Page 293 - Revista da Armada
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• Nota de Abertura
Marinha de sempre
alvez seja um título demasiadamen- E, sucedeu o que era de esperar. Lon-
te pomposo para uma pequena ge da vista, longe do coração, o povo de
T nota, na qual pretendemos apenas Lisboa que até aí conhecia os navios pelos
tecer algurilas ligeiras e vagas considera- seus nomes, que sabia os seus sucessos
ções sobre a Marinha antiga e a do nosso e desgraças, perdeu-lhes o rasto. Conti-
tempo. nua a gostar de os ver, porque a Marinha
Quando entrei para a Escola Naval. em e o mar lhes estão no sangue, mas não os
1931, lembro-me do misto de respeito, cu- distingue, parecem-lhe todos iguais!
riosidade e encantamento com que olha-
va para os navios amarrados a bóias no *
Tejo, ou fundeados aqui e além.
E não éramos só nós, futuros oficiais, Os navios são como as pessoas. Mor-
que nos regalávamos a observar a azáfa- rem só fisicamente. Das pessoas, fica a
ma de embarcações de todos os tipos, alma, que se diz ser imortal e, de algumas,
num. constante vaivém entre os navios e fica a história da sua vida, por excepcio-
terra. Eram. todos os marinheiros e era o nal. Dos navios, a alma morre com as suas
povo de Lisboa também. guarnições, mas fica a história, quando al-
Que bonito e movimentado era o Tejo guém a escreve .
. nesses tempos! Tão bonito e de águas tão Assim pensou o ilustre historiador na-
límpidas que até os alegres golfinhos vi- val comandante António Marques Espar-
nham do mar brincar nele. teiro, irúelizmente já falecido, ao dar à es-
Ao largo, a maciça e ameaçadora si- tampa a sua obra monumental «(Três Sé-
lhueta do cruzador «Vasco da Gama» im- culos no Mar» na qual em 29 volumes já
punha respeito. Estava já velho. no fim da publicados, historia a vida dos navios da
sua caneira. e breve desapareceria vendi- Armada portuguesa, no período que vem
do para a sucata. de 1640 até 1940.
Mais longe, no Mar da Palha, a silhue- Daí para cá, outro oficial, que também
ta elegante da última nau da Índia, a fra- há-de vir a ser reconhecido como ilustre,
gata «O. Fernando Ue Glória», a funcionar está a seguir-lhe as pisadas. A recolha de
como escola de artilharia. elementos que está a efectuar vai já em
Em frente do Terreiro do Paço, nas mais de três anos e espera-se que a sua
bóias, os navios de menos porte: torpe- publicação seja iniciada no próximo ano
deiros, contratorpedeiros, canhoneiras ... de 88.
a arraia miúda da esquadra, como nós di-
zíamos.
A evolução do material e as suas ne-
cessidades logísticas, levaram os navios
para a base do Alfeite, escondidos na
margem sul, fora das vistas da cidade. De
tudo, ficou apenas a imagem na memória
dos marinheiros que passaram já o teste-
munho a outros e a saudade de tempos
que não voltam.
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