Page 373 - Revista da Armada
P. 373

síveis  de encher.  Postos  frente  a fren-
        te,  certos objectos parecem  conversar
        no seu mutismo, misteriosamente rela-
        cionado~, apesar  da  natureza  insólita
        dessa  presença  mútua;  a  sua  imobili-
        dade  aparente  esconde,  no  entanto,
        actividades  insuspeitas.  Essa  imobili-
        dade  das  coisas  empresta  às  telas  de
        Chirico  uma  poesia  especial,  uma
        espécie  de  espera  de  alguma  coisa
        sobrenatural  que  se  sente  estar  para
        acontecer  mas  cujo  sentido  se  des-
  •     conhece.  Por  vezes,  certos  objectos,
        abandonados  no  meio  de  uma  rua
        deserta,  na  mais  desconcertante  das
        ambiências, são como destroços na sua
        nudez  trágica,  qual  grito  saído  dessa
        espécie  de  alma  que  tais  objectos,
        nessas circunstâncias,  parecem  adqui-
        nr.
        Até  1915,  a  pintura  de  Chirico
        procura  a  essência  do  infmito,  da
        solidão, da melancolia e  da incerteza.
        É  o  caso  de  «O  Enigma  da  Hora» ,
        pintado em  191 I . A  paleta é sombria
        e  dela  estão  ausentes  todas  as  cores
        gritantes. A luz é dada pelo sombreado
        dos  diversos  planos  geometrizados,
                                                                                            «A  Incerteza  do  Poeta »
        «O  Vaticinador »
                                                                              que  acentuam .os  efeitos  metafísicos
                                                                              que  o  artista  pretende.  Mais  tarde,
                                                                              Chirico  procurará  uma  concepção
                                                                              mais  intelectualizada  da  sua  pintura.
                                                                              Aquela  ansiedade,  que  era  sugerida
                                                                              pelas  impressionantes  ruas  desertas
                                                                              (como se os  homens  tivessem  desapa-
                                                                              recido  da  Terra)  e  que  exprimia
                                                                              a  essência  particular  de  uma  visão
                                                                              extraída  do  «naturai»,  transformar-
                                                                              -se-á numa concepção «supernatural»
                                                                              em  que  o  súbito  encontro  de  um  ob-
                                                                              jecto  inesperado  vem  acentuar  uma
                                                                              ambiência   poética   surpreendente,
                                                                              cara  ao  subconsciente  do  artista.  É o
                                                                              caso do quadro «A  Incerteza do  Poe-
                                                                              ta», pintado em  1913.  Um  pórtico na
                                                                              sombra,  um  pedaço  de estátua  antiga
                                                                              numa  praça geometrizada em  excesso
                                                                              e um  comboio fumegante no  horizonte
                                                                              acentuam a interpenetração misteriosa
                                                                              de dois mundos - o antigo e o moder-
                                                                              no. O cacho de bananas funciona como
                                                                              elemento  de surpresa desconcertante,
                                                                              expressão  de  um  sentimento  espon-
                                                                              tâneo  em  que  a  razão  não  intervém .
                                                                              exprimindo.  talvez,  aquele  verso  de
                                                                              Apollinaire:  «Incerteza.  oh,  minhas

                                                                                                            11
   368   369   370   371   372   373   374   375   376   377   378