Page 152 - Revista da Armada
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Antologia do Mar
e dos Marinheiros
Soeiro Pereira Gomes Pelo cap .• frng. Cristóvâo Moreira
E ra 14 de Abril de 19()1)(IUandocm Gestaçõ. no distrito do Porlo. nasceu aquele
que iria ser um dos pioneiros do nco·rcalismo po rtuguês: Joaquim Soeiro Pereira Go·
mes.
Depois de ter frequentado um colégio de Espinho. c de fei tos cm Coimbra os estu·
dos para regenle agrícola. partiu para Afrie:! no final da décad:l de 30. empregando-se
na Comp,mhi,1 de Catumbcla. Mas. insatisfeito. regressa 11 Metrópole logo cm 1931,
ano cm que s~ casou com 11 compositora Manuela Cincia Reis. c conseguiu um lug~r
de empregado de escritório numa empresa de Alhandra. donde viria li ser afastado por
motivos políticos. inevitavelmente relacionados com a acç:1o que Soeiro Pereira Go-
mes cedo começou a desenvolver no impulso do movimento c.ultural entre a populaç:1o
9perária da vila . que muito lhe ficou devendo: realizou e promoveu conferências, cola-
borou na montagem de bibliotecas. organizou e dirigiu cursos de ginástica. econtribuiu
para que a vila dispusesse de uma piscina. em cuja construção trabalhou ele mesmo
como operário.
A carreira literária de Sociro Pereira Gomes pode dizer-se que se iniciou cm 1935.
ano cm que começou a escrever: mas só em 1939 surgem. nas páginas de .. O Diabo ...
seus primeiros trabalhos. O romance .. Esteiros,.. escrito em 1940 e aparecido cm No-
vembro do ano scguinte. foi o único livro publicado cm sua vida . que uma doença incu-
rável itia fazer curta: morreu aos 40 anos. em Lisboa. a 5 de Dezembro de 1949, «En-
grenagem". o segundo romance do escritor . dedicado .. aos filhos dos homens que nun-
ca foram meninos ... e que termin,u;I em 1944. s6 viu a luz a título póstumo. prefaciado
por sua irmã. a escritora Alice Gomes, E o volume .. Refúgio Pcrdido ... eo1eclflnea de
(Foto do S~",iço dt Documtrr/(lçõo dQ ",Diário contos e de crónicas diversas. aparecido no ano seguintc (1950). foi o ultimo livro da
dtNOlfcilU _) obra de Sociro Pereira Gomes - uma obra breve como a sua vida, mas que nem por
isso deixou de marcar. na história da literatura portuguesa. um nomc próprio que pcla
força da sua pena resistiu ao apllgarnento em que as circunstâncias políticas do seu tem-
po o quiseram manter, e que figunt hoje. não apenas em nomes de ruas. mas tambl:m
em diversas an tologias que dessa história silO representativas.
«Esteiros», romance com sucessivaS edições em Portugal , cujas páginas ultrapassa-
ram fronteiras, traduzidas em várias línguas, é «a primeira notável obra da corrente
nco-realista» (<<História d<l Lileratur,t Portuguesa», dc António José Saraiva e Óscar
Lopcs), A acção do livro loc,tliz,t-se nos esteiros. nesses «minusculos canais. como de-
dos de mão espalmada. abertos na margem do Tejo .. : c contudo mio são esses canais
o bastante minúsculos p,tra que. palco do drama dos adolescentes da beira-
-rio. não rasguem suas águas largos horizontes. E com suas ondas esses horizontes es-
condam. E nelas os homens se sintam marinheiros, e por gente do mar se tenham. E
o mar defendam. como fazia o Ti Bento, remoendo pragas a um cantodocaisda lezíria,
ouvindo o pranto dos que c-spcr<lvllm aqueles que não iam voltar: .. Agora deitem as
culpas para o mar. Tontos .. , ..
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De «ESTEIROS»
(1941)
Esteiros. MinÚsculoscanais. - Poreslejeito, Ti MUI/el ..
como dedos de mão - É a fOI1lI'.
espalmada , abertos na margem - Pode ser (/I/e abrande. O vento 'lá a
do Tejo, Dedosdas milos querer virar ..
avaras dos telhais que roubam - O W!/Ito é com'a gente, Tt;o depressa
nateiro às {Iguas c vigores el/direita como elllorta.
à maha. Mitosde lamaque - 56 I'mona, 1lOme. Gente (Ie mar tra~
560 rio afaga. sempre a proa debaixo d'allsa.
No cais, mastros (Jl'spilJos (/e ).'efas. os - Diz que fá pra cima vem lima ellXl/r-
barcos (Iormi/(/m. O rio está (h'seno. Há rodei dos di(lbos. Enche-se pr'aí /Ilda de
quase lima semana que a c/Wl'tl cai, I'm bá- misirill.
tegas grossas como a.f amarrllS (/lIe segl/- - S6 se for (/isso. Que do mais fica-se
ram os barcos. \'(1 z io (/lIe I/em paI/ela sem fU I/do.
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