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Stratεgia

DE 0 PARA 1

INTRODUÇÃO

  As forças armadas dependem fortemente do planeamento es-
tratégico, pois a edificação de capacidades militares é um processo
longo, complexo e oneroso. Além disso, as decisões inerentes re-
percutem-se por várias décadas. Essas são as razões que justificam
o esforço despendido no sentido de tentar perspetivar o futuro e
antecipar cenários, que possam depois permitir perceber quais as
capacidades a edificar para os empenhamentos vindouros.

  Contudo, o investimento na prospetiva tem-se vindo a alar-
gar a muitas outras áreas de atividade, sendo particularmente
evidente no campo económico-financeiro, com vários autores a
tentarem antecipar cenários futuros e identificar tendências. E é
exatamente desse campo que surgiu recentemente um livro bas-
tante interessante: “Zero to One: Notes on Startups, or How to
Build the Future”. O seu autor é Peter Thiel, “talvez o principal
intelectual público americano de hoje”, segundo a revista “For-
tune”, que o coloca na senda de Thorstein Veblen e de Norman
Mailer.

Peter Thiel                                                            Vou tentar ilustrar estes conceitos com um exemplo da área
                                                                     militar. Assim, se tivermos uma munição e fabricarmos mais mil
  Peter Thiel nasceu na Alemanha em 1967 e aos dez anos de           munições, então fez-se um progresso horizontal; passou-se de
idade emigrou, com os pais, para os EUA. Foi um precoce mestre       1 munição para n munições, sendo que neste caso n=1000. Se
de xadrez e um aluno brilhante a matemática, mas a sua carreira      tivermos uma munição e a transformarmos numa munição inte-
universitária acabaria por se orientar para as humanidades, ten-     ligente (com guiamento por GPS ou por laser), então fez-se um
do-se licenciado em filosofia e doutorado em direito, na Univer-     progresso vertical; passou-se do 0, correspondente à não exis-
sidade de Stanford. Contudo, em mais uma inflexão de rumo, a         tência de munições inteligentes, para o 1, correspondente à sua
sua carreira profissional encaminhar-se-ia para as tecnologias de    existência.
informação e a alta finança. Em 1998 foi um dos co-fundadores
da companhia PayPal, que foi vendida ao eBay, em 2002, por 1,5         Segundo Thiel, a palavra que melhor define o progresso hori-
mil milhões de dólares. A partir daí, passou a investir em inúme-    zontal é a globalização, i.e. levar aquilo que funciona num lugar,
ras start-ups de risco, tendo ficado célebre, em 2004, o seu in-     até todos os lugares do mundo. Na sua opinião, o país que me-
vestimento de meio milhão de dólares numa companhia de um            lhor exemplifica este conceito é a China, que tem vindo a copiar
jovem de 20 anos, de nome Mark Zuckerberg. Tratava-se do Fa-         tudo o que funciona no mundo desenvolvido.
cebook, de que Thiel é, ainda, um dos diretores. Tudo isso levou
a “National Review” a chamar-lhe “uma lenda da revolução digi-         Da mesma forma, a palavra que melhor define o progresso ver-
tal”. Em 2014, Thiel publicou o livro acima referido, que aborda     tical é a tecnologia, entendida em sentido lato e abrangendo to-
sobretudo o mundo empresarial, mas – como sugere o subtítulo         das as maneiras novas e melhores de fazer as coisas. Ou seja,
“…How to Build the Future” – lança também uma visão global so-       quando Thiel fala em tecnologia está, na realidade, a referir-se a
bre o futuro.                                                        inovação e, especificamente, a inovação alavancada em tecnolo-
                                                                     gia. É, pois, com esse sentido que deve ser interpretada a pala-
GLOBALIZAÇÃO E TECNOLOGIA

  Entre outras ideias, Thiel afirma que, embora a maior parte das
pessoas considere que a globalização será o fator mais importan-
te na definição do futuro, a sua convicção é que esse fator será,
não a globalização, mas sim a tecnologia.

  Thiel defende que o progresso futuro se pode revestir de duas
formas: horizontal e vertical. O progresso horizontal (também
designado como progresso extensivo) assenta em copiar aquilo
que funciona, ou seja, passar de 1 para n. O progresso vertical
(também designado como progresso intensivo) implica inovar, ou
seja, passar de 0 para 1.

4 AGOSTO 2015
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