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REVISTA DA ARMADA | 499

vra tecnologia nos escritos de                                     rápida e mais barata, aproveitando as tecnologias comerciais ci-
Thiel que, aliás, a usa frequen-                                   vis. Isso implica, normalmente, acrescentar alguns requisitos mi-
temente de forma intermutá-                                        litares (como a capacidade de aguentar climas extremos, a re-
vel com inovação.                                                  sistência ao choque e/ou ao empastelamento, etc.) e assegurar
                                                                   os muito elevados requisitos de fiabilidade típicos das aplicações
  Como a globalização e a tec-                                     militares (que não são habituais nas aplicações civis). Não obs-
nologia correspondem a dife-                                       tante, numa conferência da NATO, em dezembro de 2014 (“Sus-
rentes formas de progresso,                                        taining NATO’s Technology Edge in an Age of Rapid Innovation”),
é possível ocorrerem ambas                                         especialistas nesta matéria avançaram que, hoje em dia, o mer-
simultaneamente, ou apenas                                         cado comercial poderá dar resposta a cerca de 80% das necessi-
uma delas, ou até nenhuma.                                         dades militares. Contudo, há e haverá ainda muitas necessidades
Desde o final da revolução in-                                     militares que não poderão ser supridas por tecnologias civis (os
dustrial (ocorrido entre 1820                                      20% remanescentes…), por corresponderem a capacidades sem
e 1840) até à I Grande Guerra,                                     aplicabilidade civil ou por os requisitos militares diferirem muito
coexistiram um rápido desen-                                       dos civis.
volvimento tecnológico e uma
acentuada globalização. En-                                          Quanto às ameaças decorrentes da grande evolução das tec-
tre 1918 e 1971, prevaleceu o                                      nologias comerciais, cabe mencionar a possibilidade de elas se-
desenvolvimento tecnológico,                                       rem exploradas por potenciais oponentes menos avançados e,
com pouca globalização. Con-                                       até, por atores não estatais, que assim poderão mitigar a sua tra-
tudo, a partir de 1971 (i.e. após                                  dicional desvantagem tecnológica. Com efeito, os produtos tec-
a viagem de Kissinger à China,                                     nológicos civis são fáceis de obter e são baratos (quando compa-
que permitiu o reatamento                                          rados com os seus equivalentes militares), o que potencia a sua
das relações comerciais entre os EUA e a China), tem prevaleci-    exploração por quem pretenda (com táticas assimétricas) desa-
do uma rápida globalização, com pouca inovação. Thiel conside-     fiar a ordem existente. Tal é o caso dos engenhos explosivos im-
ra ainda que essa escassa inovação tem estado essencialmente       provisados (facilmente concebidos através de produtos disponí-
confinada à área das tecnologias de informação, afirmando que      veis no mercado e que constituem, atualmente, uma das maiores
“nos últimos 40 anos, temos assistido a enormes progressos no      ameaças para as forças militares terrestres e não só) e dos veícu-
mundo dos bits, mas não tanto no mundo dos átomos”. Agora,         los não tripulados (por exemplo, o autodenominado Estado Islâ-
num mundo de escassos recursos, a globalização sem tecnologia      mico tem usado drones comerciais no Iraque e na Síria).
será insustentável, pelo que terá que ser a tecnologia (ou, como
decorre do acima exposto, a inovação) a moldar o futuro.             Dito isto, gostaria de lançar um olhar despretensioso e, natu-
                                                                   ralmente, não exaustivo sobre algumas tecnologias que poderão
  Este enfoque na importância da tecnologia não é, propriamen-     ter significativo impacto nos empenhamentos marítimos e navais
te, uma ideia nova. A novidade é a forma apelativa como Thiel      do futuro. É esse o desafio para o artigo do próximo número da
apresenta a dicotomia progresso horizontal vs. progresso verti-    Revista da Armada.
cal, ilustrando-a com os conceitos de globalização e de tecnolo-
gia e com as metáforas “de 1 para n” e “de 0 para 1”.                                                                                    Sardinha Monteiro
                                                                                                                                                            CFR
TECNOLOGIA CIVIL E MILITAR
                                                                     CORREÇÃO: No artigo do mês de abril, intitulado “Padre Fer-
  Entretanto, quando se abordam temas como a inovação e a            nando Oliveira – Um Pioneiro da Estratégia Naval”, referi exis-
tecnologia, existe uma tendência relativamente recente que im-       tir apenas uma cópia do original da “Arte da Guerra do Mar”,
porta sublinhar. Com efeito, as tecnologias de âmbito civil estão    na Biblioteca Nacional de Portugal – informação obtida em
a adiantar-se cada vez mais relativamente às tecnologias usadas      três fontes bibliográficas distintas, de autores diferentes. Con-
na esfera militar. Isso mesmo é reconhecido num relatório do US      tudo, apesar da elevada credibilidade dessas fontes, vim a sa-
Department of Defense Business Board, de outubro de 2014, ao         ber que existe uma outra cópia dessa obra na Biblioteca Cen-
afirmar que “a tecnologia comercial está mais avançada em mui-       tral de Marinha, facto que desconhecia e apenas referido num
tas áreas críticas do que as capacidades militares”.                 artigo publicado nesta revista, em junho de 1999. A bem do
                                                                     rigor e da divulgação do património cultural da Marinha, aqui
  As razões para isso são de vária ordem, podendo apontar-se,        fica a correção, com o meu pedido de desculpa aos leitores.
entre outras: o facto do mercado civil ser, neste momento, mais
exigente em termos de inovação do que o mercado militar; a con-
tração dos orçamentos de defesa, que implicou reduções na in-
vestigação e desenvolvimento militar; e a maior lentidão do ciclo
de desenvolvimento das tecnologias militares, que resulta das
forças armadas necessitarem obrigatoriamente de produtos am-
plamente testados.

  Esta é uma situação nova, pois até muito recentemente a tec-
nologia de defesa estava na vanguarda da investigação e desen-
volvimento, servindo de base à inovação tecnológica civil. Recor-
de-se o caso do magnetrão (desenvolvido para os radares milita-
res e aproveitado para os microondas civis), do computador, da
internet e do GPS, que tiveram a sua génese na indústria militar,
antes da explosão da sua aplicação civil. O escritor norte-ame-
ricano Walter Isaacson explica bem isso, no seu livro “The Inno-
vators: How a Group of Hackers, Geniuses, and Geeks Created
the Digital Revolution”, considerando que o grande catalisador da
evolução tecnológica entre as décadas de ’50 e ‘80 foi aquilo que
designa como “the military-industrial-academic complex”.

  Este novo quadro, em que as tecnologias de âmbito civil assu-
miram uma posição de liderança em muitas áreas (como a ciber-
-tecnologia e a robótica), cria oportunidades e ameaças.

  No campo das oportunidades, importa referir a possibilidade
de, nalguns casos, edificar capacidades militares de forma mais

                                                                   AGOSTO 2015              5
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