Page 271 - Revista da Armada
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cinco, e o tempo de projecção era ção, e mandei bobiná-los do fim pa- e escaler. Acrecentou que, sendo
de cerca de dez minutos cada um. ra o principio, aparação feita no eu primeiro-tenente já antigo e, por-
Para evitar frequentes repetições e maior segredo. Aproximando·se a tanto, o oficial mais «experiente",
a saturação do pessoal combinara hora do espectáculo, e como o co- iria no escaler e um dos segundos-
com o comandante que as sessões mandante ainda não safra, fui dizer· ·tenentes na haleeira. Retorqui·lhe
a bordo não teriam mais de cinco -lhe que tinha o gasolina ao portaló que, os experientes eram estes por-
filmes e que até à chegada à índia às suas ordens e que iniciaria o cio que já tinham feito desembarques
não haveria projecções. nema depois do seu desembarque. enquanto eu não fizera nenhum;
Esta combinação não foi cum- Respondeu·me que o convite fora em teoria eu seria «melhorn e nada
prida e logo nos primeiros dias de adiado, já jantara a bordo e que p0- tinha a objectar mas que lhe pedia
viagem, estando de oficial de quar- dia iniciar a projecção à hora previs- duas coisas - escollier eu a guar-
to, recebi ordem do comandante ta. Fiquei aflito pois não podia nição do escaler e fazer uns treinos
para preparar o primeiro programa; alterar o programa sem explicar ItOS de abicar à praia em Vasco da Ga·
dei as instruções necessárias e, aca- porquêsll e não havia tempo para ma, ao fundo da baía de Mormugão,
bada a sessão que teve um certo desbobinar e rebobinar os filmes. onde se fazia sentir bem a força da
êxito, o comandante determinou- Entretanto o comandant~ sentou·se ondula;Ao - no que fui prontamen-
-me que preparasse outro para a no seu lugar e, sem outra sa1da, te atendido.
próxima estadia no porto de La mandei iniciar a projecção. Expliquei à guarnição escollUda
Valete, na ilha de Malta. Escolhi, O primeiro filme, ao contrário o que esperava de todos e de cada
pelos titulas, quatro ou cinco filmes do habitual, começou a ser projec· um em especial e que iríamos abi-
por forma que os assuntos fossem tado com silêncio total da assistên· car à praia duas ou três vezes para
diversificados e lembro·me padei- cia, pois ninguém percebia o que que todos sentíssemos bem a difi-
tamente de que um tratava de hi- estava a acontece!. .. A verdade é culdade da missão. Depois do esca-
giene naval mas não fazia a mais que aquilo foi um sucesso porque ler se virar duas vezes e abicar à
pequena ideia do que se iria pro· o pessoal estava tão farto de ver es· praia de quilha para o ar dei os trei·
jectar. tes filmes projectados normalmen- nos por terminados, embora a guar-
No dia marcado para a sessão, te que achou graça vê·Jo agora nição me pedisse para repetir até
dois oficiais apareceram a bordo projectado ao contrário. O coman- abicarmos em condições. Expliquei
com duas bonitas raparigas que ti· dante, que não era para graças, s6 que era desnecessário porque to·
nham convidado para jantar e que me disse que eu tivera muita sorte dos tinham sentido a dificuldade de
depois assistiram ao cinema. A cer- por a malta ter gostado ... abicar com ondulação e que depois
ta altura inicia-se a projecção do filo tudo correria bem, como de facto
me sobre higiene naval, que * aconteceu.
começava por uma lavagem de den· *
tes e ... terminava uma revista sa- Dwante a estadia na índia, to-
nitária ... de martelinhos. Fez-se um dos os meses, excepto no auge da O Exército, como se sabe, tinha
grande silêncio mas as convidadas monção, um dos navios deslocava· na província vários milhares de ho-
não se desconcertaram e pareciam -se a Angediva para a rendição do mens pelo que era frequente re-
estar mais à vontade que nós. pessoal militar ali estacionado, cer· gressarem à Metrópole alguns
Depois da chegada à índia fez· ca de duas secções comandadas oficiais. Nós sabíamo--Io pelo jornal
·se cinema em várias unidades do por um aspirante. A operação con· local etO Heraldoll que anunciara ter
Exército em Goa e em Demão e Diu, sistia em levar e desembarcar um havido um almoço ou jantar de des·
aqui dedicado às populações. Na destacamento com todos os seus pedida ao oficial senhor fulano de
primeira sessão realizada em Da· pertences (armamento, mantimen- tal. Como nos navios geralmente só
mão, utilizou·se um barracão há tos, munições, o etmobiliário» do as· regressávamos nestes nunca tínha·
muito fora de uso, talvez um velho pirante, etc.) e em reembarcar e mos almoços de despedida, nem
cinema, repleto de teias de aranha. conduzir para Goa o outro destaca· notícias no jornal, propus aos ofi-
Pouco depois de iniciada, os assis· mento também com os seus perten· ciais do navio passarmos a fazer
tentes começaram a abandonar a ces que tinham levado menos,. semanalmente um almoço de ho-
sala e pouco depois teve que se in- evidentemente, os mantimentos. menagem a cada um com publica·
terromper o espectáculo. Verificou- Os desembarques e os embarques ção do elogio das suas qualidades
-se que o barracão estava infestado na praia eram comandados pelos no mesmo jornal, antes e depois. A
de pulgas. segundos-tenentes do navio e rea· ideia foi aceite estendendo-se de-
Certo dia em que haveria cine- lizados com a baleeira. pois aos outros navios.
ma a bordo e eu era oficial de ser· Em dada altura, já com a mon-
viço, o comandante disse-me que ção estabelecida e quando nin- *
não assistiria porque fora convida· guém a bordo pensava em
do para jantar em terra. Tive então Angediva, o comandante chamou- Estava planeado que a guarni-
uma ideia ccbrilhanten; decidi alterar ·me e disse que o navio tinha de ir ção do «João de Lisboa)) fosse ren·
o programa previsto mas ainda não à ilha render o destacamento e que, dida na índia e seguisse em
distribuído, escolhi os cinco filmes como queria permanecer lá o mini· tranporte de tropas até Macau para
de mais movimento, conhecidos em mo tempo possível, decidira mano regressar a Lisboa e que o navio
todos os pormenores pela guarni- dar as duas embarcações, baleeira fosse em seguida para aquela pro-
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