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Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo

Antecedentes distantes                            a técnica evoluiu e se tornou possível conhecer potenciar novas actividades. Falou-se primeiro
A corrida à exploração do último reduto ter- mais longe e mais fundo, esta exigência esten- no conceito de ocean governance, mas era preciso
restre – que ironicamente são os oceanos – vai deu-se ao mar alto e ao oceano profundo. Hoje, haver instrumentos que permitissem uma go-
já de vento em popa. Nenhum país marítimo o ordenamento do espaço marítimo inclui to- vernança efectiva de tão vasto espaço. Como se
quer atrasar-se nesta competição que poderá ter dos os espaços sob soberania ou jurisdição dos disse,apenascomosavançosdatecnologia,esta
como recompensa a possibilidade de tirar pro- Estados ribeirinhos, podendo mesmo estender- ideia poderia passar à prática, o que tem vindo
veito de recursos cujo valor económico ainda -se para além desses limites.
não é calculável, mas que se crê possa estar bem                                                  a suceder paulatinamente desde há pouco mais
                                                  No quadro jurídico internacional não se de 10 anos.
acima das estimativas mais optimistas.            encontram referências a esta necessidade, pelo
                                                                                                  Em Portugal, o signatário terá sido dos
Não admira, pois, que o esforço em inves- menos ao nível dos principais instrumentos primeiros a alertar para esta necessidade em
tigação no mar esteja em crescendo, havendo existentes que regulam o mar e os oceanos. Na trabalho académico, realizado em 2001, e apre-
muitas apetências para o conhecer
                                                                                                                      sentado em 2002, onde recomen-
e poder, assim, aproveitar as suas
                                                                                                                      dou a elaboração de um Plano de
potencialidades, ou simplesmente
                                                                                                                      Ordenamento dos Espaços Maríti-
para o preservar, como também é
                                                                                                                      mos. Procedeu mesmo a algumas
desígnio da Humanidade, pensan-
                                                                                                                      diligências no sentido de reunir
do na sua própria sobrevivência.
                                                                                                                      a informação que pudesse servir
As actividades que virão a sur-
                                                                                                                      para este efeito, mas rapidamente
gir como fruto dos avultados inves-
                                                                                                                      percebeu que as entidades públi-
timentos que estão a ser feitos neste
                                                                                                                      cas detentoras da informação téc-
domínio carecerão de um regime
                                                                                                                      nica necessária ou não a possuíam
que não coloque dúvidas quanto à
                                                                                                                      sistematizada, ou não estava geor-
forma como esses recursos possam
                                                                                                                      referenciada, isto é, pronta para ser
ser explorados.
                                                                                                                      usada em sistemas de informação
A vontade por uma apropria-
                                                                                                                      geográfica. Além disso, seria muito
ção do oceano, quer em termos de
                                                                                                                      difícil consegui-la a título pessoal,
domínio do espaço, quer de mono-
pólio das actividades, já foi tentada   Negociações do Tratado de Tordesilhas                                         considerando-se, por isso, que
há quase seis séculos por Portugal      in Manuel de Sousa, Reis e Rainhas de Portugal, SporPress, Mem Martins, 2000  apenas numa modalidade como
                                                                                                                      a que a Comissão Interministerial
e Espanha, através da celebração de tratados Convenção das Nações Unidas sobre o Direito paraosAssuntosdoMar(CIAM)determinoué
como o de Alcáçovas-Toledo, ou o de Tordesi- do Mar (CNUDM), por exemplo, apesar de se quetalseriapossível,eaindaassimnemsempre
lhas. terem estabelecido as bases do moderno direi- de forma facilitada.
Tais tentativas foram, contudo, defraudadas to do mar, onde os países encontram sustento
                                                                                                  No Relatório da Comissão Estratégica dos
por um dos mais eminentes juristas da época às pretensões de estenderem a sua soberania a Oceanos, de 2004, não se encontra uma refe-
que ajudou a estabelecer o regime de liberdade vastos espaços marítimos, especialmente atra- rência directa a esta matéria, mas podemos en-
da navegação, regime que logrou chegar vivo vésdadelimitaçãodasplataformascontinentais contrar no Objectivo Estratégico II (“Assegurar
até nós, embora se encontre mais fragilizado para lá das 200 milhas náuticas, não se encon- o Conhecimento e a Protecção do Oceano”), a
que nunca, mercê dos desenvolvimentos ao ní- trava ainda esta preocupação. Desta forma, os necessidade de “Aperfeiçoar o uso e integrar
vel do moderno direito do mar e dos sistemas Estados mais activos tiveram de trabalhar por os instrumentos de ordenamento e gestão do
de vigilância e controlo da navegação maríti- si e de explorar os seus próprios caminhos para território e desenhar um processo de decisão,
ma. Naquela altura, o conflito latente não tinha, gerirem o seu mar.
como tem hoje, a ver com a multiplicidade de                                                      no quadro da gestão integrada e da Estratégia
usos a dar ao mar, mas com a vontade de ga-
nhar a dianteira no domínio deste vasto espaço,   Desenvolvimentos recentes                       Nacional para o Oceano”. Também refere, no
com tudo que de positivo dali poderia advir       directamente relacionados                       âmbito do sistema portuário, que este deve
para quem ganhasse a disputa.                     com o ordenamento do espa-                      articular-se “com o sistema de planeamento e
                                                  ço marítimo                                     ordenamento marítimo. Os planos estratégicos
O ordenamento do espaço marítimo visa                                                             e operacionais portuários e os planos estratégi-

                                                  A crescente necessidade de procurar novos cos e de ordenamento marítimo, produzidos
mapear as actividades e usos actuais e poten- recursos que escasseiam em terra e de garantir pelos dois sistemas, devem ser compatíveis en-
ciais dos oceanos e estabelecer regras e proce- a soberania e a segurança nacional num espa- tre si”. Mas não identifica de que se trata nem
dimentos para tais usos, numa analogia com o ço em que o assédio é cada vez mais notório e adianta qualquer perspectiva do que poderiam
que se faz em território firme.                   relevante, além da diversidade de usos que se viraserestesplanosdeordenamentomarítimo.

Apesar da crescente necessidade de planear prevêparaesteespaço,acarretaráproblemasde Poderemos dizer que se vislumbra ali uma se-
o mar, os termos ordenamento e espaço marítimo gestão cada vez mais complexos.                    mente que não tinha as condições ideais para
não costumavam surgir associados. Planea-
                                                  Tambémanecessidadedeligaromareterra germinar.
mento e ordenamento foram durante séculos através da zona costeira, que pode estender-se          Com a publicação da Estratégia Nacional
prerrogativas de Soberanos e Governos, mas – consoante os regimes – muito para o interior para o Mar (ENM), aprovada pela Resolução
sempre em terra firme. Todavia, o crescimento do território e muito para o oceano, está direc- do Conselho de Ministros n.º 163/2006, de 12
da consciência marítima, especialmente asso- tamenterelacionadacomestamatéria,devendo de Dezembro, o planeamento e ordenamento
ciada às potencialidades económicas do mar, ser pensada de forma integrada.                       espacial marítimo é identificado como “o
conduziu ao reconhecimento da necessidade
                                                  Alguns países onde o despertar para estas conjunto de ferramentas de governação indis-
de também este espaço ser objecto de medidas questões surgiu mais cedo, e onde a dependên- pensáveis para assegurar uma visão de conjun-
de gestão espacial. Inicialmente, talvez se tenha ciadomarsãorealidadesmaispresentes,foram to assente nos princípios do desenvolvimento
olhado para esta necessidade em zonas do li- os primeiros a desenvolver metodologias para sustentável, da precaução e da abordagem sis-
toral numa perspectiva de associação à gestão abordar a questão da organização do espaço témica, através do levantamento e ordenamen-
integrada da zona costeira, mas à medida que marítimodemodoaconheceroquesepassaea to de todas as utilizações existentes e futuras,

8 MARÇO 2011 • REVISTA DA ARMADA
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