Page 16 - Revista da Armada
P. 16

REVISTA DA ARMADA | 496

de locais nas nossas estruturas milita-       país que apoiou Portugal foi a Alemanha,    zado territórios em África. Muitos dos
res. Eles eram extremamente importan-         em diferentes domínios, como a produção     mestiços receberam ensino superior e
tes como guias, intérpretes da população      da espingarda G3 e no projeto das lanchas   mais tarde tornaram-se elementos cru-
que só falavam dialetos locais, direcio-      de fiscalização, presumivelmente porque     ciais como intermediários locais e ad-
nando o esforço de guerra para as áreas       Portugal foi o único membro da NATO que     ministradores que lhes permitiram agir
que conheciam melhor do que nós. Os           apoiou abertamente a adesão da Alema-       como pacificadores ou diplomatas entre
Flechas eram unidades criadas e empre-        nha a essa organização em 1955.             o poder colonial branco e as comuni-
gues em Angola sob o comando da PIDE1.                                                    dades negras. Isto foi deliberadamente
Compostas por homens recrutados lo-           DOS PONTOS DE VISTA SOCIAL (S)              efetuado pelo Estado Português, onde
calmente, muitas vezes ex-guerrilheiros,      E PSICOLÓGICO (P)                           esta mistura genética acabou por tam-
principalmente de etnia khoisan, estas                                                    bém atuar como instrumento de poder
unidades eram especializadas em fazer           Provavelmente o mais interessante.        do Estado.
rastreios, reconhecimentos e operações        “Assimilado” foi o termo dado aos afri-
anti-terroristas.                             canos das colónias desde as décadas de        As operações psicológicas − PSYOPS2,
                                              1910 até 1960. Era entendido como sen-      do acrónimo NATO foram fortemente
  Os Flechas foram empregues com              do o indivíduo que tinha atingido um ní-    conduzidas pelo Exército sob a desig-
grande sucesso, particularmente na cam-       vel de "civilização", de acordo com as      nação nacional de Ação Psicossocial.
panha da frente oriental em Angola no         normas legais portuguesas e que, teori-     Este esforço foi materializado pela pro-
início de 1970. Era comum argumentar          camente, os qualificava para terem ple-     paganda contra os insurgentes através
que os soldados africanos eram mais           nos direitos como cidadãos portugueses.     da distribuição de panfletos, de comu-
baratos, conheciam melhor o terreno, e        Os portugueses alegaram, como obje-         nicados rádio, em eventos sociais e em
eram mais capazes a criar um relaciona-       tivo das suas práticas de assimilação, a    ações diplomáticas. O primeiro ministro
mento único com a população local, uma        "estreita união de raças com diferentes     Salazar, como Hitler, Mussolini e Fran-
estratégia de "vencer os corações sobre       graus de civilização e que iriam apoiar-se  co, tornaram-se mestres da propagan-
as mentes" que os Estados Unidos, mais        mutuamente com lealdade". Esta ação         da e as técnicas por eles usadas foram
tarde, tentaram no Vietname, ainda que        teve significativas repercussões mais tar-  aperfeiçoadas pelos militares portugue-
não suficientemente bem sucedidos. As         de, durante a guerra, permitindo que        ses em África.
unidades dos Flechas também operaram          milhares de homens indígenas se volun-
em Moçambique na fase final do conflito,      tariassem ao lado dos militares brancos     DO PONTO DE VISTA INFRAESTRU-
nas antevésperas da Revolução de Abril.       para lutar contra os insurgentes. Laços     TURAL (I)
As unidades continuaram a causar difi-        e relações eram estabelecidos, famílias
culdades aos movimentos de libertação,        miscigenadas foram constituídas e a exis-     É importante notar que, durante a
mesmo depois da independência e da re-        tência de mestiços era comum.               guerra 1961-74, uma significativa rede
tirada portuguesa, quando os países caí-                                                  rodoviária foi construída, especialmen-
ram em guerras civis.                           Este fenómeno, que se releva, não era     te nas áreas rurais, tendo sido funda-
DO PONTO DE VISTA ECONÓMICO (E)               nada usual entre as outras potências        mental para manter a presença dos
                                              europeias que também haviam coloni-         brancos em todas as zonas interiores
  Sistemas agrícolas foram estabelecidos,
em grande medida para fixar e manter as
populações locais nas áreas sob controlo
português, ganhar a sua lealdade e evitar
que fossem seduzidos para outras áreas
sob o domínio dos insurgentes. Em Portu-
gal, a construção naval florescia e, duran-
te o período 1961-74, Portugal construiu
cerca de 80 navios de diferentes dimen-
sões, além de ter 26 navios de passagei-
ros em pleno funcionamento com as prin-
cipais rotas para Angola e Moçambique.

  Nenhum apoio internacional foi recebi-
do e tudo o que o país precisava, para o seu
esforço de Guerra, tinha de ser produzido
em Portugal, o que, naturalmente, mante-
ve a economia nacional saudável. O único

16 MAIO 2015
   11   12   13   14   15   16   17   18   19   20   21