Page 304 - Revista da Armada
P. 304
A NAU,
"e NOS
A «Nau de Pedra» (composição do cap.-m.-g. Sousa
Machado com fala de Rui Salta).
á dias, atravessando rua da Baixa, ouvi dizer um tempo o que somos e o que herdámos dos nossos maio-
cidadâo para outro: «Eu sou beirão! .. Punha na res. Sem preju izo de podermos ser mais europeus, escu-
Hvoz certa ênfase, certo orgulho. E pela maneira de samos de deixar de ser tão portugueses, como mais sós,
pronunciar o " SOU» bem se via que era. É curioso que ou menos sós, orgulhosamente temos sido. Buscar raí-
grande maioria de residentes nesta urbe número um do zes, conhecê-las, ter maior consciência dos lugares, dos
rectângulo continental não enjeita raízes da terrinha bem acontecimentos, do que foi a história dos espaços que
mais pobre, de lugarejo sem representação no mapa es- nos tocam, só pode valorizar aquele sentimento de orgu-
colar, quanto mais não fosse, por pintinha dotamanho de lho sadio de não se ser anónimo nem amorfo entre os
borradela de mosca. Mas dessa terra sem direito a pin!i- demais.
nha no mapa, e de toponímica ignorada por cartógrafo, Vem este alinhar de ideias que podia estender-se
ele, seu filho, preza-a profundamente, não lhe regatean- mais longe, mas talvez chegue, e não enfade tanto, só
do pergaminho de qualquer excelência: ou já regista foral assim - a propósito de uma história que está por contar,
do tempo dos afonsinos, ou por lá houve histórias com e merece, como todas as histórias ricas de conteúdo, de
mouras encantadas, ou tem, pelo menos, um briol de se sabor, de pitoresco, até de drama! - que seja divulgada:
lhe tirar o chapéu. a história da NAU DE PEDRA.
Saber da história - ou das estórias como chamam os Não há, cremos, quem não ligue o sintagma, um tan-
brasileiros a ocorrências de menor pompa - da vila ou to ambíguo, à sua verdadeira natureza. " Nau de Pedra»
da aldeia onde gatinhámos e andámos aos ninhos, é é mesmo aquele imóvel pombalino donde se rege a Mari-
sempre gratificante, mesmo para aqueles que não sai- nha. Tão imóvel, que não balança, não garra, não enca-
bam exactamente o que esta palavra quer dizer. Ser da lha, aguenta os maus tempos, até os terramotos e os in-
terra do Malhadinhas, ou do Vasco da Gama, do melhor cêndios, mas onde a mão do homem tem feito interven-
azeite, das moças mais bonitas ou do rancho folclórico ções profundas. Não sou, eu próprio muito velho, e já o
mais castiço, é guardado com reverência e proferido com conheci tão diferente! Imóvel e local, pedras e espaços,
emoção. tercenas e arsenais, incêndios e águas santas, passado
Até os nossos manos transatlãnticos com cepa enrai- e presente, há tanta coisa ali para contar, e tão interes-
zada por cá não deixam de a ir ver, e dela querer saber, sante de ser conhecida, que um livro só nem esgotará as
quando escapadela possível os traz até às latitudes vivências por que passou.
lusas. Saber do passado que nos toca, de alguma manei- Pois bem, este livro nem é preciso fazê-lo: já está fei-
ra, é sentimento que anda de parelha com o orgulho da to. Em bruto, ainda. Em papel vulgar A4, com fotocópias
individualidade. de gravuras, mas de conteúdo acabado. Só requer inte-
Numa época onde a esperança de melhores dias que resse, e trabalho de edição. Estamos absolutamente à
por aí corre, e se apregoa, a par de desejável, não deixa vontade para aqui trazer esta notícia, pois nada temos a
de lecer certas malhas que puxam fortemente para o fun- ver com tal livro, a não ser, acidentalmente, haver conhe-
dão do homem comum europeu, tonificar aquele pendor cimento do original na secretaria da "Revista da Arma-
de individualidade só pode robustecer e prolongar pelo da». Recente viagem ao Brasil - prémio de concurso
14