Page 4 - Revista da Armada
P. 4
OS HELICÓPTEROS NA MARINHA
O ANTES E O DEPOIS
Odesafio que a Revista da Armada
me propôs foi o de compor um re- ção de uma solução; distrair, para evitar que se «a guerra dos alcances sonar». Eram frequen-
lato não factual, evitando histórias estabeleça uma relação directa; seduzir, para tes as discussões onde se dirimiam argumen-
ou situações concretas, mas conceptual, re- quebrar uma ligação. tos sobre o momento da primeira detecção,
flectindo um juízo abstracto sobre o impacto avançando-se alcances na ordem das cinco
da reintrodução da componente aeronaval Repare-se, que quando nos vemos obri- mil jardas8 (!) como exemplo de grande feito9.
na Marinha. Escrever no plano da teoria nun- gados a passar de uma fase para a seguinte,
ca é uma tarefa fácil, mas tal pode revelar-se perdemos clarividência e a noção de teatro A discrepância entre a distância a que um
particularmente complicado quando o uni- (panorama situacional), ou seja, a capacidade submarino consegue detectar um navio e
verso a quem nos dirigimos é muito hetero- de antecipar necessidades. Passa-se, na rea- disparar um torpedo, e os alcances referidos
géneo. Isto porque o interesse relativamente lidade, de uma postura pró-activa em que se no parágrafo anterior, concede aos primeiros
ao tema tratado, a sensibilidade para o assun- pretende condicionar os acontecimentos, para uma extraordinária vantagem. Como o pro-
to, e mesmo o grau de conhecimento uma atitude reactiva, onde a nossa acção é de- cesso de decisão se desenvolve ao longo de
sobre a matéria em discussão, poderá terminada por eles. um ciclo que começa na observação da si-
fazer dispersar as atenções de muitos
dos potenciais leitores. Começarei, Por esta altura questionar-se-á o leitor sobre tuação, passa pela orientação, onde
por isso, por algumas noções básicas, o que é que tudo isto tem que ver com os he- se identificam as diferentes opções e
com que pretendo enquadrar a tese licópteros. Para já, pouco, excepto na óptica se definem prioridades, e desagua na
defendida ao longo deste escrito. de que sendo estes uma arma orgânica das decisão e na acção (o célebre OODA
Num contexto de confronto entre fragatas, a sua utilização deve enquadrar-se na loop, segundo John Boyd 10), os co-
duas vontades, é a necessidade de ob- lógica a que atrás aludi. mandantes dos submarinos estavam
ter dividendos (alcançando objectivos) suficientemente libertos de qualquer
e de reduzir danos, em sentido lato, Nos anos oitenta do século passado, o trei- pressão para escolherem o «quando»
que motiva o desenvolvimento das li- no e a proficiência da esquadra estava muito e «onde» era mais favorável conduzir
nhas de acção, seja ao nível estratégi- centrada nas disciplinas tradicionais da guerra os seus ataques. Ao invés, os OAT limi-
co, operacional ou táctico. no mar, em particular na luta anti-submarina tavam-se, na maior parte das vezes, a
Independentemente da sua natureza, (ASW), por ser essa a principal ameaça da reagir11, estando o sucesso da sua ac-
a génese a que se subordinam aquelas denominada «guerra fria». Fragatas da classe ção muito dependente da perspicácia
opções é, invariavelmente, a mesma: João Belo5 e corvetas da classe Baptista de An- em decidir num muito curto espaço
desencorajar a acção de um opositor, drade rivalizavam nos muitos exercícios que, de tempo e quase sem elementos de
antes desta se concretizar1; identificar então, se realizavam. Nessa altura, um bom suporte à decisão.
e antecipar as consequências dos «operacional» era um oficial que dominasse
actos, para mitigar os seus impactos2; os procedimentos tácticos, tivesse uma boa Na verdade, detectar um submarino
reagir, para reduzir os efeitos próxi- dicção e domínio da língua inglesa6, e que a três mil ou a cinco mil jardas, numa
mos de acções cujo desenlace está mostrasse a mestria necessária para, contro- situação real, traduz-se apenas numa
iminente3. Trata-se de uma abordagem lando os movimentos do navio, conseguir diferença de cerca de um minuto12 no
faseada, que implica pensar e actuar manter um submarino «à distância»7. Revi- tempo de aviso relativamente a um im-
em profundidade. vendo esses tempos, recordo uma competição pacto (de torpedo) iminente. Na práti-
Ao nível das operações aquele princí- muito centrada no que se poderia denominar ca, os oficiais competiam para verem
pio está sempre presente e aprendemo-lo logo qual teria o maior pré-aviso para uma
desde uma fase muito precoce da nossa pre- «catástrofe prestes a acontecer».
paração como oficiais de ação táctica (OAT).
O objectivo primário é actuar sempre sobre as Consciente desta realidade, pese
plataformas inimigas, antes que estas possam embora se respeitassem as tácticas, as
desenvolver o grau de conhecimento situacio- práticas, e os procedimentos padronizados13,
nal necessário para disparar uma arma. a mente dos OAT estava naturalmente focada
É segundo essa lógica que se recorre ao Chaff 4 nas contramedidas, ou seja, na defesa próxi-
Charlie («C» de Confusion), para oferecer a um ma. Embora, como já referi, os OAT fossem
oponente um conjunto diferenciado de poten- ensinados a pensar e actuar em profundidade,
ciais alvos, dificultando-lhe a construção de um a prática «desmentia» os ensinamentos teóri-
panorama claro. Que se utiliza o Chaff Delta cos, condicionando a sua própria perspicácia
(«D» de Distraction), para evitar que o sistema e apelando a uma atitude diversa da que se-
de guiamento de um míssil se foque directa- ria desejável. Os oficiais estavam mais habi-
mente num navio. E que se emprega o Chaff tuados, e confortáveis, a conduzir (no senti-
Sierra («S» de Seduction), para se procurar ofe- do mais restrito do termo) acções, do que a
recer uma alternativa mais remuneradora ao avaliar opções, a tomar decisões (tácticas) e a
sistema de guiamento e, assim, atrair o míssil orientar os supervisores e os operadores.
para um alvo alternativo falso. Nos exercícios em simulador, porque a aná-
Gosto particularmente do exemplo do Chaff, lise das séries era efectuada logo após cada
porque, até as expressões que se utilizam para sessão, tal constatação resultava mais eviden-
caracterizar os seus diferentes tipos, são eluci- te, sendo frequentes as alusões à preocupação
dativas: confundir, para dificultar a identifica- dos OAT com a posição do submarino a cada
momento, em detrimento da análise do histó-
rico, para antecipar os seus movimentos ou in-
tenções. Eu próprio cometi este tipo de erros,
e critiquei os outros, quando me encontrei na
posição de avaliador.
4 JULHO 2013 • REVISTA DA ARMADA