Page 154 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DE MARINHEIROS
71-Laços de família
Talvez que os mais novos desco- numa coisa tão simples como o trata- dos seus pontos de vista. Era toda
nheçam o facto. mas a Marinha já mento dos superiores, havia tradi· uma vida que tinha alrâs de si e, na-
leve a sua aviação privativa. Foi ela ções diferentes. Enqu~nto o pessoal turalmente, não poderia esquecer os
que, com Coutinho e Cabral, atra- do Exército se dirigia aos mais gra- ensinamentos que colhera. O gene·
vessou pela primeira vez o Allântico duados por .. meu coronel .. , .. meu ral é que, no intimo, não gostava da-
Sul, num voo heróico que jamais se capitão", .. meu alferes", o de Mari· quelas observações. Também tinha,
desvanecerá da história deste país. nha, fiel aos seus usos, dizia sempre pelo seu lado, a vivência da sua
Um dia - há uma trintena de «senhor coronel», .. senhor capitão», arma, que não considerava, legitima-
anos -, razões de ordem política de- «senhor alferes". mente, inferior à da Marinha. Contu·
terminaram a sua fusão com a avia· do, nada dizia, calando para si a con-
Conla·se que um aviador naval.
ção do Exército - que, por seu I~do, trariedade que sentia, ao exibir·se·
quando falava com um camarada do
dispunha igualmente de homens e Exército, dizia sempre, referindo-se -lhe, sem peias, uma experiência
material daquela arma. preten~amente superior.
ao chefe comum, o .. seu» general-
A Marinha de então - sobretudo Os meses foram correndo, as ho·
dispensando-lhe, inteiro, um senti-
os nossos aviadores - bateu-se ras de despacho foram-se acumu-
mento de propriedade de que since-
bravamente pela manutenção da lando e, com elas, foi-se acentuando
ramente não partilhava.
sua aviação. Publicaram-se artigos naturalmente o grau de intimidade
Todo este intrôito pretende fami-
na Imprensa, ouviram-se palestras que entre ambos se estabelecera.
pela rádio, movimentaram-se in- liarizar o leitor com um episôdio au- O marinheiro, agora mais à von-
têntico, ocorrido nesses velhos tem-
fluências. Demonstrou-se, com ar- tade, não se coibia. a cada passo, de
pos.
gumentos irrespondiveis, que uma salientar as excelências do seu de·
Marinha sem asas não poderia cum- Nos altos escalões do comando, sembaraço naval. "Nôs, na Marinha,
prir cabalmente a sua missão. Algu- um aviador naval. já antigo, despa- fazíamos assim ... nôs, na Marinha,
mas vozes se levantaram na Assem- chava normatmente com um gene- faziamos assado .. "
bleia Nacional de então na desas- ral, oriundo do Exêrcito. Na aprecia- Um dia, o general, jâ cansado,
sombrada defesa desses pontos de ção dos sucessivos problemas, o não se conteve, chamando a aten·
vista. O eco frouxo da oposição que marinheiro invocava com frequência çaõ do subordinado, em termos co-
provocou foi mais um sinal claro de a sua experiência naval. na defesa medidos, para a deselegância de, a
que lado estava a razão. Mas de
nada serviu: a união concretizou-se.
E, ainda hoje, passados tantos anos,
as consequências dessa supressão
mais se radicaram na realidade das
necessidades tâcticas da Marinha de
Guerra dos nossos tempos.
Realizada a junção das duas
aviações, parte do pessoal marinhei-
ro, desgostoso, optou pelo regresso
aos navios, mas outra, fiel aos ideais
aventurosos do .. mais pesado do
que o ar» , ingressou na Força Aérea.
A fusão, em colaboração estreita,
de pessoal oriundo de armas distin·
tas, com a sua formação e mentah-
dade prôprias, não foi isenta de difi-
culdades. Não é de pôr em dúvida
que todos procurariam, com lealda-
de, atingir os objectivos prôprios da
recém-criada arma independente.
Mas na adopção de métodos e crité·
rios atinentes a essa finalidade surgi-
ram, por vezes, dificuldades na ob·
tenção de compromissos aceitâveis
por ambas as partes.
Logo, na vivência do dia a dia.
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