Page 156 - Revista da Armada
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A Muleta da Tartaranha






               A muleta, ex-libris e  figura emblemática do Seixal e do   te; para esse efeito tinha, como diz Baldaque da Silva, o ve-
             Barreiro, foi talvez a mais bela ernharcaçâo de pesca nacio-  lame distribuidode maneira que possa haver uma fácil com-
             nal. Embora não se conheçam as suas origens é  unanime-  pensação de forças segundo a direcção e a maior ou menor
             mente considerada muito antiga, invocando alguns a  pro·   intensidade do vento e das correntes, deitando à proa dois
             veniência grega ou cartaginesa, e por esse motivo foi inclui-  compridos paus,  denominados botaJós,  que servem para
             da no nucleo nAntecedentes da Expansão Marítima" da ex-  amurar e caçar as velas e ao mesmo tempo para nas extre-
             posição subordinada ao tema tiOS  Descobrimentos e a Eu-  midades amarrar os alares da tartaranha. Este método teve
             ropa do Renascimento", porque lembra a  importância das   expressão irrelevante em Portugal, sendo utilizado apenas
            ligações maritimas apoiadas nos inúmeros portos do nosso   nos estuários do Tejo e  do Sado e  na zona entre o cabo da
            litoral na época do predomínio de Cartago (desde a destruí·   Roca e o cabo Espichei, mas proliferou no Mediterrâneo em
             ção de Tartassos em 509 a. C.)('). O nome derivaria da tipica   embarcações denominadas tartaranhas, com redes do mes-
             armação evocando a muleta dos toureiros.           mo nome (em França chamava-se peixe de tartana ao pro-
               Vamos tentar demonstrar que é  muito mais recente:  é   veniente da pesca de arrasto).
             uma tartsna francesa (genuína ou adaptada) introduzida no   Já mencionada no foral fernandino da portagem de Lis-
             pais apenas na segunda metade do século XVII,  para pes-  boa, a tartaranha era vocacionada para o peixe areado (aze-
             car exclusivamente com rede tartaranha. O nome derivará   vias, linguados, solhas) ('J e mereceu a primazia no conten-
             do francês umuJette» (de umulet», mugem) e desde o século   cioso que sempre tem oposto as redes de arrasto aos pesca-
             XVI designava, em termos genéricos, um determinado tipo   dores das outras artes : foi  proibida no Tejo (carta régia de
             de embarcações de pesca e  transporte. Para evitar confu-  10-4-1470  e  muitos diplomas  posteriores)  por ter malha-
             sões chamar-lhe-emos muleta de tartaranha.         gens tão miúdas que lhe não escapava a  criação nova, de
                                                                que nascia a  falta  que há de pescado ('),  e  na zona entre
                                                                S. Julião e o cabo da Roca (portaria de 12-3-1592, confirmada
             A  TARTARANHA                                      por Filipe I)  pelos  danos que causava aos  pescadores de
                                                                Cascais(' ).  A embarcação era denominada «barca»  (termo
               O  moderno arrasto pela popa,  uma das artes de pesca   genérico, distinguivel de outros, coetâneos, como caravela,
             mais importantes da actualidade, apareceu no Mediterrâ-  pinaça ou batel) ou  "tartaranha"  (como no Mediterrâneo,
             neo e na Mancha no ano de 1720 e só foi adoptado em Portu-  onde a embarcação e a rede tinham o nome de tartana): ve-
            gal no fim do século XIX.  Antes, praticava-se o anasto pelo   lemos adiante, como a chincha e o chinchorro, que era vul-
             través, com a rede (tartaranha) por barlavento da embarca-  gar atribuir à embarcação o nome da rede.
            ção, que se deixava abater atravessada ao vento e à corren-

                Bibliografia :                                     rl  «Documentos  Para  a  Histôria  da  Cidade  de  Lisboa B,  Li-
                I')  XVII Exposição  Europeia ..  "Antecedemes  da  Expansão   vro /  de Misticos ... , Lisboa,  1947, pp.  59 e segs.; E. Freire de Oli-
            Marítima», Lisboa, 1984, p . 77. Ate à  segunda metade do séc. XIX   veira, «Elementos Para a História do Municipio de Lisboa ~ ,  Lisboa,
            foi o  nucJeo piscatôrio do Barreiro que deu feição  à  povoação;  A.   1882·1911, VoU/, p . 431 .
            Silva Pais, «O BarreiroAntigo e ModemON, Barreiro, 1963, p . 82. No   (') «Livro das Posturas AntigasB, Càmara Municipal de Lisboa,
             «Santuan'o MarianoH,  Liv. II, Lisboa, 1703-1723, p . 450, Fr. Agosti-  1974,p.219.
            nho de Santa Maria diz que quase todos os moradores do Seixal são   (' ) M.  V. Ferreira de Andrade, .. Cascais,  Vila da Cone .. N,  Cas-
            maritimos e pescadores.                             cais, 1964, p . LXXVI.

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