Page 237 - Revista da Armada
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Santa Catarina, padroeira
dos marítimos das Descobertas
s marítimos das Descobertas, mergulhados numa
religiosidade profundamente mítica, veneravam
o com especial ênfase alguns santos padroeiros. Va-
mos tentar demonstrar que um deles foi Santa Catarina
do Monte Sinai (ou de Alexandria) e que o seu culto marí-
timo (não mencionado na hagiografia conhecida) vigo-
• rou, pelo menos, até ao século XVI dando origem a vários
hagiotopónimos como os «Altos (ou Montes) de Santa
Catarina» situados nas barras dos principais portos. Se-
gundo a lenda, a santa foi martirizada em Alexandria no
século IV por ter discutido com o imperador Maximino
e os sábios imperiais e está sepultada no Monte Sinai , a
«fortaleza de Deus» no deserto; por esse motivo foi tam-
bém padroeira dos livreiros, dos estudantes, dos filóso-
fos, da Universidade de Teologia de Paris e até dos arti-
lheiros e dos combatentes.
Navegar em frágeis embarcações num mar povoado
de perigos, reais ou imaginários, constituía uma aventura
de resultados imprevisíveis. Para esconjurar o medo de-
senvolveram-se ao longo do tempo cultos e rituais propi-
ciatóriosdestinados a assegurar a protecção divina por to-
das as vias possíveis. Uma delas consistiu em sacralizar,
através de templos marianos (Senhoras da Guia, da Aju-
da, da Luz, etc.) ou dedicados a alguns santos, os montes
mais altos da orla costeira, que serviam de «guia» e «aju-
da» aos navegantes e constituíam, no início da viagem, a
derradeira ligação visual a terra (os Gregos e os Romanos
chamavam Promonlorium Saemm ao cabo de S. Vicente
- os portugueses das Descobertas sacralizaram todos os
promontórios e montes litorâneos). No regresso, o avista-
menta, na indecisa linha divisória entre mar e terra , do
primeiro alio coroado por uma ermida, penhor visível da
protecção divina, prenunciava o fim da tormenta e a pro-
ximidade do aconchego fami liar. Mas fa ltava ainda entrar
a barra, manobra especialmente arriscada no tempo da
navegação à vela - era essa a função de Santa Catarina
doMonteSinai.
Em carta de8 de Outubro de 1395 o rei D. João I doou
aos marinheiros do Porto um pardieiro num morro em
Lordelo, junto à foz do Douro, para construírem uma
igreja em honra de Santa Catarina como era acostumado
haver lia maior parle dos bOlls portos de mare). A igreja
(ou simples ermida) teve os nomes de Santa Catarina de
Ribamar ou do Monte Sinai e ainda hoje está num local
(já no século XVI chamado Monte de Santa Catarina)
que lhe confere a missão de balizar a entrada da barra.
Mais a jusante, em S. João da Foz, havia pelo menos no
s€-culo XVI outra ermida de Santa Catarina com uma ir-
mandade de marítimos e). A montante, nos arrabaldes
(') J. Silm Marques, • Des(Obr;melllOS Portugueses.. sI/pi. Vai. f.
Usboo, /944, pp. n t' 453: Am6/Jio Cruz . .. O POrlO nas Naw'gaçi)es I'
nu EXf,(lrUão. , 3a. cd .. Lisboa, 1983. p. 4fJ,
( ) João de Burros, «Geografia dI! EII/re Douro (' Minho e Trás-os·
Sama Catarinu (Quadro do pinlor quilrlremis/IJ AnHlIrio Vaz _ Museu
-Montes., POrlo,/9/9.p. 4/. AlberloSampaio. Gllimaràf'S).
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