Page 166 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DE MARlNHEIROS
83-A Ilha da Salamandra
uma ida da "Sagres» velha a o oficial encarregado da pilota- trajectória estimada da singradura,
Inglaterra, pelos princípios da gem, jovem tenente, era dos que não desenhou a lápis, com o maior deta-
Ndécada de 30, com aspirantes deixava passar oportunidade que se lhe, os contornos caprichosos de
em viagem de instrução, sucedeu lhe afigurasse propícia à montagem uma pequena ilha. Não faltava o rele-
que um vento ponteiro do Norte obri- das clássicas partidas de bordo, tan- vo orográfico dos montes, nem a
gou o navio a fazer um bordo bastan- to mais dispondo, como era o caso, abertura acolhedora das enseadas
te profundo nas águas atlânticas. de n6veis aspirantes inexperientes, abrigadas. E mais: traçara, ainda, os
Tão profundo que o navio iria ultra- aclimatando-se, ainda, aos primeiros sectores luminosos de dois faróis,
passar, numa determinada noite, os embarques. que a leste e a oeste se erguiam no
limites da carta de navegação exis- Na margem branca da carta geo- horizonte, na denúncia de riscos à
tenteabordo. gráfica, até aonde prolongara já a navegação incauta. Em letra maiús-
cula, bem desenhada, abrangendo
toda a largura do desenho, lia-se
"Ilha da Salamandra» . E feitos estes
preparativos foi-se deitar, não sem
antes recomendar ao pessoal de
quarto que o chamassem antes do
quarto de alva.
Uma vez a pé, de novo, dirigiu-se
para a casa de pilotagem, para onde
convocou os dois aspirantes escala-
dos para serviço no castelo da proa.
Esclareceu-os, com detalhe, quanto
à falta da carta com a zona allântica
em que navegavam, razão da ilha
que desenhara na margem, baseado
nos elementos que extraíra do " Pi-
lo!».
Tratava-se de uma ilha de forma-
ção relativamente recente, que aflo-
rara de repente à superfície do mar.
Cientistas de todo o mundo vinham-
-se debruçando sobre o fenómeno. E
embora a ilha, naturalmente desabi-
tada, se situasse fora das linhas
usuais da navegação, houve que as-
sinalá-Ia, nas extremidades, com
dois faróis, na prevenção cautelar
dos perigos evidentes que apresen-
tava. Anotou, no entanto, que locali-
zando-se a ilha numa área atlântica
com um microclima «sui generis» du-
rante a noite, a densidade atmosféri-
ca existente não era permeável à
propagação da luz normal. Houve,
por isso, que dotar os faróis - cuja
localização, sectores e alcances as-
sinalou -, com luz negra, único re-
curso susceptível de vencer a dificul-
dade. Não se preocupassem, contu-
do. Na escuridão da noite, os raios
de luz negra eram perfeitamente visí-
veis, pois de tão densos se individua-
lizavam em pinceladas periódicas
sobre o mar.
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