Page 115 - Revista da Armada
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às voltas com um novo tipo de sextante que pudesse   O  peso  das  bagagens  não  ultrapassava  os  cinco
        ser utilizado sem  necessidade de horizonte de  mar,   quilos.  Como  mantimentos  levavam  paus  de  cho-
        que é o caso dos aviões quando voam ác ima dos 100   colate,  bolachas  de  água-e-sal  e  um  garrafão  com
        metros de altura. O grande mérito de Gago Coutinho   água.  Condescenderam  na  extravagância  de  uma
       foi  ter  adaptado  ao  seu  sextante  um  tipo  de  nível   garrafa  de  vinho  do  Porto...  para  qualquer  even-
        especial  cuja curvatura  calculara de forma  a  poder   tualidade!  Medicamentos,  pistola  de  sinais  lumi-
        obter  alturas  dos  astros  com  rigor  suficiente  para   nosos  e...  nada  mais!  Perdão,  uma  coisa  ainda  (e
        a  navegação.  O  seu  sistema  foi  depois  adoptado   essa  de  sign ificado  simu Itâneamente  histórico-pro-
        por vários  fabricantes, o  primeiro  dos  quais  a casa   fético  e  sentimental) - uma  edição  antiga  de  Os
        Plath.  Quando  Sacadura Cabral chegou, Gago Cou-   Lusíadas.  Como  o  aparelho  não  dispunha de  inter-
        tinho  fez  o  seu  baptismo  de  voo,  experimentando   comunicador,  as  trocas  de  impressões  eram  feitas
       . o  novo  sextante  e  diversos  tipos  de  cálculo  com   por  meio  de  um  pequenO  livro  (Gago  Coutinho
        vista  a  seleccionar o  método  mais  prático  e  rápido   chamou-lhe  o  Livro  de. Recados)  que  os  aviadores
        de obtenção do ponto. Na realidade, só a navegação   passavam  um  ao  outro  depois  de  escreverem  as
        científica  seria  segura  e  nenhum  dos  sextantes   perguntas ou  respostas.  Assim  se voava em  1922! ...
        então  existentes,  mesmo  fabricados  especialmente   E  assim  largaram  (eram  exactamente  7  horas)  na-
        para a navegação aérea, eram satisfatÓrios. E assim,   quela  manhã  de  30  de  Março  a  caminho  do  Brasil
        qs  aviadores  Brito  Pais  e  Beires,  na  tentativa  que   e  da glória!  Nas  janelas  de  Lisboa e  à  beira do  rio
        fizeram  de  ir  à  Madeira,  apesar  de  praticarem  a   o  povo  acenava lenços.  E foi  um  país  inteiro a viver
        navegação  astronómica,  não  deram  com  a  ilha  e,   em  sobressalto  aquela  proeza  em  que  ambos,  no
        ao  fim  de  algumas  horas  de  ziguezagues  no  mar;   dizer  de  Sacadura  Cabral,  «tinham  metido  a  vida
        acabada a gasolina,  lançaram  um  S.  O.  S.  e espera-  em  despesa».  Planearam  a  viagem  da  seguinte
        ram  (com  muita  felicidade ,  diga-se  de  passagem)   forma:  Lisboa-Las  Palmas  (Canárias),  Las  Palmas-
        que  um  navio  os  salvasse.                        -Praia,  Praia-Fernando  Noronha,  Fernando  Noro-
                                                             nha-Recife,  costa  do  Brasil,  em  escalas  pela  Baía,
        Em  Março  de  1921,  com  todos  os  instrumentos
                                                             Porto Seguro e Vitória, até ao  Rio  de Janeiro. Como
        e  cálculos  já  experimentados,  Sacadura  Cabral
                                                             apoio  naval, tinham o  «5  de Outubro»  nas Canárias,
        e  Gago  Coutinho,  levando  consigo  Ortins  Betten-
                                                             a «Bengo»  em  Cabo Verde, o  «República» junto aos
        court  e  um  mecânico  francês,  resolveram  fazer  o
                                                             penedos  de  S.  Pedro  e  em  Lisboa  um  ministro  que
        raid  à  Madeira.  A  viagem,  sob  o  ponto"de  vista  de
                                                             tudo  haveria  de  fazer  para  que  a  viagem  se  com-
        navegação,  foi  um  sucesso!  Um  dos  instrumentos
                                                             pletasse  - V.  H.  de  Azevedo  Coutinho.
        experimentados  foi  o  corrector  de  rumos,  ideali-
                                                             A etapa Lisboa-Las Palmas não teve história. Apenas
        zado  por  ambos  e  que,  com  o  auxílio  de  bóias  de
                                                             uma  preocupação  inicial  com  um  derrame suspeito
        fumo  que  lançavam  de vez  em  quando,  lhes  permi-
                                                             de  gasolina  e  descargas  de  óleo  do  motor  que
        tia  conhecer  a  direcção  do  vento  e,  portanto,  o
                                                             deixaram  a  pequena  carlinga  do  navegador  algo
        abatimento  que,  em  navegação  aérea,  é  de  impor-
                                                             conspurcada.  Gago  Coutinho  anotava:  «Às  8.30 h
        tância  capital.  Confirmado  o, método,  é  agora  oca-
        sião para a grande aventura!
                                                             Fotografia  dos  oficiais  da  guarnição  do  cruzador  «República ».
        30 de Março de 1922 !. ..                            Da  esquerda  para  a  direita :
                                                             De  pé:  g.m.  Costa  Zanatty, g.m.  Noronha  Andrade, g.m.  H.  Fon-
        Um  hidroavião  feito  de  tela  e  madeira,  biplano,   seca,  g.m.  Ouádrio  Raposo,  g.m.  Rodrigues  Cosme,  2. 0   ten .
        monomotor, de 12,5 metros de comprimento é 21  de    Fernandes  Costa,  2. 0   ten.  Gabriel  Prior,  g.m.  Faria  Pereira ,
                                                             g.m.  Sarmento  Rodrigues  e  g.m.  AN  Rafael  Leiria.
        envergadura,  está  amarado,  junto  ao  hangar  do   Sentados:  2. 0  ten.  Mendonça  Dias,  cap.  ten.  EMO  Barros,
        Bom  Sucesso , com  320  galões  de gasolina e  16 de   cap.  frag.  Oliveira  Musanty,  cap.  ten .  L.  Vi'larinho,  2.  0   ten.  NM
                                                             Nunes  da  Costa  e  2.  0   ten.  AN  Basílio  Pereira.
        óleo.  Está  pintado  de  novo  e, nas  asas, tem ,a  Cruz
        de  Cristo!  Velocidade  de  cruzeiro,  135  quilómetros
        por  hora ...  Autonomia,  18  horas,  segundo  a  casa
        construtora.  (Verificou-se  depo is  que,  afinal,  só
        garantia  12  horas  de  voo.)  Gago  Coutinho  prepa-
        rara  as  cartas  especiais,  os  cronómetros  (um  em
        horas médias e outro em  horas siderais), o sextante,
        almanaque,  tábuas  náuticas  e  tabelas  próprias
        para abreviar os  cálculos durante a viagem.  Dispu-
        nham de agulha de governo, agulha de emergência,
        indicador  de  velocidade, barómetro-altímetro,  apa-
        relho  correcto'r  de  rumos,  taxímetro  para  marcar
        os  astros  e  30  bóias  de  fumo.  O  aparelho  de  rádio
        foi  suprimido  pois  precisavam  do  peso  correspon-
        dente  em  gasolina ...  Era  mais  uma  hora  de  voo!

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