Page 163 - Revista da Armada
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de vante, com tiros propositada· tripulações, atirando os barretes ao
mente curtos. ar, davam vivas ao Senhor Coman·
Uma das granadas dos mortei- dante João Pais.
ros chineses rebentou a 30 m do Por alguma razão lhe chama·
navio, caindo alguns estilhaços no vam o pai dos pescadores!
convés. É bom que se diga que, a Nunca na minha vida assisti a
partir de então, as autoridades chi· manifestação mais significativa e
nesas estabeleceram uma rota en· mais sincera! Bonito fim para uma
tre Macau e Hong·Kong, para ser longa viagem, que tão bem tinha
seguida à risca pelos nossos navios. decorrido ...
Duas ou três vezes que a rota não
foi cumprida as baterias chinesas Diz o CALM Joaquim José Go-
dispararam tiros de aviso, nunca mes e Trindade, na altwa lTEN e
tendo havido problemas. chefe do serviço de artilharia:
Fazendo escalas em Singapura, Tinha deixado a Aviação Naval,
Jacarta, Diego Soares, Moçambi· onde vivi momentos emocionantes,
que, Angola, S. Tomé, Cabo Verde e regressado à Marinha, calhando·
e Funchal, chegou ao Tejo em 28 de ·me embarcar no "Pedro Nunes)).
Setembro, entrando em reparaçOes. Nele fiz várias comissões de servi·
Em 28 de Janeiro de 1954, lar- ço, entre as quais uma viagem de
gou de Lisboa para a sua última instrução de guardas·marinhas do
comissão de serviço no Ultramar, curso ttO. João de Castron, de 21 de
visitando a (ndia portuguesa e Ma· Março a 15 de Outubro de 1947, CALM Nuno Teixeira de Ara-
cau, passando o Canal do Suez tan- num ambiente tão agradável que gão, na altura 2TEN, chefe do ser·
to à ida como à volta. Regressou a dificilmente se pOde apagar da viço de electricidade.
Lisboa, onde chegou em 28 de Maio minha memória. É sabido que entre os marinhei·
de 1955. Do muito que poderia dizer tos da Armada e os pescadores
Em 16 de Outubro passou a dessa viagem, escolhi, dadas as existe uma forte ligação afectiva,
navio-hidrográfico. restrições de espaço, apenas um respeitando·se mutuamente como
Nesta versão realizou importan· momento muito alto que mostra homens do mar.
tes trabalhos, sobretudo nas pro· bem a categoria do Homem que nos Não admira, pois, a curiosidade
víncias da Guiné e Cabo Verde até comandava - o CFR João Pais Bap- mútua pelas respectivas profissões
1976, ano em que passou ao esta· tista de Carvalho. - nós gostamos muito de tudo o
do de desarmamento, vindo a ser De regresso ao Continente, es· que respeita à pesca e eles sentem
abatido em 10 de Agosto de 1977. tivemos 6 dias em Viana do Caste- em nós uns amigos sempre prontos
Vendido em hasta pública, foi lo a representar a Armada nas a socorrê·los e a ajudá·los nas suas
arrematado, juntamente com a lan· festas de N. S.· da Agonia, escalan· dificuldades, aliás maiores do que
cha IICruzeiro do Su1), pela quantia do seguidamente os portos de Lei- as nossas em tempos normais. Daí,
de 2 540 000$00, pela firma Batista xões, Buarcos, Berlengas, Monte não ser de estranhar este depoi-
e Irmãos que o desmantelou para Gordo, Lagos e Cascais. mento do CALM Teixeira de Ara-
sucata, uma morte inglória para O ponto alto a que me referi. gão:
este «herói do marn que ostentou passou·se em Leixões. O coman· Na viagem de instrução já refe·
orgulhosamente a bandeira verde· dante João Pais era considerado um rida no episódio anterior, tive ense·
·rubra por mares e terras distantes, homem da Marinha do Norte, por jo de observar pessoalmente três
nacionais e estrangeiras. ter sido capitão dos portos do Dou· curiosas maneiras de pescar:
ro e Leixões vários anos, conquis·
* tando grande prestigio na região. 1.· - Fundeado no porto da
O que acaba de ser dito é, a Nos dois dias que ali permanece· Praia (capital de Cabo
traços largos, o que consta em mos foi um autêntico corropio de Verde, então ainda sem
documentos oficiais. Porém, a his- visitas a bordo, pessoas de todas as cais acostável).
tória deste navio, como a de qual· condições sociais que iam cumpri· Perto do navio, peso
quer outro, tem de ler-se também mentar o comandante. cadores em pequenas
nas entrelinhas, porque é ai que se Mas. o que se passou à saída, embarcações, mastiga-
desvenda a sua alma, a qual lhe é sem que a bordo houvesse conhe· vam pedaços de peixe
dada pelas suas guarnições. cimento prévio, foi espectacular. que cuspiam para a
Para a posteridade, aqui publi. Formando um canal para dar pas· água. Vêm outros à
camos as fotografias e os depoi· sagem ao navio, duas alas de trai- superfície comê-los e ...
mentos de alguns dos homens que neiras, todas as que havia em são apanhados à mão!
nele viveram bons e maus momen· estado de navegar e certamente 2. · - Fundeado algwes na
tos, saudando todos os outros ain· mais de uma centena, estendiam·se costa africana.
da vivos e recordando com saudade da entrada dos molhes pelo mar O pequeno projector
a memória dos que já deixaram este dentro, embandeiradas e apitando. que iluminava a escada
mundo. A medida que íamos passando as do portaló, fazia juntar
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