Page 266 - Revista da Armada
P. 266
manhã do dia seguinte - despre- feita e confirmada por um ponto de o meu curso de guardas-
zando a recomendação expressa no 'luatro estrelas ao crespúculo, de- -marinhas embarcou no «João de
roteiro de não demandar o porto de víamos estar junto do barco-farol Lisbo8J) em 3 de Novembro de 1937
tarde por ser muito diffcil, com o sol que marcava a entrada do canal de para uma viagem de instrução - o
nos olhos, reconhecer as marcas entrada e este não estava lál Mes- périplo de África - que seria a pri-
dos enfiamentos da barra. E como mo assim o comandante ordenou meira comissão feita pelo navio lo-
a maré estava a meia vazante o na- que metêssemos rumo a Leste go após a sua construção, e que
vio bem depressa ficou praticamen- como se ele lá estivesse e mais, que viria a demorar quase seis meses,
te em seco. Felizmente que a navegássemos à velocidade máxi- pois regressámos a Lisboa em 22 de
amplitude das marés em Moçambi- ma! E a verdade é que não aconte- Abril do ano seguinte.
que é muito grande e assim, ao ceu nadai O que sucedera foi o Éramos dezoito e, naturalmen-
amanhecer, já a flutuar e com as barco-farol ter sido retirado para te, a nossa instalação a bord'J não
marcas da barra bem visíveis, foi beneficiações, antes de nós sairmos seria cómoda nem fácil. Só havia
possível ir para o fundeadouro. de Lisboa, e ninguém nos ter infor- cinco beliches disponíveis (entre os
Mas, como há males que vêm mado disso. quais o do camarote de navegação
por bem, este encalhe proporcio- E recordo, por fim, que à passa- do comandante que dele prescindiu
nou uma estadia em Lourenço Mar- gem pelas Canárias, fizemos uma durante a viagem) e todos os espa-
ques superior à prevista, para barba tão grande à cidade de Las ços onde se pudessem estender
abertura e limpeza dos motores. É Palmas que as pessoas nos acena- macas para "riSCaI» foram aprovei-
que, aquela cidade oferecia muitos vam e içaram algumas bandeiras, tados. Os cinco primeiros guardas·
atractivos - praias, piscinas, bares, convencidos que íamos para lá. -marinhas do curso, por direito
casinos, bonitas moças ... enfim uns A chegada a Lisboa, com o na- hierárquico, tomaram posse dos be-
dias bem passados a quebrar oram- vio todo pintado e limpo, ao passar- liches e nunca mais os largaram,
rão da vida a bordai mos em frente da Nau de Pedra, completamente insenslveis às su-
A escala em Cape Town, uma recebemos um sinal da Majoria Ge- gestões para que, durante a comis-
cidade muito bonita, foi também neral da Armada para o comandan- são, se fizesse um (roulementll e
muito agradável, bem como a esta- te se apresentar ali com a máxima todos usufruíssem um pouco do
dia em vários portos de Angola, pe- urgência. luxo de dormir bem ...
lo bom acolhimento que em todos É que o navio tinha sido pinta- Tirando pequenos atritos ini-
tivemos por parte das autoridades do com tinta adquirida na África do ciais na fase de instalação pela per-
e populações locais. Sul, cinzento esverdeada, bastante caridade dos alojamentos, a viagem
Não me furto a contar um pe- diferente da nossa que era, e é ain- foi magnífica, sem excepções, no
queno episÓdio ocorrido em Nóqui da, só cinzenta. E, para que o na- aspecto de boa camaradagem e de
que ilustra a irreverência do jovem vio não destoasse dos outros, foi entreajuda, mantendo-se entre
tenente que eu era então. Estando todo pintado novamente! todos nós um ambiente de coope-
de oficial de serviço, ao escurecer Quanto a mim, responsável pe· ração e franca amizade, aliás carac-
recebi ordem do imediato para lo serviço de pilotagem, os sustos, teristicas do curso que já vinham da
mandar acender os faróis dos mas- preocupações, e trabalhos passa- Escola Naval e que sempre nos uni-
tros para, segundo disse, atrair os dos nesses cinco meses, fizeram-me ram pela vida fora.
mosquitos, desviando·os assim de baixar ao hospital com uma crise de Logo de inicio verificámos que
chupar o sangue ao pessoal que fígado que, felizmente foi debelada. o ambiente de trabalho seria duro.
descansava no convés. A certa al- Mesmo assim, valeu a penal A O comandante, pessoa determina-
tura fui chamado à camarinha do experiência profissional adquirida, da, persistente, de uma actividade
comandante, o qual, com o ar aus· as agradáveis estadias nos portos imparável, tinha uma fértil imagina-
tero que usava nestas ocasiões, me e os bons conhecimentos e amiza- ção para «inventarn trabalhos para
perguntou se eu notara alguma coi- des que neles fizemos, aliados à es- os guardas-marinhas, e pode dizer-
sa de anormal no navio. Como já o plêndida camaradagem entre os -se que não nos deu tréguas. Feliz·
conhecia bem, calculei logo que era oficiais, que sempre reinou a bordo, mente, contámos sempre com a
a história dos faróis, embora não compensaram tudo ... amizade e o espirita de ajuda dos
adivinhasse porquê, e respondi, cal- oficiais da guarnição, todos eles jo·
mamente que tudo estava bem. vens tenentes, que nunca deixaram
- Então V. é cego? Não viu que escapar uma oportunidade para ali-
estão acesos os far6js da na- viarem o nosso «(sofrimentolf.
vegação? A viagem foi rica de aconteci-
Caíste, pensei eu, dando ênfa- mentos, uns bons e agradáveis,
se à resposta: outros maus, como sempre. Destes
- Não Sr. comandante, os [a- últimos apenas recordo os tempo-
r6js de navegação estão apagados, rais que apanhámos no Mediterrã-
os que estão acesos são os de posi· nio oriental, ao largo de Mombaça
ção ... e foi por ordem do Sr. imediato. e à entrada do canal de Moçam-
Também, navegando para a bique, assim como o encalhe em
Guiné, me causou alguma preocu- V ALM César Brás Mimoso, na Inhambane em fundo de areia, aci-
pação quando, pela navegação altura guarda-marinha: dente este que, afinal. Dor neceRRi-
12