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HIERARQUIA DA MARINHA						 19

                                                     ESPADELEIRO

Otermo espadeleiro tem origem na pa-                 pequeno extrato também evidencia que cada           comummente, de esparrela ou rabagão, pelo
         lavra espadela, do latim spathela, que      navio embarcava, para além do alcaide da galé,      facto de prolongar o corpo da embarcação, pa-
         quer dizer espátula (J. M. Silva Mar-       dois espadeleiros e um petintal, todos com foro     recendo que lhe cresce um rabo, de onde deri-
ques, Descobrimentos Portugueses, vol. I, Lisboa,    de cavaleiros, o que corresponde ao estatuto        va a designação de rabelo. O cabo ou cana da
1954, p. 83). Em âmbito náutico a espadela é         actual de oficial.                                  espadela dos barcos rabelos tem grandes di-
um leme, composto por um cabo (ou cana) e                                                                mensões e a sua pá é decorada com motivos
uma pá, ambas de dimensões variáveis, que              Vasconcelos de Menezes (Os Marinheiros e          onomásticos e religiosos. Também os batéis do
pode ser montada na alheta ou na popa da em-         o Almirantado, Lisboa, Academia de Marinha,         Tejo que, no passado, se destinavam ao trans-
barcação para garantir o seu governo.                1989, p. 69) refere que, entre 1282 e 1298, o ter-  porte de pessoas e carga entre as margens do
                                                     mo mudou progressivamente para arrais e, a          rio, possuem espadelas nas alhetas, destinadas
  Hierarquicamente o espadeleiro estava su-          partir daí, não se volta a encontrar esta deno-     a ajudar nas manobras e na navegação nos ca-
bordinado ao alcaide da galé, a quem competia        minação na documentação portuguesa. Po-             nais e nos esteios do rio. Nas embarcações de
o comando do navio, como se pode inferir dos         rém, importa realçar que a função correspon-        pesca, as espadelas eram usadas, sobretudo, no
textos dos forais de Santarém e Lisboa de 1179,      dente persiste, na medida em que se podem           barco de riba e na muleta do Seixal.
onde é referido: “De navigio. De navigio vero        encontrar espadelas nos barcos rabelos e nou-
mando ut alchaide et duo spadelarii et duo pronarii  tras embarcações tradicionais de transporte e                                                          
et unus petintal habeant forum militum” (ANTT,       de pesca. Os barcos rabelos possuem, à popa,
Livro dos Forais Antigos, maço 3, n.º 3). Este       uma espadela, que os marinheiros designam,                                      António Silva Ribeiro

                                                                                                                                                               CALM

VIGIA DA HISTÓRIA						                                                                                  46

ENSINO DA NAVEGAÇÃO EM GOA I

Ainstitucionalização do ensino da nave-              o ano, das 0800 às 1100, sendo duas horas para      dade e desigualdade dos dias, Construção e
        gação em Portugal ocorreu, pela pri-         o ensino de pilotagem e 1 hora para o ensino        uso da balestilha, do quadrante e do octante,
        meira vez, em Goa, durante o governo         da arte de aparelhar e lastrar navios.              Trignometria, Senos, tangentes e secantes, Uso
do Vice-Rei Conde de Ega. A criação da Aula                                                              de instrumentos (tabuadinhas (sic) dos rumos,
de Navegação em 1759, cedo terá começado a             Na parte da tarde haveria ainda, durante          escala de Gurther, quarto de redução e livro
dar frutos já que, em Janeiro de 1762, o Vice-       2 horas e meias, aulas cuja natureza o docu-        dos senos), Correcções ao ponto de fantasia 3,
-Rei informava o Rei que da Aula já iam sain-        mento não especifica sabendo-se, no entanto,        Abatimento, Barquinha, sua graduação e uso,
do oficiais com futuro promissor.                    que os sargentos de mar e guerra e os prati-        Vozes para o leme, Cartas de marear, planas e
                                                     cantes de piloto, nesse período, somente te-        reduzidas, Declinação do sol, Altura do Polo
  Relativamente a estaAula, somente foi pos-         riam lições de pilotagem.                           e Ascensão Recta, Sinais que anunciam mu-
sível apurar a identidade de um dos professo-                                                            danças de tempo, Conhecimento das costas,
res, o CTEN António Rodrigues dos Santos, o            Um dos aspectos mais curiosos do regula-          fundos, marés, bancos e restingas.
mesmo que, em 1764, foi nomeado o primeiro           mento era o de que todos os oficiais da Marinha
professor da Aula de Navegação da Cidade do          deGoa1 deveriamfrequentaraslições,osCMG               O regulamento estabelecia ainda quais as
Porto. O sucesso da Aula, tal como ocorre em         e CTEN durante a parte da manhã de dias alter-      matérias que deveriam ser ministradas pelos
tantas outras organizações, deveria depender,        nados e os Tenentes de Mar e G/M durante as         mestres de Construção, do Aparelho do Na-
em muito, do entusiasmo do seu fundador e            tardes 2. O regulamento estabelecia um conjun-      vio e de Manobra e Táctica Naval. Os conhe-
do empenho de alguns dos professores que,            to de procedimentos administrativos relaciona-      cimentos indispensáveis de artilharia, que se
uma vez afastados, conduziram à degradação           dos com a disciplina e aproveitamento de que,       encontram referidos no documento, seriam
do ensino levando a que uma das instruções           pela sua curiosidade, se destacam os seguintes:     ministrados na Aula de Artilharia que abri-
do novel governador, D. José Pedro da Câma-                                                              ra alguns meses depois da Aula de Marinha.
ra, fosse a reformulação da Aula, tarefa atribuí-      - Os alunos deveriam ser portadores de tin-
da ao CMG José Sanches de Brito, comandante          teiro, compasso e régua;                              Em todo o regulamento está patente a neces-
da nau Madre de Deus na qual seguia o gover-                                                             sidade da componente prática no ensino, para
nador, e que ia indigitado para Comandante             - As lições seriam ditadas;                       o que a existência, nas salas de aula, de uma
da Marinha de Goa.                                     - Os cadernos dos alunos (só para os G. Mar.)     peça de artilharia, de diversos tipos de madei-
                                                     seriam examinados periodicamente pelo Lente;        ras com diferentes formas e de um modelo de
  Tendo chegado a Goa a 21 de Setembro de              - Os exames teriam periodicidade semestral;       navio contribuíam.
1774, só no ano seguinte, a 2 de Agosto, teve          - Para o esclarecimento de dúvidas os alunos
início a Aula de Navegação de que era lente          poderiam dirigir-se a casa do Lente;                                                                   
um frade da Ordem de S. Agostinho que, na              - As aulas só seriam interrompidas pela en-                                        Com. E. Gomes 
vida secular, fora piloto.                           trada do Governador na sala;
                                                       - Para evitar interrupções haveria à porta da     Notas
  AAula regia-se de acordo com um regula-            sala de aula uma sentinela.                            1Na Marinha de Goa existiam 6 CMG, 12 CTEN, 14 Te-
mento, elaborado por Sanches de Brito, com             No que se refere às matérias a ensinar na
o seguinte título:                                   aula deveriam abranger:                             nentes de Mar, 14 G/M e 10 Sargentos de Mar e Guerra.
                                                       Definições de Navegação, Toda a geometria            2 Este facto parece ser claramente demonstrativo da bai-
  “Ordens que se hão-de observar naAula da           prática,Agulha de Marear, Rumos e Variação,
Marinha de Goa e método que se seguirá no            Esfera natural e artificial, Círculos, suas pro-    xa qualidade da formação.
ensino da pilotagem”.                                priedades e serventias, Determinação do nú-            3Ponto de fantasia = ponto estimado.
                                                     meroáureoe da hora da maré, Razãoda igual-
  Ali se estabelecia que as aulas durariam todo                                                          Fonte: Cx 87 Índia, Capilha de 15 Maio de 1776.Arquivo
                                                                                                         Histórico Ultramarino.
                                                                                                         N.R.
                                                                                                         O autor não adota o novo acordo ortográfico.

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