Page 268 - Revista da Armada
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um órfeão de quase uma dezena de ciais um ambiente de optimismo e durante algumas horas para meter
figuras, cantou !IA Portuguesa ... a de boa disposição. Todas as ma· munições, com a imponente vista
uma voz .. nhãs, em voz forte para que todos do Vesúvio, na Itália, e do Etna, na
Ao contrário do que eu supu· o ouvissem, pedia ao seu impedido Sicilia; uma festa de arromba em
nha, a ideia não tinha morrido Joaquim para lhe preparar o banho Port Said, com lindas raparigas e
mesmo! a 28 graus e, à hora das refeições. champanhe a rodos, em casa do Bei
E hoje confesso que, quando o não perdia a oportunidade de exigir da cidade, para comemorar o pri-
soube, senti pairar sobre mim a ao despenseiro que lhe servisse meiro casamento do Xá da Pérsia
ténue sombra de um remorso ... presunto da pá e vinho do Porto com a irmã do rei Faruk do Egipto;
Roncão. Só que, o Joaquim e odes- a visita a Colombo e a impressão
penseiro sabiam perfeitamente não que nos deixou o seu ambiente de
haver termómetro nem água quen- abertura a civilizações diferentes; a
te na casa de banho e que as igua- estranha e impressionante beleza
rias pedidas não existiam a bordo. do pÔr·do-sol no estreito de Mala·
Mas isso não perturbava o bom hu- ca, com sampanas à vista e ruínas
mor do tenente Alvim, pois o que seculares em terra que lembram os
lhe interessava era dar uma ima- tempos de Afonso de Albuquerque;
gem fidalga, de requinte e bom gos- a arribada à baía de Van Song Bay,
to. Não admira, portanto, que no no Annam, depois do Conselho de
livro de sentenças do Tribunal do Oficiais para fugir a um tufão, que
IIRei Neptuno)) que julgou os neófi· atingira ventos de força 10 e mar
VALM José da Cruz Moura da tos na festa da passagem da Linha, grosso.
Fonseca. na altura 2TEN: no dia 30/11/37, ao largo da Somá- Até Macau nada mais de espe·
Parafraseando expressão muito lia Italiana, o tenente Alvim ocupas- cial há a mencionar.
conhecida do vocabulário senti- se posição cimeira. Nesse mesmo E, da vida de bordo enquanto
mental feminino, podemos dizer livro figuram também, entre muitas em Macau. tudo decorreu nor-
que o «João de Lisboa» foi o navio outras, a de um oficial upor ter ad- malmente.
da nossa vida. Fizemos parte da sua quirido, para consumo da guarni- O Centro de Aviação Naval fun-
primeira guarnição e das seguintes ção, um boi que mais parecia um cionava ainda, sob o comando do
até 1943. Foi, praticamente, a nos- camelo cheio de fome no deserto, 1. o -tenente José de Freitas Ribeiro.
sa casa durante seis anos. Nele na- de que uma rês própria para abate», E algumas vedetas e a lancha-
vegámos e percorremos Mundo e e ainda outra que penalizou o aju- -canhoneira ((Pátria» faziam a fisca-
com ele partilhámos recordações dante do moço de paiol upor ter o lização das águas litorais visando
que perduram indelevelmente na hábito de pôr vinho na água». Das especialmente a repressão do con-
nossa memória. Açores, Angola, ((singraduras em terra», de assina- trabando de ópio, aliás, com resul-
Moçambique, Cabo Verde, Guiné, lar as dificuldades encontradas por tados pouco convincentes, como
Macau, canais do Suez e do Pana- motivações raceais em Cape-Town. convinha ...
má e llhas Havai, são, entre outras, Em Angola, os guardas-marinhas Em Setembro de 1939, defla-
referências pontuais das três gran- implantaram, na encosta fronteira grou a Segunda Grande Guerra,
des viagens que nele fizemos e às à Baía dos Elefantes, o nome do acontecimento que condicionou o
quais nos vamos reportar, narran- navio em grandes letras brancas, regresso do navio pelo Cabo da Boa
do alguns factos e episódios que como era tradição, e na Guiné a Esperança e obrigou à sua saída an-
nos parecem mais significativos. guarnição deu largas aos seus tecipada de Macau, depois de ali ter
Na primeira - o Périplo de Áfri- sentimentos plurirraciais durante permanecido seis meses.
ca já citado - o navio gastou 170 sensacional batucada nocturna em A viagem de regresso demorou
dias, visitou 26 portos, nos quais Bubaque. cerca de sete meses, com maiores
permaneceu um total de 96, nave- A segunda grande viagem do permanências em Lourenço Mar-
gou durante 74 e percorreu cerca (doão de Lisboa)) compreendeu, ques e em Luanda. Mas pouco ou
de 14600 milhas. Especialmente além das escalas de ida pelo Canal nada aconteceu que mereça parti-
orientada para a instrução de do Suez e de regresso por Cape- cular menção. E até Lisboa, o mar
guardas-marinhas, a viagem foi ob- -Town, a sua permanência em Ma- esteve sempre do nosso lado ...
viamente caracterizada pela sua cau durante cerca de sete meses. Aliás, com excepção do tufão no
presença e actividades a bordo. Re- O navio largou de Lisboa no dia mar da China, as aragens, o vento
cordamos a habilidade com que al- 18 de Fevereiro de 1939 tendo fraco, o céu limpo, ou quase, e o
guns fintavam as exigências regressado depois de 446 dias de mar chão, foram, felizmente, o nos·
naturais da sua qualidade de alu- comissão. Navegou 95 dias perma- 50 prato do dia.
nos e a arte com que um deles con- neceu nos portos 351 e percorreu Na sua terceira grande viagem
seguia descobrir o melhor sítio para aproximadamente 21 000 milhas. A (21-11-940 a 1-8-942) o ((João de Lis-
sossegadamente bater uma bader- maior singradura foi de 4700 mi- boa>l deu a volta ao Mundo no sen-
na. Dos oficiais, sobressaía a figu- lhas, entre Batávia e Lourenço Mar- tido Oeste·Leste, com ida pela rota
ra inconfundível de grande-senhor ques e demorou 19 dias. do Cabo, estadia em Macau e re-
do tenente Alvim. As suas histórias De assinalar na viagem de ida: gresso pelo Canal do Panamá. Nes-
e anedotas davam à câmara dos ofi- A escala em Nápoles, apenas sa viagem o navio percorreu 29 000
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