Page 56 - Revista da Armada
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A lancha·canhoneira .. Tete_ atracada A mergem para o reabasU!K:imenro da lenha. que era o .seu combustível (foto do autor do artigo)

             Uma figura de proa







                Foi há longos anos que falhei a tentativa de salvar uma   suir fundo chato, calando apenas 7Sem, era caracteristica
             peça digna de figurar em qualquer museu naval do Mundo   da maior importãncia para lhe permitn navegar na humida-
             da sua total destruição. Na ocasião não podia imaginar-  de, como se diz em giria naval. Enquanto o artifice condutor
             já lá vai um quarto de século - que, um dia, viria a prestar   de máquinas fazia as últimas afinações da máquina a vapor.
             serviço no Museu de Marinha e , portanto, participar na sal'   responsável  pelo  movimento da grande roda  propulsora
             vaguarda do património do nosso pafs, tão delapidado pe-  que se situava à popa. eu imaginava o que iria ser o contac·
             los homens e pelo tempo.                           to com as populações. a vista da exuberante floresta tropI-
               Encontrava-me então em Moçambique, onde desempe-  cal com as suas árvores milenárias e. especialmente, a emo-
             nhava  as  funções  de comandante  da  lancha-canhoneira   ção de ver a massa enorme de um elefante ou ouvir o rugido
             uTete», em acumulação com o cargo de capitão do porto de   deumleilio.
             Chinde, pequena vila banhada por um dos muitos braços do   O periodo em que devia ser feita a viagem unha de ser
             enorme delta que leva as águas do rio Zambeze ao oceano   ponderadamente escolhido. A construção de Cabora-8assa
             Índico. Desse delta, a barra do Chinde era a Unica que per·   amda se discutia e a de Kariba. apesar de ter a inauguração
             mitia a  entrada de navios de certo porte, apesar dos movi-  para breve. ainda não interferia com as cheias do Zambeze.
             mentos caprichosos das areias constantemente alterarem   Nesses tempos. era necessârio elaborar um gráfico, que se
             o canal de entrada no porto. O Chinde tinha tido uma certa   mantinha dia a  dia actualizado, com a  altura do rio em vá-
             importância no principio deste século,  quando era passa·   rios pontos do percurso. para se saber quando a  cheia co-
             gem obrigatória para o hinterland. especialmente para a vi·   meçava a  decrescer. Este facto era Sinal evidente de que a
             zinha colónia da Niassalãndia, através do rio Chire, afluente   força da corrente também começava a diminuu. permitindo
             do Zambeze. Com o advento de outras linhas de comunica·   que  a  . Tete •.  apesar  da  sua  fraca  velocidade,  pudesse
             ção, o Chinde passou a ser, simplesmente, um estaleiro de   aventurar-se a  avançar  e.  especialmente.  resistir  ii.  força
             manutenção da frota de lanchas da Sena Sugar States que   das éguas na garganta da Lupata, a  mais dificil de vencer.
             transportava o açUcar, das fabricas do Luabo e Marromeu.   Não se podia retardar o  perlodo da viagem porque, no re·
             até ao seu embarque em navios oceánicos que o  levavam   gresso, o rio poderia já não ter fundo nas zonas da sua maior
             até longinquos desunos.                            largueza.
                A mais importante missão do comandante da _Tete.  era   A  navegação era  feita exclUSIVamente  durante o  dia,
             uma longa viagem, longa em tempo. pois durava mais de   poiS o rio, dadas as suas características, não era susceptivel
             um mês. Para além da fiscalização do rio e vistona de inú'   de ser balizado com luzes, enquanto não fosse devidamen·
             meras embarcações. essa viagem tinha como principal ob·   te regularizado. O Franque Sacutamba era o piloto. Figura
             jectivo mostrar a bandeira nacional às populações que habi·   imponente de negro com muito sangue árabe. sabia do rio
             tavam as margens do Zambeze até um pouco mais a  mono   todos os segredos. Conhecia as curvas. os melhores locais
             tante de Tete. a partir de onde já não era possivel navegar.   de atracaçào. e.  acima de tudo. olhando para a  superfície
             e no ChITe até à fronteira.                        parada das âguas. pressentia os canais por onde a  lancha
                E agradável recordar o  entusiasmo com que assistia à   poderia prosseguir sem encalhar. 8aseava a sua almeia na
             preparação da canhoneira. cuja pomposa designação provi-  observação de movimentos quase imperceptiveis da água,
             nha da sua artilharia principal. constituida por duas relu-  o que o levava, por vezes, a governar a rumos perpendicula·
             zentas peças Hotchkiss de 47 mm, que só podiam fazer fogo   res à margem. como que a percorrer um complicado labirin·
             com risco de rebentar. Apesar da velocidade mâxlma deste   to de que nôs não nos apercebiamos, mas que eXlstia. e de
             velho navio de guerra ser apenas de S nós, o facto de pos-  que s6 ele conhecia a  saida. E se um comandante. novato

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