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E neste período não pode deixar de ser men- posa, Maria Carolina de Habsburgo. D. Maria
cionada a presença em Nápoles de uma outra II era, assim, bisneta de Fernando IV.
grande personalidade de origem portuguesa: a
corajosa e ardente escritora Leonor da Fonseca Mas em 1862 um outro casamento real, en-
Pimentel (a “Portuguesa de Nápoles”). O povo tre D. Luís I e a princesa Maria Pia de Sabóia,
napolitano conhece bastante bem esta heroína filha do rei Victor Emanuel II, selava definiti-
da breve República Partenopeia, sacrificada na vamente os laços entre Portugal e o novo rei-
violenta repressão borbónica de 1799, aquando no de Itália, ao qual, no ano anterior, o reino de
do retorno do Rei. Nápoles fora anexado.
No século XIX chega, enfim, o liberalismo.
Nápoles e Portugal conheceram revoluções SANTOS, MERCADORES,
liberais no mesmo ano: 1820. Mas enquanto a ECLESIÁSTICOS E ARTISTAS
constituição napolitana acabou por ser revo-
gada após intervenção da Santa Aliança, em Portugal e a Itália “partilham” um santo mui-
Portugal o constitucionalismo triunfou, uma to venerado pelo povo: Santo António, nascido
vez que a Inglaterra não aceitou a intervenção em Lisboa cerca de 1195 e falecido em Pádua
estrangeira nosassuntosinternos do seu velho em 1231. O seu primeiro contacto com terras
Aliado. De resto, ambos os reinos se viram en- italianas, depois de um naufrágio em 1220, foi a
volvidos nos conflitos que agitaram a Europa costa da Sicília, após o que atravessou a pé, com
entre 1828 e 1848. Leonor da Fonseca Pimentel. os seus companheiros, todo o reino meridional
para se juntar ao seu mentor, S. Francisco.
Saído destas turbulências em 1847, Portugal
enviou a Gaeta um navio de guerra quando Quatro séculos depois encontramos em Ná-
o Papa Pio IX ali se refugiou durante os dias poles outras memórias de portugueses ilustres:
conturbados da República Romana (1849). A uma lápide afixada na igreja da Ascensão de
bordo seguia uma mensagem de D. Ma- Chiaia recorda o rico mercador judeu portu-
ria II, na qual a rainha prestava homenagem guês Miguel Vaz, que em 1617 ali se refugiou
ao Sumo Pontífice e lhe oferecia a hospitali- para escapar aos agentes do vice-rei, depois de
dade de Portugal. ter sido acusado de defraudar o reino. Viria a
Sete anos depois, em Junho de 1855, D. Pe- ser absolvido da acusação dois anos depois.
dro V, ainda menor de idade, visitou Nápoles Miguel Vaz, que tinha salvo a cidade de uma
com o seu pai, D. Fernando, e com o seu ir- Rainhas portuguesas de Nápoles: grande carestia seguida a uma terrível peste
mão D. Luís, durante um périplo pela Euro- D. Isabel e D. Maria. com cereais trazidos dos países balcânicos,
pa, dois anos antes tinha sido feito Conde de Molla por Filipe II
da sua coroação. Na
sua estadia em terras e, no início do século
napolitanas, a comi- XVII, tinha fundado
tiva real foi acolhida Casale San Michele,
com grandes pom- na região da Puglia.
pas de estado e a sua Grande amante da
passagem foi sauda- arte, mandou cons-
da por multidões em truir na baixa de Ná-
delírio. Infelizmente poles o Palácio Vaz
a existência terrena (hoje chamado Palá-
do jovem rei, nascido cio Berio, na Via Tole-
um ano e meio depois do, em frente às Gale-
do seu primo Fran- rias Umberto I).
cisco II das Duas Sicí-
lias, extinguiu-se aos D. Mariana Vitória, D. Carlota Joaquina e Carlos III. Uma outra igreja,
Santa Caterina a For-
24 anos, em 1861, o mesmo ano em que o rei- Neste período é de mencionar o casamento miello, recorda-nos
no napolitano foi anexado pela coroa de Itália. da princesa D. Leonor, filha de D. Duarte, com uma família portu-
o imperador Frederico III do Sacro Império, guesa, a família Silva, com assento no Con-
em 1452. O acordo nupcial tinha sido celebra- selho Capuano desde a primeira metade do
CASAMENTOS REAIS do em Nápoles dois anos antes, sob o patro- século XVI. Na “Cappella Sylva”, remodelada
em 1698 por vontade de Vicente Maria da Silva,
Além do parentesco entre D. Afonso Hen- cínio do seu tio Afonso V de Aragão. Depois mais tarde bispo de Calvi, dedicada a S. Tiago,
riques e Rogério I, Portugal e o reino da Sicília da cerimónia matrimonial em Roma, uma podemos ver a lápide funerária do patriarca
prosseguiramasligaçõesfamiliares,apartirdo vez que D. Leonor tinha já perdido ambos Afonso Silva (Alfonsi Sylve Lusitani, Arcisq. Ca-
séculoXIV,pormeiodecasamentosreaisentre os pais, o rei de Nápoles organizou faustosas pvane), datada de 1536.
as coroas de Portugal e de Aragão (que então celebrações nupciais em honra da sua bem- Nápoles guarda também a memória do ce-
reinavaemPalermo).Esteslaçosmatrimoniais -amada sobrinha. lebérrimo PadreAntónio Vieira que, em 1650,
continuaram nos séculos XV e XVI, entre a di- No século XVIII retomaram-se os casamen- foi enviado por D. João IV a Roma para tratar
nastia de Avis e as dinastias Trastamara e Ha- tos entre as casas reais portuguesa (Bragança) do casamento do Príncipe D. Teodósio com
bsburgo, quando, depois de uma separação e napolitana (Borbón): a rainha Mariana Vitó- uma das filhas de Filipe IV e dali, em segredo,
de dois séculos, Nápoles e a Sicília se tinham ria, mulher de D. José I, era filha de Filipe V iniciar uma revolta contra os espanhóis em
de novo unido sob os soberanos aragoneses de Espanha e irmã de Carlos III de Nápoles; Nápoles (ou melhor, alimentar o sentimento
e, depois, espanhóis. E se Portugal nunca teve D. Carlota Joaquina, mulher de D. João VI, era de revolta que fervilhava na cidade). Embora
uma rainha napolitana, os napolitanos, pelo neta do mesmo Carlos III. o jesuíta não tenha sido bem sucedido nesta
contrário, tiveram duas rainhas portuguesas: D. Maria Leopoldina, consorte de D. Pe- missão, foi na cidade partenopeia que o seu
D. Isabel, mulher do imperador Carlos V, dro IV, era neta de Fernando IV de Nápoles discurso “As Lágrimas de Heraclito”, foi pu-
e D. Maria, consorte de Filipe II de Espanha. (filho de Carlos III) e sobrinha-neta da sua es- blicado pela primeira vez, em 1709.
Em Nápoles foi também publicado pela pri-
24 AGOSTO 2012 • Revista da Armada