Page 23 - Revista da Armada
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da Mina por ser donde, habitualmente, estas dos instrumentos de altura, em distâncias Portuguesa, afirmando que o quadrante
viagens começavam. Esta é, sem dúvida, zenitais. Resta-nos a análise dos astrolábios náutico lusitano, ao contrário de outros ins-
uma das grandes conquistas conseguidas náuticos que têm sido encontrados no fundo trumentos do mesmo tipo, tem a escala nu-
pelos nautas portugueses. dos mares, graças à procura de cargas valio- merada a partir do zénite e não do horizon-
Todavia, durante estas viagens de re- sas provenientes de navios afundados. te, como se pode ver no desenho junto. Isto
gresso, com os navios afastados da costa, Curiosamente, apesar destes correspon- diz o autor. Todavia, o que aconteceu a este
perdiam-se as conhecenças da terra, indis- derem a umas boas nove dezenas de exem- pobre escritor, por desinteresse ou, até, por
pensáveis para avaliar a posição do navio. plares, vamo-nos socorrer dos dois astrolá- economia, para, eventualmente, ser aprovei-
Para obviar esta dificuldade, os nossos nau- bios mais antigos (e, naturalmente, datados) tada a matriz dum desenho de quadrante
tas começaram, então, a recorrer à Estrela que se conhecem. São eles: já existente, foi o editor ilustrar o seu texto
Polar, medindo-lhe a altura
que, com uma pequena correc- com uma figura apresentando
ção, dava aos pilotos a latitude uma escala convencional que
onde o navio se encontrava, do nega a que ele, escritor, queria
modo que, mais tarde, iremos apresentar. Não teria sido a pri-
descrever. A longitude, não se meira vez, nem, seguramente, a
sabia calcular e, por isso, se esti- última vez que tal aconteceu.
mou até ao século XVIII, quan-
do o cronómetro começou a ser Todavia, o desenho apresen-
usado. tado e o próprio texto, traz-nos
Todavia, ao navegar-se no uma novidade, que aceitamos
hemisfério Sul, como a estrela ter sido usada em quadrantes
Polar deixa de se ver, passou portugueses, mas que não po-
a recorrer-se ao Sol, medindo demos confirmar, dado que,
a sua máxima altura diária (a como já o dissemos, não che-
chamada altura meridiana) que gou, até aos nossos dias, um
corresponde ao meio dia ver- único exemplar, nem tão pou-
dadeiro. A latitude era, então, co um desenho que nos possa
calculada pela fórmula que a elucidar. Estamos a referir os
seguir se apresenta e que foi di- números inscritos na rodela,
vulgada pelos Libros del Saber de Roda de correcções das alturas do Norte, de João de Lisboa. seguramente destinada a dar
Astronomia, essa magnífica obra maior estabilidade à mediclina.
mandada compilar por Afonso X (1221- Palermo, pertenceu ao Museu Nacional
-1284) e que inclui os conhecimentos cientí- de Palermo, na Sicília, mas que se perdeu Gallucci diz que – segundo
ficos da época. Afonso X foi rei de Leão e de devido a bombardeamentos, durante a II lhe parece -- tais números se destinam a
Castela e avô do nosso rei D. Dinis. A tal fór- Guerra Mundial. saber a distância polar, segundo os diversos
mula pode apresentar-se do modo seguinte: Todavia, ficou-nos um desenho executa- tempos do dia e da noite. E está dentro da
Latitude = (90º - altura meridiana do Sol) + do por Lorenzo Caldo, que inclui a data de verdade. De facto, os nossos pilotos – como
declinação do Sol. 1540 e que está graduado para medir altura acima o afirmámos – começaram por utili-
Recordo que o complemento da altura dos astros; zar a Estrela Polar para determinar a latitu-
dum astro (ângulo ente o horizonte e o astro) Dundee, existente no Museu e Galeria de de, servindo-se do chamado Regimento da
é a sua distância zenital (ângulo entre o astro Arte de Dundee, na Escócia e que está data- Estrela do Norte, que funciona como, a se-
e o zénite) e, portanto, a fórmula acima in- do de 1555 e graduado para medir distân- guir, iremos tentar descrever.
dicada pode tomar a seguinte configuração: cias zenitais.
Latitude = distância zenital do Sol + declina- Não nos podemos socorrer, para o mes- Como é sabido a Estrela Polar não se en-
ção do Sol. mo efeito, de quadrantes náuticos dado que contra, exactamente, no Pólo. Descrevia, na
Assim, se os astrolábios náuticos e os não nos chegou um único exemplar usado época, uma circunferência de cerca 3,5º, à sua
quadrantes fossem graduados em distâncias em navios portugueses. Razão: estes ins- volta. Como se disse que a latitude é igual à
zenitais, poupava-se ao piloto uma operação trumentos -- ao contrário dos astrolábios, altura do Pólo, ao medir-se a altura da Polar
de subtrair e, por conseguinte, um possível fabricados em liga de cobre e, portanto, re- estávamos quase a saber a latitude. Todavia,
erro. E, não se julgue que estamos a fantasiar sistentes a uma longa permanência no fun- a Polar faz parte da bem conhecida conste-
pois é bem sabido que os nossos pilotos ape- do do mar -- eram construídos de madeira. lação Ursa Menor, que roda diariamente à
sar de serem bons conhecedores da sua arte, Por isso se perderam todos aqueles que se volta do Pólo. Assim, esta constelação com-
possuíam fracos rudimentos de cultura. afundaram com os navios. porta-se como um ponteiro de relógio que,
Não sabemos, exactamente, quando é O que acabamos de escrever, permite de- aliás, se movimenta no sentido retrógrado.
que os portugueses começaram a gradu- duzir que a data, ou melhor, o período em Para o efeito, os Portugueses, criaram uma
ar, deste modo, os instrumentos de altura. que os astrolábios e quadrantes de origem roda de correcções que permite, conforme a
Semedo de Matos encontrou referências portuguesa, passaram a ter escalas gradu- posição da guarda dianteira da Ursa Menor,
concretas em João de Lisboa (c. 1530) e em adas em distâncias zenitais, poderá estar determinar a latitude do lugar a partir da al-
Pedro Nunes (1537), quanto à utilização de compreendido entre 1540 e 1555. tura observada da Polar. De facto, como diz
distâncias zenitais no que respeita à posição Pelo que foi exposto é gratificante desta- Gallucci, os números inscritos na tal rodela
dos astros, mas não há referências a qual- car, uma obra estrangeira que, apesar de tar- eram um aide-mémoire para o piloto quando
quer disposição em que seja determinado, dia, mas ainda publicada durante o século calculava a latitude pela altura da Polar.
ou mesmo, aconselhado a gravar as escalas, XVI, presta homenagem à Ciência Náutica
A. Estácio dos Reis
CMG
estacioreis@netcabo.pt
23REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2011