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de locais nas nossas estruturas milita- país que apoiou Portugal foi a Alemanha, zado territórios em África. Muitos dos
res. Eles eram extremamente importan- em diferentes domínios, como a produção mestiços receberam ensino superior e
tes como guias, intérpretes da população da espingarda G3 e no projeto das lanchas mais tarde tornaram-se elementos cru-
que só falavam dialetos locais, direcio- de fiscalização, presumivelmente porque ciais como intermediários locais e ad-
nando o esforço de guerra para as áreas Portugal foi o único membro da NATO que ministradores que lhes permitiram agir
que conheciam melhor do que nós. Os apoiou abertamente a adesão da Alema- como pacificadores ou diplomatas entre
Flechas eram unidades criadas e empre- nha a essa organização em 1955. o poder colonial branco e as comuni-
gues em Angola sob o comando da PIDE1. dades negras. Isto foi deliberadamente
Compostas por homens recrutados lo- DOS PONTOS DE VISTA SOCIAL (S) efetuado pelo Estado Português, onde
calmente, muitas vezes ex-guerrilheiros, E PSICOLÓGICO (P) esta mistura genética acabou por tam-
principalmente de etnia khoisan, estas bém atuar como instrumento de poder
unidades eram especializadas em fazer Provavelmente o mais interessante. do Estado.
rastreios, reconhecimentos e operações “Assimilado” foi o termo dado aos afri-
anti-terroristas. canos das colónias desde as décadas de As operações psicológicas − PSYOPS2,
1910 até 1960. Era entendido como sen- do acrónimo NATO foram fortemente
Os Flechas foram empregues com do o indivíduo que tinha atingido um ní- conduzidas pelo Exército sob a desig-
grande sucesso, particularmente na cam- vel de "civilização", de acordo com as nação nacional de Ação Psicossocial.
panha da frente oriental em Angola no normas legais portuguesas e que, teori- Este esforço foi materializado pela pro-
início de 1970. Era comum argumentar camente, os qualificava para terem ple- paganda contra os insurgentes através
que os soldados africanos eram mais nos direitos como cidadãos portugueses. da distribuição de panfletos, de comu-
baratos, conheciam melhor o terreno, e Os portugueses alegaram, como obje- nicados rádio, em eventos sociais e em
eram mais capazes a criar um relaciona- tivo das suas práticas de assimilação, a ações diplomáticas. O primeiro ministro
mento único com a população local, uma "estreita união de raças com diferentes Salazar, como Hitler, Mussolini e Fran-
estratégia de "vencer os corações sobre graus de civilização e que iriam apoiar-se co, tornaram-se mestres da propagan-
as mentes" que os Estados Unidos, mais mutuamente com lealdade". Esta ação da e as técnicas por eles usadas foram
tarde, tentaram no Vietname, ainda que teve significativas repercussões mais tar- aperfeiçoadas pelos militares portugue-
não suficientemente bem sucedidos. As de, durante a guerra, permitindo que ses em África.
unidades dos Flechas também operaram milhares de homens indígenas se volun-
em Moçambique na fase final do conflito, tariassem ao lado dos militares brancos DO PONTO DE VISTA INFRAESTRU-
nas antevésperas da Revolução de Abril. para lutar contra os insurgentes. Laços TURAL (I)
As unidades continuaram a causar difi- e relações eram estabelecidos, famílias
culdades aos movimentos de libertação, miscigenadas foram constituídas e a exis- É importante notar que, durante a
mesmo depois da independência e da re- tência de mestiços era comum. guerra 1961-74, uma significativa rede
tirada portuguesa, quando os países caí- rodoviária foi construída, especialmen-
ram em guerras civis. Este fenómeno, que se releva, não era te nas áreas rurais, tendo sido funda-
DO PONTO DE VISTA ECONÓMICO (E) nada usual entre as outras potências mental para manter a presença dos
europeias que também haviam coloni- brancos em todas as zonas interiores
Sistemas agrícolas foram estabelecidos,
em grande medida para fixar e manter as
populações locais nas áreas sob controlo
português, ganhar a sua lealdade e evitar
que fossem seduzidos para outras áreas
sob o domínio dos insurgentes. Em Portu-
gal, a construção naval florescia e, duran-
te o período 1961-74, Portugal construiu
cerca de 80 navios de diferentes dimen-
sões, além de ter 26 navios de passagei-
ros em pleno funcionamento com as prin-
cipais rotas para Angola e Moçambique.
Nenhum apoio internacional foi recebi-
do e tudo o que o país precisava, para o seu
esforço de Guerra, tinha de ser produzido
em Portugal, o que, naturalmente, mante-
ve a economia nacional saudável. O único
16 MAIO 2015