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OS HELICÓPTEROS NA MARINHA

                                  O ANTES E O DEPOIS
Odesafio que a Revista da Armada
           me propôs foi o de compor um re-        ção de uma solução; distrair, para evitar que se  «a guerra dos alcances sonar». Eram frequen-
           lato não factual, evitando histórias    estabeleça uma relação directa; seduzir, para     tes as discussões onde se dirimiam argumen-
ou situações concretas, mas conceptual, re-        quebrar uma ligação.                              tos sobre o momento da primeira detecção,
flectindo um juízo abstracto sobre o impacto                                                         avançando-se alcances na ordem das cinco
da reintrodução da componente aeronaval             Repare-se, que quando nos vemos obri-            mil jardas8 (!) como exemplo de grande feito9.
na Marinha. Escrever no plano da teoria nun-       gados a passar de uma fase para a seguinte,
ca é uma tarefa fácil, mas tal pode revelar-se     perdemos clarividência e a noção de teatro         A discrepância entre a distância a que um
particularmente complicado quando o uni-           (panorama situacional), ou seja, a capacidade     submarino consegue detectar um navio e
verso a quem nos dirigimos é muito hetero-         de antecipar necessidades. Passa-se, na rea-      disparar um torpedo, e os alcances referidos
géneo. Isto porque o interesse relativamente       lidade, de uma postura pró-activa em que se       no parágrafo anterior, concede aos primeiros
ao tema tratado, a sensibilidade para o assun-     pretende condicionar os acontecimentos, para      uma extraordinária vantagem. Como o pro-
to, e mesmo o grau de conhecimento                 uma atitude reactiva, onde a nossa acção é de-    cesso de decisão se desenvolve ao longo de
sobre a matéria em discussão, poderá               terminada por eles.                               um ciclo que começa na observação da si-
fazer dispersar as atenções de muitos
dos potenciais leitores. Começarei,                 Por esta altura questionar-se-á o leitor sobre          tuação, passa pela orientação, onde
por isso, por algumas noções básicas,              o que é que tudo isto tem que ver com os he-             se identificam as diferentes opções e
com que pretendo enquadrar a tese                  licópteros. Para já, pouco, excepto na óptica            se definem prioridades, e desagua na
defendida ao longo deste escrito.                  de que sendo estes uma arma orgânica das                 decisão e na acção (o célebre OODA
 Num contexto de confronto entre                   fragatas, a sua utilização deve enquadrar-se na          loop, segundo John Boyd 10), os co-
duas vontades, é a necessidade de ob-              lógica a que atrás aludi.                                mandantes dos submarinos estavam
ter dividendos (alcançando objectivos)                                                                      suficientemente libertos de qualquer
e de reduzir danos, em sentido lato,                Nos anos oitenta do século passado, o trei-             pressão para escolherem o «quando»
que motiva o desenvolvimento das li-               no e a proficiência da esquadra estava muito             e «onde» era mais favorável conduzir
nhas de acção, seja ao nível estratégi-            centrada nas disciplinas tradicionais da guerra          os seus ataques. Ao invés, os OAT limi-
co, operacional ou táctico.                        no mar, em particular na luta anti-submarina             tavam-se, na maior parte das vezes, a
 Independentemente da sua natureza,                (ASW), por ser essa a principal ameaça da                reagir11, estando o sucesso da sua ac-
a génese a que se subordinam aquelas               denominada «guerra fria». Fragatas da classe             ção muito dependente da perspicácia
opções é, invariavelmente, a mesma:                João Belo5 e corvetas da classe Baptista de An-          em decidir num muito curto espaço
desencorajar a acção de um opositor,               drade rivalizavam nos muitos exercícios que,             de tempo e quase sem elementos de
antes desta se concretizar1; identificar           então, se realizavam. Nessa altura, um bom               suporte à decisão.
e antecipar as consequências dos                   «operacional» era um oficial que dominasse
actos, para mitigar os seus impactos2;             os procedimentos tácticos, tivesse uma boa                 Na verdade, detectar um submarino
reagir, para reduzir os efeitos próxi-             dicção e domínio da língua inglesa6, e que               a três mil ou a cinco mil jardas, numa
mos de acções cujo desenlace está                  mostrasse a mestria necessária para, contro-             situação real, traduz-se apenas numa
iminente3. Trata-se de uma abordagem               lando os movimentos do navio, conseguir                  diferença de cerca de um minuto12 no
faseada, que implica pensar e actuar               manter um submarino «à distância»7. Revi-                tempo de aviso relativamente a um im-
em profundidade.                                   vendo esses tempos, recordo uma competição               pacto (de torpedo) iminente. Na práti-
 Ao nível das operações aquele princí-             muito centrada no que se poderia denominar               ca, os oficiais competiam para verem
pio está sempre presente e aprendemo-lo logo                                                                qual teria o maior pré-aviso para uma
desde uma fase muito precoce da nossa pre-                                                                  «catástrofe prestes a acontecer».
paração como oficiais de ação táctica (OAT).
O objectivo primário é actuar sempre sobre as                                                                 Consciente desta realidade, pese
plataformas inimigas, antes que estas possam                                                                embora se respeitassem as tácticas, as
desenvolver o grau de conhecimento situacio-                                                         práticas, e os procedimentos padronizados13,
nal necessário para disparar uma arma.                                                               a mente dos OAT estava naturalmente focada
 É segundo essa lógica que se recorre ao Chaff 4                                                     nas contramedidas, ou seja, na defesa próxi-
Charlie («C» de Confusion), para oferecer a um                                                       ma. Embora, como já referi, os OAT fossem
oponente um conjunto diferenciado de poten-                                                          ensinados a pensar e actuar em profundidade,
ciais alvos, dificultando-lhe a construção de um                                                     a prática «desmentia» os ensinamentos teóri-
panorama claro. Que se utiliza o Chaff Delta                                                         cos, condicionando a sua própria perspicácia
(«D» de Distraction), para evitar que o sistema                                                      e apelando a uma atitude diversa da que se-
de guiamento de um míssil se foque directa-                                                          ria desejável. Os oficiais estavam mais habi-
mente num navio. E que se emprega o Chaff                                                            tuados, e confortáveis, a conduzir (no senti-
Sierra («S» de Seduction), para se procurar ofe-                                                     do mais restrito do termo) acções, do que a
recer uma alternativa mais remuneradora ao                                                           avaliar opções, a tomar decisões (tácticas) e a
sistema de guiamento e, assim, atrair o míssil                                                       orientar os supervisores e os operadores.
para um alvo alternativo falso.                                                                       Nos exercícios em simulador, porque a aná-
 Gosto particularmente do exemplo do Chaff,                                                          lise das séries era efectuada logo após cada
porque, até as expressões que se utilizam para                                                       sessão, tal constatação resultava mais eviden-
caracterizar os seus diferentes tipos, são eluci-                                                    te, sendo frequentes as alusões à preocupação
dativas: confundir, para dificultar a identifica-                                                    dos OAT com a posição do submarino a cada
                                                                                                     momento, em detrimento da análise do histó-
                                                                                                     rico, para antecipar os seus movimentos ou in-
                                                                                                     tenções. Eu próprio cometi este tipo de erros,
                                                                                                     e critiquei os outros, quando me encontrei na
                                                                                                     posição de avaliador.

4 JULHO 2013 • REVISTA DA ARMADA
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