta para Coimbra
      volta do ano de 1561 D. Sebastião fez chegar ao Papa um pedido de    O parecer deste prelado é surpreendente por arrasador das pretensões

                                                                          do Papa . Considerava ele que a existência desta nova armada só servi-
ajuda financeira , alegando a pobreza do Reino , para fazer uma armada ria o Papa já que a armada existente se tinha mostrado suficiente para o
destinada a combater os bárbaros infieis e a defender os navios portugue- cumprimento dos objectivos pretendidos , interrogava ainda porque ra-
ses dos ataques dos corsários .                                           zão se deveria chamar eclesiástica a uma armada constituida e paga por
O Papa concedeu uma ajuda de 250000 reais sujeita , no entanto , a várias portugueses . Questionava qual a atitude que os portugueses deveriam
condições de que se salientam :                                           tomar se , porventura , o Papa mandasse atacar povos com quem Portugal
- A armada dever - se - ia designar por armada eclesiástica.              mantinha relações amistosas
- O Rei deveria ter , para além desta , uma outra armada.                 Defendia que o uso de uma bandeira que não a portuguesa só por trai-
- A armada deveria ser usada , a pedido do Papa , para combater hereges ção poderia ser aceite e que nunca os portugueses haviam sido sujeitos à
e inimigos da Igreja.                                                     verificação das suas contas por estrangeiros, situação esta agravada ainda
- Sempre que a armada tivesse de ser usada a pedido do Papa o Rei deve- pelo facto do controlo ser em conformidade com a vontade do Papa que
ria , igualmente , enviar uma armada de igual grandeza e assumir ainda os teria 2 representantes na comissão de 3 elementos . Terminava a sua infor-
encargos da armada eclesiástica.                                          mação questionando como é que sendo reconhecida a pobreza do Reino
- A armada deveria utilizar uma bandeira em que de uma parte estariam se lhe exigiam gastos com uma nova armada .
as armas Reais e doutra as do Papa.                                       É quase certo ter sido a opinião deste prelado que inviabilizou a “ oferta “
- O controlo das despesas seria efectuado por 3 eclesiásticos , um o Cardeal do chouriço em troca do porco que exigiam que o País desse .
Inquisidor , outro nomeado pelo Papa e o terceiro nomeado pelo Rei, para
além disso deveriam ser prestadas contas a um representante do Papa.
 Tais condições foram submetidas à apreciação do Dr. João Afonso de Fonte:
Beja, cónego de Braga , que havia sido Lente da Universidade antes da Papeis Vários e Curiosos vol. 6              Com.E.Gomes

24 JANEIRO 2011 • REVISTA DA ARMADA
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