Page 50 - Revista da Armada
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«Kroa a.,  de  Vasarely












          Apesar  de  tudo,  e  mau  grado  as
           intenções  de  muitos  artistas  abs-
          traccionistas,  a relação com  a na-
          tureza ou  a sua dependência dela,
          é  mais  flagrante  do  que  as  apa-
           rências  sugerem. Ainda  ~á pouco
          tempo o eminente historiador, crí-
          tico  e  estudioso  das  artes  René
           Huyhes,  em  conferência  que teve
          ocasião  de  proferir  no  auditório
           da Fundação Gulbenkian, mostrou
           que  a  arte  abstracta  poucas  for-
           mas novas nos  transmite  que não
           estejam  já  esgotadas  pela  natu-
           reza  quer nas  suas  mais  elemen-
           tares estruturas atómicas ou mole-
           culares quer nas suas  formas  mi-
           croscópicas ou  macroscópicas de
           vida,  revelando-se,  afinal,  de uma
           fecundidade de invenção que ultra-
           passa  toda a expectativa.  E com-  mediocridade,  o grotesco e a  ina-  com  o  seu  simbolismo  e  o  seu
           parou a esbanjadora profusão dos  dequação).                          cód igo interpretativo.
           gestos  a  que  hoje  se  assiste  na   Quando Erro, artista islandês, troca   Quando  um  pretenso  artista  (e
           Arte  com  essa  mesma  singulari-  as  cabeças  a  um  auto-retrato  de   talvez  o  seja  mesmo)  apresenta
           dade da natureza que desperdiça    Van Gogh e a uma figura de mulher   fundidas  em  bronze  três  garrafas
           milhões e  milhões de células ger-  de Modigliani poderá estar a fazer   de  coca-cola  ou  quando  outro
           minativas para eleger apenas uma  contestação ou  ponerá estar a fa-  acrescenta um par de seios a uma
           que,  efectivamente,  vai  interessar  zer  outra  coisa  qualquer  que  lhe   delas e lhe chama « Nu Americano»
           à criação.                         venha  à  cabeça.  Duvidamos,  no   ou  apresenta  uma  lata  de  óleo
           Na  Arte,  a  validade  do  gesto,  é   entanto,  da  legitimidade  disso  ...   amarrotada  e  lhe  dá  o  nome  de
           uma  interrogação  posta  à Huma-  Mas  quando  essa  pintura  figura   «Compressão  Mobil »  ou  constrói
           nidade que o tempo,  através dela,   como  protótipo  numa  mostra  de   um  hipopótamo  e  lhe  dá  as  fun-
           resolverá!                         arte  francesa  dos  últimos  vinte   ções de banheira e lavatório situa-
           Em  muitos casos, o quadro deixou  anos  ficamos  a  pensar ...       -se  nesta  última  linha.  As  serapi-
           de ser um  rectângulo emoldurado '  Parece  assistir-se  ao  fim  da  pin-  Iheiras,  os  plásticos,  os  recortes,
           onde a pintura se realiza para ser,   tura ...  Agora,  o  não  quadro  pre-  o  arame,  o  vidro,  os  acrílicos ga-
           exactamente, o contrário - um  ob-  tende gozar das propriedades que   nharam  os seus  adeptos  e adqui-
           jecto  como  qualquer  outro  que   eram  atribuídas  ao  quadro  e  o  . riram  invulgar  expansão  como
           se pode usar como qualquer coisa.   não  pintor  dos  atributos  do  pin-  materiais de pintura. E o conteúdo?
           Aparentemente,  isso  conduz  à  tor.  E  é  nesta  atmosfera  que  a   Alguns  destes  artistas  modernos
           destruição  da  pintura,  como  pre-  arte contemporânea caminha.     gostam  de  falar  de  mensagem;
           tendiam os dadaístas há cinquenta   A  pintura  lança  mão  de  materiais   para outros, falar disso seria como
           anos,  ideia  que,  de  certa  forma,   que  nunca  fizeram  parte  do  seu   se  lhes  falassem  do diabo-'vêem
           se  reflete  na pop arte dos nossos   arsenal  e na exploração de novas   nisso  um  insulto.  Uma  coisa  é
           dias.  Explora-se  o  quadro  ou  o   técnicas  tudo  parece  legitimar-  certa - é difícil  saber onde  reside
           objecto-pintura através de facetas   -se  desde  que  se  apresente  su-  a  verdade...  Mas,  de  toda  esta
           a  que  a  arte  fora  alheia - a  con-  ficientemente  novo,  inesperado  e   experimentação,  o  tempo  decan-
           testação,  a  piada  (ridicularizando  sensacional.                   tará a parte válida.
           o  objecto  na  sua  função  social),   A  um  mundo  de  imagens  sucede
           o  pires  (explorando  o  ridículo,  a  agora  um  mundo  de  objectos,                      O.  Lemos
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