Page 379 - Revista da Armada
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Pillement
Q uem visitar o sumptuoso Palácio Nacional da
Ajuda depara, em uma das suas muitas salas. com
um conjunto de cadeiras, cujos encostos estão
decorados com pinturas a óleo representando marinhas.
Além da sua beleza, estas peças de mobiliário pos-
suem o particular interesse de terem guarnecido os apo-
sentos reais da nau «Rainha de Portugal» em que D. Ma-
rial e o príncipe regente D.João seguiram para o Brasil.
São 14 as marinhas e o seu autor é Jean Pillement
(1728-1803), um famoso artista de nacionalidade francesa
que foi pintor do rei da Polónia, de Maria Antonieta, tra-
balhou como desenhador na célebre manufactura de ta-
peçarias Gobelins e que além disto foi também viajante
incansável por terras de Inglaterra. da Alemanha e de
Portugal. No nosso país esteve três vezes: entre 1766 e
1797, segundo aopinião de Vilkmar Machado. Uma das cadeiras de Piflement, conhecidas por este nome por serem de·
Em Portugal, Pillement deixou um património consi- coradas com marinhas daquele pintor. Tanto estas como o canapi, que
derável que se encontra em museus e colecções particula- tambtm reproduzimos, guarneceram os aposentos reais da nau «Rainha
res, constituído por obras a óleo, pastel, guache e agua- de Portugal», em que D. Maria I e o prlncifH! regente D. João seguiram
para o 8rruil. Actua/men/e pertencem ao Palácio Nacional da Ajuda
rela. (falo de Reinaldo Carvalho).
É curioso referir um anúncio publicado na «Gazeta de
Lisboa» de 28 de Novembro de 1786, que levou alguns
biógrafos do pintor a admitir que este deixou o nosso país
naquele ano. De facto lê-se no anúncio que PilIement está
de abalada e, por isso, achando-se com alguns prémios
pertencentes à sua lotaria de pinturas feita em 15 de Agosto
deste ano, os quais não foram reclamados, adverte que na
casa da Praça dos Comerciantes, em poder de Thomaz
Wardington, se acha a relação impressa, para que verifi-
cando-se a quem pertencer qual dos referidos prémios, lhe
possa ser entregue imediatamente. Pedro Vitorino, num
pequeno folheto sobre o pintor, reproduz um bilhete
da referida lotaria, onde se verifica que o seu custo era
6400 réis o que constituía uma quantia elevada para a
época(').
Canapi para quatro pessoas, decorado com oU/ras tantas marinhas de
Merece a pena deter-nos um pouco defronte das mari- Pilfement. Observar que os encostos individuais eSldo separados por uma
nhas que viajaram com o futuro D.JoãoVI, para.apre- 6ncora (falO de Reinado Carvalho).
ciarmos a excepcional beleza que o pintor lhes soube im-
admirar. A nau que chega e as pessoas em terra que ansio-
primir, o que aliás é caracteristica de toda a sua obra. Pil-
lement distinguiu-se fundamentalmente na paisagem, sa- samente esperam o pai, o filho ou o marido há longos anos
ausentes; a galeota que deixa o barracão onde estava
bendo imprimir ao traço uma finura, um detalhe e um co-
guardada e é agora posta na água arrastada pelos tripulan-
lorido que dão enorme vigor às obras que dele conhece-
, mos. Foi já considerado o maior paisagista do seéulo tes; a rede que se lança na habitual faina de pesca; um
bote que varado em terra é cuidadosamente reparado:
XVIII, e nas marinhas há quem o coloque ao nível de Ver-
Mas, além de tudo, é o vaivém das pequenãs embarcações
net, esse notável pintor dos portos de França, cujos qua-
dros embelezam as salas do Museu de Marinha de Paris. que se cruzam defronte dos nossos olhos, exibindo as tão
bem lançadas velas de bastardo que, infelizmente, já de·
Quando olhamos para estes belos documentos que
sapareceram dos nossos rios.
Pil1ement nos deixou, não identificamos os lugares - al-
Por tudo isto, aconselhamos o leitor que gosta de bar-
gures no Tejo- que lhe serviram de modelo. Mas delicia- cos ou de pintura, a ir admirar as famosas cadeiras de Pil-
mo-nos com a profusão de navios que enchem o porto e
lement, que se encontram no Palácio da Ajuda, a cuja di-
que constituiu um notável espectáculo que merece a pena
recção agradecemos as facilidades concedidas, que per-
mitiram ao autor escrever este pequeno apontamento
e a Reinaldo Carvalho fazer as fotografias que apresen-
(0) Na foi/a de melhor, recorremos d " His/ória de Ponu.gal~, de Oli·
tamos.
yeira Marques. Faundo a m~dia dos preços do auite, trigo earroz, 64()()
r~is de 1786 correspondem a cerca de 9(){)()$OOa"uais. No entanlO, se for-
mos para o padráo ouro o bilhe/e da lo/aria cUJlOria hoje mais do que A. ESlácio dos Reis,
/rtsdeunasdecontos. cap.-rn.-g.
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