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REVISTA DA ARMADA | 490
Foto Arquivo Central da Marinha
Foto CCF
1TEN Alpoim Calvão, CTEN Costa Santos e 1TEN Lopes Carvalheira Terminada a descolonização apressada, logo o Comandante Calvão
orientou a sua vida para voltar à Guiné sempre com o objectivo de
Nunca desistiu desta ideia, que apenas a tornou possível con- compensar todos os nativos que serviram nos Fuzileiros, Comandos e
cretizar em 22 de Novembro de 1970, no planeamento e coman- Pára-Quedistas, e que conseguiram sobreviver sem serem fuzilados,
do da Operação Mar Verde, o que permitiu, entre outros objec- fuzilamentos estes que ocorreram em série, efectuados ao tempo de
tivos, destruir e afundar 7 lanchas rápidas de origem russa e li- Luís Cabral como Presidente da República da Guiné-Bissau.
bertar não só o referido piloto como outros 25 prisioneiros por-
tugueses que ali se encontravam. Esta foi a obsessão do Comandante, que o tornou o maior em-
pregador da Guiné atingindo os cerca de 400 postos de trabalho e
Numa cerimónia do 10 de Junho, junto ao Monumento dos que viria a fomentar o processo de desfalecimento da sua saúde.
Combatentes, em Pedrouços, em ano que já não lembro, assisti a
um homem que se aproximou do Comandante Calvão, acompa- A última ida à Guiné, em Setembro de 2013, foi determinante,
nhado da mulher e de dois filhos que, de lágrimas nos olhos, veio pois regressou bastante debilitado, em consequência de um for-
apresentar a família a quem lhe tinha salvo a vida. Eu vi e ouvi. te paludismo e duma infecção complexa, que o prostrou no Hos-
Foi emocionante. pital durante muito tempo. Começava então o princípio do fim.
Também tive muitas vezes a oportunidade de apreciar o convívio Depois de enorme sofrimento durante quase um ano, acabou
e a amizade mútua entre o Cmdt. Calvão e o agora TCOR REF Antó- por falecer em 30 de Setembro de 2014.
nio Lobato, que tinha a liberdade a qualquer momento, desde que
assinasse uma declaração em como estava contra a guerra. Nunca o O Comandante Alpoim Calvão, o oficial de Marinha mais con-
fez e esteve preso nas masmorras da prisão de Conacri durante pre- decorado de todos os tempos, com um nobre carácter, era um
cisamente 7 anos e meio. Interrogado porque não assinou, escreveu Homem bom que praticava o bem, Amigo do seu Amigo, dotado
no seu livro Liberdade ou Evasão “com que cara eu chegava ao largo de uma coragem ímpar, amante da sua Pátria, da sua Família e
da minha aldeia?”. dos seus Amigos, pelos seus feitos e atitude deixa entre nós, na
nossa Marinha e também na História de Portugal, o exemplo dos
Já lá vão quarenta e poucos anos sobre esta aventura de seus mais fiéis servidores que, estou certo, a sua memória o vai
guerra com episódios que certamente dariam um bom filme e libertar da lei da morte.
que ainda hoje é uma operação de estudo nas Escolas Militares
dos E.U.A. Tive o privilégio de termos mantido uma amizade mútua desde
cadetes e que se prolongou por toda uma vida.
Depois deu-se o 25 de Abril, para o qual o Comandante foi
contactado e não aceitou participar, perante a dúvida do que ia Paz à sua Alma. Que Deus o receba e até sempre, meu bom
acontecer ao Ultramar. Como diz um grande amigo comum, Pro- Amigo.
fessor Universitário Rui Azevedo Teixeira, “Fechado o PREC com
a actuação dos Comandos chefiados pela dupla Neves/Eanes, Al- Lopes Carvalheira
poim Calvão não se deixou cair na política. Aliás, para político, VALM REF
não tinha os defeitos necessários”.
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
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