Page 97 - Revista da Armada
P. 97
As primeiras nomeações de capitães-de-mar-e-guerra tos e correntes e das precauções a tomar com mau tempo
devem ter sido feitas no reinado de D. João IV. Segundo e água aberta (').
documentos arquivados no Arquivo Histórico Militar fo- O primeiro regimento do capitão-de-mar-e-guerra foi
ram nomeados, em 1641, capitães-de-mar-e-guerra para publicado em 31 de Março de 1722 e nele há 43 capítulos
comandar os navios da esquadra do general-do-mar An- que tratam expressamente dos seus deveres e funções.
tónio Teles de Meneses que fora armada naquele ano São de salientar o capítulo 1.° que determina que «o capi-
para combater os espanhóis. tão-de-mar-e-guerra fará pontualmente no navio que
Um dos oficiais nomeados foi Miguel de Cabedo, di- mandar a justiça e boa ordem que S. M. ordena. sem dela
zendo-se na respectiva carta-patente que o rei esperava se apartar por qualquer cousa ou pretexto» e o capítulo
que serviria com toda a satisfação, tendo em vista os seus 20. que o manda «fazer um jornal da sua derrota, mar-
u
conhecimentos, experiência e serviços feitos nas armadas car a carta, estimar o caminho, examinar todos os dias os
da Coroa e no Estado do Brasil. A nomeação era só por pontos dos pilptos. ouvir as suas razões e tomar a decisão
um ano, teria «o soldo que lhe pertencia e gozaria de to- que for mais conveniente,. (').
dos os privilégios, isenções e franquesas que directamente Curiosamente, no século XVIII havia nos navios um
lhe tocassem e que gozavam os demaiscapitães-de-mar-e- segundo capitão-de-mar-e-guerra, cujo regimento foi pu-
-guerra. devendo estar sempre pronto para embarcar blicado em 24 de Abril de 1736, e tinha 22 capitulas. Fazia
quando lhe fosse ordenado». Os oficiais, soldados, mes- o quarto como costumava fazer qualquer capitão-tenen-
tre, piloto, marinheiros e mais pessoal que embarcassem te, tanto de dja como de noite. Durante este fazia uma
deviam obedecer-lhe e cumprir as suas ordens (2). Outras ronda acompanhado por um sargento, um condestável e
nomeações de capitães-de-mar-e-guerra foram feitas na um cabo-de-esquadra que levava um lampião. Não podia
mesma altura, nomeadamente as de Nuno Gonçalves de mudar de rumo ou virar de bordo sem ordem do coman-
Faria e Manuel de Sousa Pacheco, fidalgos da Casa Real, dante e antes de o fazer devia informar o piloto que esti-
e de João de Babilãoe Rui de Brito Falcão. vesse de quarto e o mestre. Este dirigia as manobras por
António de Couto Castelo-Branco no seu livro .. Me- sinais de apito «para evitar gritos e ruídos que ordinaria-
mórias Militares», escrito em 1707, também indica que na mente causam confusão». O segundo capitão-de-mar-e-
Marinha havia o posto de capitão-de-mar-e-guerra, o -guerra devia fazer um jornal exacto do decurso da via-
qual mandava em tudo, como o governador duma praça. gem. da sua derrota, marcar a carta, tomar a altura do Sol
Devia ser pessoa de experiência, robusto, sofredor de tra-I e estimar o caminho feito pela nau (&).
balho, afável, vigilante, e procurar que se cumprissem as O posto de capitão-de-mar-e-guerra foi mantido com
suas ordens com respeito. Devia saber marcar o Sol ao esta denominação até à actualidade. De referir que nas
pôr e ao nascer para conhecer a variação da agulha, e ao marinhas estrangeiras o posto correspondente é designa-
meio-dia para se saber a altura em que se elevava, e tam- do por capitão-de-navio ou simplesmente por capitão
bém «arrumar» as estrelas para o mesmo efeito e para sa- (captain).
ber as horas para fazer na devida altura o bordo do mar
ou da terra. Devia conhecer os ventos e correntes de água
e os sinais de mau tempo para se prevenir contra os tem-
porais, a conta da Lua e as marés e a costa para entrar n09
portos a tempo. Também devia conhecer o curso do Sol
e a sua maior declinação e outras noções de astronomia;
remediar a falta de um mastro, do leme e outras avarias.
Antes de partir de um porto devia passar mostra ao pes-
soal e reparti-lo pelos postos e, em caso de avistamento
de um navio, safar a nau para combate e manobrá-Ia para
ganhar barlavento(l).
Num curioso códice do século XVIII existente na Bi-
blioteca Geral da Universidade de Coimbra indicam-se
também as qualidades que devia ter um bom soldado para
ser bom capitão-de-mar-e-guerra. Para além das qualida-
des já referidas por António de Couto Castelo-Branco.
devia ser liberal e sobretudo bom cristão. Este códice que
deve ser posterior ao livro daquele oficial, indica também Henrique Afexandreda Fonseca,
os conhecimentos que o capitão-de-mar-e-guerra devia cap.-m.·,.
ter sobre construção naval, o navio, artilharia e navega-
ção. Relativamente a esta última devia saber tomar a altu- (') C6dict! II." 235 bis da Biblioltcll Gtral da Univtrsidadt dt Caim·
ra do Sol com o astrolábio, balestilha e quadrante. calcu- bra.
(') Códict! 11." 185 da ColtcÇlJo Pombalina. da Mcrda dt Rturvados
lar a variação da agulha pela marcação do Sol ao nascer
da Biblialecll Naciollal.
e pôr, reconhecer as estrelas e ter conhecimento dos ven- (' )Idtm, ibidt!m.
(') A cópia do docl/menlo ts/d orqlli~lldllllll Bobliolecll Ctlllral dll N. R. - Sobrt os ulliformts dt capildts·dt!-mar-t!-gut!rra, vidt «Rt-
Marinhll. vis/ada Armadll_ II. G 108/Stl. dt! 19lJ().
(') Bo/trim doArqui~o Hislórico MUi/ar. Ilno dt 1940.
(') . Mtmórias MiIi/ara., /rarada 14.·. Dos poslOS que há no mar
esuasobrigaç6es. • •••••••••••••••••••••••••••••
23