Page 296 - Revista da Armada
P. 296

A situação em que se encontrava   fossem ficando para trás, danificados   vazias. Seguid~mente partiu para Lis-
           o Samorim era desesperada.  No ano   pelo  fogo  da  artilharia, os restantes,   boa onde chegou sem novidade com
           anterior tinha preparado uma grande   metendo-se  pelos  ângulos  mortos,   toda a sua armada, em Julho do ano
           armada  para  se  opor  aos  Portugue-  não  cessavam  de  lentar  abordar  a   seguinte. Em paga dos serviços pres-
           ses. Mas a maior parte dela tinha sido   nau.                        tados nesta e na viagem anterior, do
           destruída por um temporal ao findar   Felizmente,  ao  romper  do  dia,   qual O menos importante aos plhos do
           da . monçãolO.  Via agora a sua capital   avistou-se a esquadra de Vicente 50-  rei  não  seria  ter  trazido  a  Portugal
           arruinada por sucessivos bombardea-  dré, já relativamente perto, O que le-  treze naus carregadas de especiarias,
           mentos, as suas embarcações de pes-  vou os paraus a desistir do ataque e a   foi  Vasco da Gama feito conde da Vi-
           ca impossibilitadas de pescar e, o que   voltar para Calicute.       digueira e autorizado a  usar o título
           era mais grave, os seus portos parali-  Pode  imaginar-se o estado de es-  honorífico de «Almirante do Mar ln-
           sados.  Por outro lado, o povo já mur-  pírito de  Vasco  da  Gama depois de   dica».
            murava  e  mesmo alguns dos seus fa-  mais esta traição do Samorim.  Man·
            miliares  criticavam-no  abertamente   dou enforcar os reféns dele que tinha
            pela forma como tratara os Portugue-  a  bordo e  regressou  a Cochim  cada
           ses que, inicialmente, não lhe tinham   vez mais convencido de que s6 a ferro
           dado qualquer razão de queixa, antes   e fogo era possível tratar com os reis
           pelo contrário.                    da Índia e com os «mouroslO seus alia·
              Por  tudo  isso,  resolveu-se  o  Sa-  dos.
           morim a tentar, mais uma vez, entrar   Por seu  lado, o Samorim , vendo
           em negociações com Vasco da Gama,   que  não  tinha outro  remédio  senão
           fazendo-lhe,  por  intermédio  dum   continuar a guerra, mandou aprontar
           brâmane,  a  oferta  duma  grande   vinte e  nove  naus de «mouros .. , que
           quantidade  de  especiarias  como  in-  se encontravam  num porto próximo
           demnização pelo saque da  feitoria e   de Calicute, para atacar a armada de
           pela  morte  do  feitor  e seus compa-  Vasco da  Gama  no  regresso de Co-
           nheiros.  Vasco da Gama não confia-  chim,  pensando  que  as  nossas  naus
           va  no  Samorim. Mas a proposta era   depois  de  carregadas  teriam  maior
           tentadora. Além disso, estava sentin-  dificuldade  em  servirem·se  da  arti·
           do certa' dificuldade em obter a totali-  Iharia.
           dade das especiarias de que necessita-  Completado em Cochim o carre'
            va  para carregar  todas as  naus  com   gamento  de  dez  naus,  Vasco  da
           que  contava  regressar.  Resolveu   Gama dirigiu·se a Cananc r onde con·
            aceitar O reatamento das negociações   tava  arranjar carga  para as  três  que
           e dirigiu-se  com  uma nau para Cali-  faltavam. Nas proximidades de Cali-
           cute , contando que ali se encontraria   cute, estando já em companhia da es-
            Vicente  Sodré  com  a  sua  armada.   quadra de Vicente 5odré, saíram-lhe
            Mas não foi  isso que aconteceu por-  ao caminho as vinte e nove  naus que
            que aquele, por qualquer razão for-  o Samorim  mandara aprontar.  Mas,
            tuita,  tinha-se  afastado  temporaria-  pouco ou nada fizeram. Duas que vi·
            mente.  E  assim ,  viu-se  Vasco  da   nham  mais  adiantadas  foram  facil·
            Gama sozinho, fundeado  com  a sua   mente abordadas por três naus portu·
            nau diante de Calicute.           guesas. Os seus tripulantes lançaram·
               É posslvel que a intenção do Sa-  -se ao mar onde foram perseguidos pe-
            morim ao propor a reabertura das ne-  los  nossos  batéis que mataram  mais
            gociações  fosse  sincera.  Mas  agora,   de trezentos «mouros .. , à lançada. As
            vendo o  inimigo  praticamente à  sua   restantes,  vendo  o  que  acontecera
            mercê, achou que a oportunidade era   àquelas,  desistiram  de  continuar  o
            boa  demais  para ser desperdiçada!  E   ataque. E, como estavam a barlaven-
            nessa  mesma noite  mandou atacar a   to  da  armada  portuguesa,  não  tive-
            nau  portuguesa  por trinta e  três pa-  ram qualquer dificuldade em pôr·se a
            raus da sua armada. Aproximaram-se   salvo.  Aliás, é natural que tratando-
            eles tão silenciosamente que os vigias   -se de naus de particulares, possivel-
            só  os  sentiram  quando  já  estavam   mente algumas delas já com carga va·
            muito próximos.  Dado o alarme, vi-  liosa, não estivessem muito interessa·
            ram-se os portugueses em sérias difi-  das em correr grandes riscos somente
            culdades  para  repelir  os  assaltantes   para agradar ao Samorim.
                                                                                               Saturnillo Monteiro,
            que lentavam subir à nau por todos os   Depois  de  recolhido  o  despojo                    cap.-m.·g.
            lados.  Ao  mesmo  tempo,  Vasco  da   das duas naus capturadas, que foi ri-
            Gama mandou  picar a amarra e lar-  quíssimo, e de queimadas estas, Vas-  Bibliografia: .. Dl'5cobriml'nlQ e Corrquis/fl
            gar as  velas,  aproveitando  o  terreal  co da Gama continuou a sua  viagem   da  Irrdia pd05 Porwguf'5I'S.  dI'  Furráo LOfHs
                                                                                de Caslarrhl'da. "Décadas_ deJododf' BarraI.
            para se fazer ao largo. Mas os paraus   para Cananor onde carregou de espe-
            não desistiam  e embora alguns deles   ciarias as  três naus que ainda levava   ***********
            6
   291   292   293   294   295   296   297   298   299   300   301