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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (15)
Gonçalo Pereira Marramaque nas Molucas
Omanuscrito existente na Biblioteca Nacio- Vinha esta nomeação bem a propósito, na mens de Legaspi, e sofreu grande desgaste com
nal, remetido da Índia ao reino no ano de medida em que chegavam a Goa notícias sobre as a permanência numa zona difícil. Chegou final-
1636, revela-nos um conjunto de aconte- ilhas de Ternate, que se agitavam contra os portu- mente a Ternate, onde o receberam o capitão e
cimentos que levaram Gonçalo Pereira Marrama- guesese,sobretudo,estavaaameaçadaapequena o rei (local) Aeiro com grandes honras e recatos,
queatéàsilhasMolucasondeacaboupormandar colóniaportuguesadeAmboíno,cujaimportância mas a sua intenção era voltar a Cebu e desalojar
erigir uma fortaleza em Amboíno, ao cabo de um eracrucialparaocomérciodasespeciarias.Segun- os espanhóis da colónia que estavam a fortalecer.
conjunto de acontecimentos curiosos e de particu- do o primeiro documento aqui referido, D. Antão Conseguiuprepararumapequenaexpediçãoque
larinteresseparaahistóriadapresençaportuguesa mandouprepararumaarmadadequatrogaleões, lá chegou sem dificuldades, falando com Legaspi
no Extremo Oriente. seis fustas e uma galeota com seiscentos soldados sem que houvesse qualquer combate na primeira
Revela-nos o documento que Marramaque se embarcados a que se juntava gente de mar. Mas fase.Ocontactocomumaguarniçãoocidentaleos
encontrava na Índia, em 1565, quando se travou Coutoescreveuquesetratavamdequatrogaleões acordosexistentesentreportuguesesecastelhanos
de razões com um fidalgo castelhano, de nome e oito galeotas, com mais de mil soldados, sendo impunham uma conversação e negociação antes
Heitor Queimado, protegido da regente D.ª Ca- provávelqueoseutestemunhosejamaiscorrecto, de qualquer acção de guerra. A verdade é que a
tarina. Diogo do Couto relata o mesmo episódio, uma vez que se encontrava em Goa quando tudo pequena guarnição que encontrou num fortim
porém, referindo que o castelhano se chamava aconteceu.ZarparamemAbrilde1566,chegando em Cebu, nos dias que duraram as conversações,
André de Torquemada e passeava a cavalo na a Malaca nesse mesmo ano, mas não passando cresceu à custa de todos os espanhóis que se en-
companhia de Heitor da Silveira Drago, levando às Molucas, por razões que desconhecemos. Par- contravamemilhaspróximas,aopontodeficarem
a crer que alguma confusão os portugueses numa situação
de fontes manuscritas causou desvantajosa e difícil. Legaspi
uma troca de nomes. Importa, empatou a conversa sobre os
porém, que Gonçalo Pereira se direitos e limites do tratado de
cruzou com ele numa rua de Saragoça, procurando ganhar
Goaeocastelhanonãoquistirar tempo, até ter reunido as con-
o barrete, quando Marramaque dições militares para reafirmar
o saudou dessa forma corrente. a sua intenção quanto à posse
É evidente que o azedar dos daquelas ilhas e dispondo-se a
acontecimentos, com tão irrisó- combater. Aliás, mesmo sem
ria razão, só aconteceu porque um confronto directo e aberto
já existia uma anterior animosi- entre as duas forças, houve pe-
dade, que – sabemos – também quenos conflitos que tiveram
era partilhada pelo vice-rei, pro- resultados desastrosos para os
tector e amigo de Marramaque. portugueses, diminuídos pela
Averdadeéquedaspalavrasàs falta do apoio logístico necessá-
armas foi o tempo de arder um rio a uma acção militar lançada
fósforo, e Heitor Queimada ou longe da sua base de Ternate ou
Artur Torquemada saiu ferido Malaca.
da contenda, vindo a morrer “Deste modo costumam circular pelas ruas [de Goa] os fidalgos, governadores Eram boas as intenções de
poucos dias depois. D. Antão e conselheiros portugueses”.
de Noronha não tomou qual- Jan Huygen van Linshoten - Itinerário. Gonçalo Pereira Marramaque
sendo provável que tivesse
quer medida contra Marramaque, mas a situação tiu em Agosto de 1567 e teve notícia, na costa de compreendidooperigodaquelacolóniaespanho-
era melindrosa e precaveu-se contra qualquer re- Bornéu, da expedição de Miguel Lopez de Legas- laacrescernasFilipinas.Comosabemoshoje,pou-
presáliaouiniciativaquepudesseviraserlevadaa pi (o cronista chama-lhe Miguel Lopes de Lagos) cotempodepoisestabeleceram-seemManilaeali
cabo por D.ª Catarina, quando soubesse da morte que andava pelas Filipinas desde 1565. Decidiu fizeramasuacapitalnoOriente.Naquelemomen-
do seu protegido. Gonçalo Pereira era uma figura desviar-se do seu caminho e seguir para norte e to,contudo,sólherestavaregressaraTernateere-
notável,comgrandesserviçosprestadosemÁfrica nordeste, em direcção à ilha de Cebu, no coração pensarasuaacção.TraziadaÍndiainstruçõespara
enaÍndia,desempenhavaocargodecapitão-mor doarquipélago,mas–nodizerdeCouto– “como prender o rei Chechil Aeiro, mas a forma como o
do Malabar e estava nomeado para capitão da já era fóra de tempo, e os Pilotos pouco correntes, via actuar e as informações que foi recebendo dos
fortaleza de Ormuz. O vice-rei entendeu, todavia, andou ás apalpadelas, como lá dizem, mais de portugueses casados nas Molucas, levaram-no a
que seria melhor enviá-lo numa outra missão ao quatromeses”. mudar de ideias. Era altura da monção favorável
Extremo Oriente, relatando para Lisboa que o de- Apercebeu-se, certamente, de que os castelha- para ir a Banda e Amboíno e decidiu fazer-se ao
gredara para essas longínquas paragens, castigan- nos voltavam a tentar estabelecer-se no Extremo mar, aceitando inclusivamente a ajuda que lhe
do-o pelo sucedido. Era, no fundo, uma forma de Oriente, não podendo saber ainda como iriam davaoreideTernate.Masdestacampanhafalare-
resguardaroseuprotegidodequalquerproblema fazê-lo nessa região mais a norte e como, pela mosnapróximarevista.
vindo de Lisboa, eventualmente quando já não primeira vez, conseguiram regressar à Nova Es-
tivesse possibilidades de o proteger directamente, panha numa derrota pela Pacífico, abrindo uma
ao mesmo tempo que lhe dava uma missão onde novaviadeacessoàsespeciarias.
também poderia auferir grandes proveitos. Mas Marramaque não logrou travar os ho- J. Semedo de Matos
CFR FZ
21REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2011