Page 94 - Revista da Armada
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No entanto, para não ferir susceptibilidades, o acto de   abastecimentos para 88 tropas desembarcadas, ao longo da
            rendição, a bordo do navio-chefe russo, deveria ter lugar na   costa.
            presença de um oficial mais graduado que os delegados,   Na manhã de 21 de Agoato, quando se travou no Vimei-
            tendo sido nomeado para o efeito o contra-almirante Tyler,   ro a batalha decisiva da campanha, 4000 soldados de infan-
            o oficial mais antigo da esquadra inglesa, depois de Cotton.   taria foram desembarcados justamente a tempo de partici-
               Seguidamente, os dois almirantes chefes das esquadras   par e assegurar a vitória.
            reuniram-se,  num  gesto de  boa von tade  e  compreensAo   Embora sem possibilidade de atacar a  esquadra russa
            mutua.                                             no Tejo, o almirante Cotton conseguiu, todavia, estimulan-
              A convenção, já depois de ter sido remetida para Ingla-  do e ajudando o levantamento da população contra os inva-
            terra por mão do comandante Halsted, veio a  ser alt erada,   sores franceses e cooperando com Wellesley na tomada de
            três dias depois da ratificação, em virtude de Siniavin ter so-  Lisboa, que os navios inimigos acabassem por lhe cair nas
            licitado que lhe fossem adicionados dois artigos, o que foi   mlos.
            aceite por Cotton sem objecções:                      Sem a participação activa da sua esquadra, a  tarefa de
              1.° -  Que as bandeiras russas não seriam arriadas em   Wellesley teria sido infinitamente mais dificil, e a esquadra
            nenhum navio até que o almirante e os seus comandantes   russa teria podido escapar-se do Tejo e seguir para o Báltico
            tivessem deilr:ado as suas unidades.               para tomar parte nas operações navais contra a Suécia, alia-
              2.° -  Quando os navios fossem devolvidos ao governo   da da Grã-Bretanha.
            russo, estivessem mantidos no mesmo estado em que eram   Obviamente, Junot, sam apoio naval, ficara à mercê da
            entregues.                                         marinha britânica e, apesar das tentativas que fez para or-
              Pediu ainda que dois dos seus navios permanecessem   ganizar uma esquadra que contrariasse o seu dominio em
            no porto de Lisboa para reparações, visto não estarem em   águas portuguesas, na realidade, quando o seu exército foi
            condições de sair parao mar, sendo as guarnições distribul-  evacuado de Lisboa, apenas dispunha de um navio de linha
            das pelos que seguiam.                             em condições de se fazer ao mar.
              Em Setembro, Cotton tomou posse de 21  navios portu-  O almirante Siniavin. pelo contrério, tivera vérias opor-
            gueses, nas mãos dos franceses, a fim de serem entregues   tunidades para usar o poder da sua esquadra e forçar a sai-
            a Portugal. A esquadra russa saiu para o mar, juntado·se à   da do porto. Por diversas vezes teve superioridade numéri'
            inglesa que, constituida pelos navios de linha cBarfleuu,   ca relativamente aos ingleses que o bloqueavam, e em mais
            cHerculesl,  lConquerOIl,  CEliz.abethl,  l Donegab,  cAl-  do que uma ocasião a esquadra de Cotton teve de abando-
            fre<h,  IRuby.  e  cCrococlile. e  sob o comando de Tyler, se-  nar a posição devido ao mau tempo. No entanto, oalmirante
            guiu para Inglaterra. Dos navios russos, o  I S. Rafael.  e  o   russo manteve-se sempre inactivo, na esperança de que os
            . Jaroslavl  ficaram no Tejo em virtude das más condições   ingleses, uma vez obtido o controlo sobre os fortes da entra-
            de navegabilidade.                                 da do porto, nAo deixariam de reconhecer a sua atitude de
              Cotton permaneceu em Lisboa por mais algum tempo   neutralidade.
            para regularizar a situação militar.                  Sem duvida que a antipatia de Siniavin pelos franceses
              Duas  semanas  depois  das  esquadras  terem  largado   e as suas relações cordiais com os ingleses influenciaram o
            para a  Grã·Bretanha, Cotton recebeu um oficio dos lordes   seu comportamento, embora dificilmente possam conside-
            do  Almitantado,  expressando  a  sua  inteira aprovação  e   rar-se justificação para o não cumprimento das ordens que
            agrado pelo zelo, vigillncia e discrição por ele manifestados   recebera.
            durante a missão na costa de Portugal. No entanto, em ofi-  Ele jogou com a boa vontade britAnica e com o efeito per-
            cio posterior, os mesmoslamentalam que os navios russos   suasivo do poder da sua esquadra para escapar da posição
            tivessem largado sem serem desarmados. Cotton explicou   dificil em que se encontrava, por se ver arrastado para a
            então que actuara assim, unicamente pelo desejo de não fe-  rendição e para adesorua.
            riro alto sentido de honra manifestado pelo almirante Sinia-  Num balanço final da actuação dos vérios participantes
            ""'.                                               nas operações, Cotton surge como o Unico comandante que
              Quando os navios fundearam em Spithead, Tyler rece-  a elas sobreviveu sem mancha. Siniavin, Junot e os trêa ge-
            beu ordem para informar o almirante russo de que deveria   nerais ingleses, Wellesley, Bunard e DalJymple, todos eles
            arriar a bandeira nacional dos seus navios, não voltando a   sofreram, em vérios graus, as consequências da sua actua-
            ser Içada.  Porém,  em  atitude  conciliatória,  foram  dadas   ção(O).
            também instruções para que as bandeiras não fossem subs-  No entanto, a caneira e  os êxitos de Cotton parecem ter
            tituidas pelas cores britlnicas e  que os comandantes pu-  sido esquecidos ou, pelo menos, minimizados, em compara-
            dessem desembarcar e  permanecer em liberdade até re-  ção com os de alguns ilustres contemporlneos seus, como
            gressarem" Rússia.                                 Jervis,  Collingwood,  Saumarez,  Smith  e,  evidentemente,
              As guarnições russas foram repatriadas com brevidade,   Nelson.
            mas os navios ficaram em Spithead até 1812, data em que   Não se travaram batalhas navais com a  sua Red Squa-
            a Inglaterra e  a Rússia restabeleceram uma aliança contra   dron, mas as operações que levou a cabo, com sucesso, evi-
            Napolelo.                                          denciaram a força e a versatilidade dopodermarltimo britA-
                                                               nico durante o periodo napoleónico.
                                   *                              Foi a partir do mar que a Inglatena desencadeou a pri-
              Depois de e:lpOstos os factos relacionados com esta cri-  meira ofensiva na Península Ibérica e foi, sem duvida, gra-
            se naval anglo-russa, pôde constatar-se que foi de choque   ças ao seu poder marltimo, que as operações terrestres do
            a reacção provocada em S. Petersburgo e em Paris pela eva-  duque de Wellington  puderam  ser ree.li2:adas  com  êxito,
            cuaçAo do exército francês e pela rendiçAo da esquadra rus-  culminando com a  reconquista da Península, a  invasão da
            sa, pois nem Napoleão, nem Alexandre I, tinham previsto   França e o colapso do Império de Napoleão, seis anos mais
            tal insucesso.                                     talde.
              Toma-se evidente que o  poder mar:ltimo foi  um factor                JoslI Agostinho da Sousa Msndss,
            decisivo no êxito da Inglaterra. A  esquadra de Cotton con-                                  cap.-m . .".
            seguiu, em momento critico, nlo apenas evitai a captura da
                                                                  (0) OuapdoogovemobrithúcosoubtildOSdetalbe6de Conven-
            familia real e da esquadra portuguesa que a acompanhava,   çlo de Sintre, enviou in8truç.c5e8 para o imediato regre6so de WaJ-
            como também bloquear no Tejo, dwante 10 meses, uma p0-  Je6Jey, BWTtUd e Da1rymple, e fim deCODJpar9CfK8JZJp4Jr8nte um Ui-
            derosa esquadra russa.  Constituiu  ainda  um importante   bunaJ de inqutlriro que veio II reunir-6ell 14 de Novembro de 1808,
            apoio moral para os portugueses.                   no Cb818ea  College,  pare sven'gullT e conduta e o procedimento
              Com o exército francês isolado e  altamente vulneravel,   destes oBdais gsnerais.
            a  marinha britAnica levou a  cabo uma operação extraordi-
                                                                  N. A. -Agrad8C8-sell co/abarllflo dos comandantes Azevedo
            nariamente  complexa,  coordenando  o  desembarque  e   e Pinho e Soutoe Moura que fizeram a traduç40 do artigo .. Portugal
            apoiando 88 forças de Wellesley, Spencer e Moore.   and Lhe  Anglo-Russian Navel Crisis ..  (1808),  de Donald D.  Hor-
              Durante o  avanço de Wellesley sobre Lisboa,  a  Royal   ward, publicado no _Naval War College Review .. , que, em parte,
            Navy deu escolta a08 navios mercantes que transportavam   6erviu dflbasefl este artigo.
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