Page 19 - Revista da Armada
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mas correlacionados. Eugénio de Castro,                                   carta escrita ao Chefe de Estado Maior da de Oliveira Martins a qualificação de obra
citado por Francisco Rebello, diz o seguin-
te: “Esses três dramas, como os principais                                Majoria General da Armada, em 1 de No- exhaustiva, e O Padre Fernando Oliveira e
dramas do romantismo francês, são escri-                                  vembro de 1911, em resposta à solicitação a sua obra nautica 19, em que tive a honra de
tos em alexandrinos
emparelhados e geral-                                                     do Ministro da Marinha acerca da execução dar a publico, alem da biographia extensa
mente emplumados
de ênfase; neles se sur-                      Col. António Pedro Vicente                                                          do illustre nautographo
preende a cada passo o
rebuscado emprego de                                                                         Heróis do mar, nobre Povo,           quinhentista, a primeira
rimas ricas, e frequen-                                                                      Nação valente, imortal,              obra que sobre a constru-
temente o emprego de                                                                                                              ção naval se escreveu em
rimas exdrúxulas, que
alongam a sonoridade                                                                         Levantai hoje de novo                lingua portuguesa. (...)
rítmica; neles se usa                                                                        O esplendor de Portugal!             Effectivamente, a falta
e abusa propositada-                                                                         Entre as brumas da memória,          quasi absoluta de obras
mente da antítese, ob-                                                                                                            subsidiarias, aggravada
tida pela aproximação
de palavras, imagens                                                                         Ó Pátria, sente-se a voz             no meu caso com a ca-
e tipos antinómicos, e                                                                       Dos teus egrégios avós,              rencia de auxiliares te-
sobretudo pelo choque                                                                        Que há-de guiar-te à vitória!        chnicos, obriga o pesqui-
do sublime com o gro-                                                                                                             zador a exercitar-se na
tesco; neles se cruzam,
o que é ainda uma                                                                                                                 pratica de paleographia,
forma de antítese, as
tiradas épicas com os                                                                        Às armas, às armas!                  e ler e summariar do-
arrulhos amorosos e os lamentos elegíacos                                                    Sobre a terra, sobre o mar,          cumentos immensos, a
com os chascos plebeus; neles se sobrepõe                                                                                         multiplicar extraordina-
ordinariamente a ostentação, o brilho e o
movimento dos episódios cénicos à meticu-                                                    Às armas, às armas!                  riamente o seu cabedal
losa determinação dos caracteres; neles se                                                   Pela Pátria lutar                    de apontamentos, notas
acusa do primeiro ao último acto, a preo-                                                    Contra os canhões marchar, marchar!  e verbetes, a gastar final-
cupação de obter a cor local e a realidade                                                                                        mente em arduas tarefas
retrospectiva pelo vigilante rigor arqueoló-
gico com que é fixado nas rubricas o estilo                                                                                       de cabouqueiro o tempo
dos cenários arquitectónicos, do mobiliário,
da indumentária e das armas; neles se nota                                                                                        que lhe fallece para a
enfim a exclusão das unidades de tempo e
de lugar, tão religiosamente respeitadas pe-                              do despacho que o encarregou de escrever construcção de um solido edificio (...).”
los clássicos” 17.
                                                                          a Historia Marítima de Portugal, assim so-      É opinião unânime que as obras por
   Entre Julho de 1891 e Novembro de 1901
exerce as funções de bibliotecário da Escola                              mos esclarecidos:
Naval.                                                                    “(...) tratei de recopilar na Bibliotheca si referidas foram a base da “arqueologia
                                                                          Nacional e nos archivos publicos todos naval” portuguesa. Sobre a primeira re-
   Em 31 de Outubro de 1889, o então Mi-                                  os subsidios utilisaveis. A poucos passos ferida por Mendonça, peço emprestadas
nistro e Secretário de Estado dos Negócios                                dados, reconheci com magua que mal me as palavras de Contente Domingues con-
da Marinha e do Ultramar, Frederico Ressa-                                chegaria a vida, apenas com o meu traba- firmando que “esta é ainda a obra incon-
no Garcia, faz publicar a portaria onde afir-                             lho individual, isento de auxiliares, para a tornável sobre a matéria: disse-o Avelino
ma que “sendo da maxima conveniencia a                                    elaboração de uma obra synthetica e com- Teixeira da Mota no “Comentário preli-
publicação de uma obra, onde se historiem                                 pleta, sobre assumpto vastissimo, que se minar” que abre a edição moderna, pode-
methodicamente os feitos da nossa mari-                                   prendia com os problemas mais complexos mos repeti-lo sem pejo nos dias de hoje.
nha de guerra, illustrada em todas as partes                                                                          Obra modelar pelo estudo global das
do mundo, desde o começo da monarchia,                                                       BCM
por grande numero de conquistas e desco-                                                                              principais embarcações portuguesas da
bertas e por ousados navegadores de fama
universal; (...) hei por bem encarregar o pri-                                                                        época das grandes viagens marítimas, e
meiro tenente da armada Henrique Lopes
de Mendonça de proceder á elaboração                                                                                  também pela revelação de preciosa docu-
déssa obra, ficando auctorisado a reqisitar
directamente de todas as estações officiaes                                                                           mentação técnica praticamente ignorada
os subsidios necessarios para a executar e
a empregar todos os meios que julgue con-                                                                             até então, apesar de, como é natural, al-
ducentes ao melhor desempenho d’esta im-
portante commissão confiada ao seu zelo e                                                                             gumas das acepções aqui expressas care-
intelligencia”. Por esse motivo, Lopes de
Mendonça passa à situação de oficial em                                                                               cerem de revisão. Voltemos porém ao co-
“comissão especial”, facto este que prejudi-
cará a evolução da sua carreira naval.                                                                                mentário de Teixeira da Mota, que tudo

   A sua História Naval, como um todo,                                                                                diz em poucas linhas: “[Henrique Lopes
nunca chegou a existir. Porquê? Numa
                                                                                                                      de Mendonça] foi o fundador dos estudos

                                                                                                                      de Arqueologia Naval em Portugal.... Os
                                                                                                                      Estudos.... volvido tanto tempo, continu-

                                                                                                                      am a ser o livro básico para o erudito que

                                                                                                                      se debruça sobre questões de arqueologia

                                                                                                                      naval portuguesa, ao mesmo tempo que,

                                                                                                                      com a sua linguagem clara e simples,

                                                                                                                      constituem leitura agradável para quem

                                                                                                                      deseje simplesmente adquirir umas luzes

                                                                                                                      sobre a matéria neles versada” (pp. XV e
                                                                                                                      XVI)20.

                                                                                                                          O pioneirismo de Lopes de Mendon-
                                                                          da história portuguesa. Deliberei pois vir ça é também demonstrado quando de-
                                                                          aproveitando os subsidios já colligidos na senterra do esquecimento o Livro da Fá-
                                                                          elaboração de obras parcellares, e vali-me brica das Naus do Padre Fernando Olivei-
                                                                          da publicidade que me proporcionava a ra, personagem que recentemente voltou
                                                                          Academia das Sciencias, a qual incluiu es- a despertar interesse. Assim o apresenta
                                                                          ses trabalhos nas suas collecções. Consinta Mendonça: “(...) philologo como João de
                                                                          VExª que cite, entre elles, os Estudos sobre Barros, aventureiro como Fernão Men-
                                                                          os navios portugueses nos seculos XV e des Pinto, perseguido pela Inquisição
                                                                          XVI 18, que mereceram da autorisada penna como Damião de Goes, navegador como

                                                                                                                            19REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2011
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