Page 125 - Revista da Armada
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ESCOLA NAVAL
Visita ao Alentejo,
Visita ao Alentejo,
para lá do Guadiana
para lá do Guadiana
rio Guadiana nasce nos montes de tiveram as suas algaras e levaram a cabo uma Rio Guadiana
Toledo, em plena Meseta Ibérica, e política militar que visava a extensão do seu
Ocorre para oeste até encontrar o espaço até ao Algarve. O facto consumado Olivença
Caia, na fronteira portuguesa, entre Badajoz era uma vantagem dos portugueses, mas a
e Elvas. A partir daí, procura o caminho do definição da fronteira leste do reino não seria Rib. da Talega R. Olivença
sul e durante séculos serviu de fronteira entre uma contenda fácil, porque o rei de Castela
províncias e dioceses, separando as regiões tentaria sempre fazer valer os seus direitos. Alconchel
da Bética e da Lusitânia (hoje a Estremadura No reinado de Afonso III de Portugal (1248-
e Andaluzia espanholas do Alentejo e 1279), estando já conquistado o Algarve, foi Rib. de Cuncos
Algarve), desde o tempo do império romano. feito um acordo com Afonso X de Castela PORTUGAL Mourão ESPANHA
Entretanto, no século XII, dentro da dinâmica que previa a tomada de posse das terras a sul
da reconquista e das relações entre reinos pelo herdeiro do trono português (D. Dinis)
ibéricos, a norte do rio Tejo o espaço do quando fosse aclamado rei, mas a fronteira R. Ardila
Condado Portucalense acabaria por se sepa- oriental seguiria a linha do Guadiana desde a
rar do reino de Leão e Castela ganhando foz do Caia até ao Atlântico. Contudo, quan- Moura Barrancos
direitos de conquista e expansão para o sul do em 1297, foi assinado o tratado de
na continuidade da guerra com os mouros. Alcañices e foram definitivamente estabeleci- Rio Guadiana
Contudo, quando as correrias dos cavaleiros das as divisórias entre os dois reinos, um
portugueses ultrapassaram a linha do Tejo, vasto território a leste do Guadiana (corres- Serpa Aroche
Castela reivindicou para si os direitos de con- pondente aos actuais concelhos de Olivença,
quista dessas terras, alegando que só o seu Mourão, Moura, Barrancos, Serpa e uma R. Chança
rei era o herdeiro do reino visigodo, usurpa- parte de Mértola) ficou integrado no reino de
do pelos mouros no século VIII. A questão Portugal. Hoje, como se sabe, Olivença está Mértola © PÁGINA ÍMPAR
não se apresentava simples (dado que a sob domínio espanhol, mas as restantes terras
Santa Sé só aprovava as guerras com os mantêm-se sobre jurisdição portuguesa, em-
mouros na perspectiva de que se destinavam bora tenham sido um espaço de contenda e
a recuperar as possessões perdidas), mas os de devastação sempre que houve conflitos Nos passados dias 20 e 21 de Fevereiro, a
portugueses, sempre que foi possível, man- entre os dois países vizinhos. Escola Naval foi visitar esses concelhos de
além-Guadiana. Saídos pela manhã cedo,
OLIVENÇA entrámos no concelho de Mourão atraves-
sando a ponte que o separa de Reguengos de
Olivença, como a maioria das praças Monsaraz, pela estrada que conduz a S.
daquela região, foi conquistada aos Leonardo e a Villanueva del Fresno. E, apesar
mouros por Geraldo Sem Pavor, teve de ser da espessa névoa que não nos deixava esten-
devolvida depois do desastre de Badajoz
e reconquistada no reinado de D. Sancho der a vista pelos amplos espaços que acom-
II, com a colaboração dos cavaleiros da panham o rio para sul, é fácil entrever como
ordem de Santiago. Depois, com o trata- a monotonia da planície é cortada por aque-
do de Alcañices, ficou integrada no ter- les destacados outeiros, onde foram construí-
ritório de Portugal, constituindo uma es- Foto de Semedo de Matos das fortificações e onde acabaram por se
pécie de espinha cravada em castela, desenvolver os povoados que chegaram ao
entre Badajoz e Alconchel. À semelhança século XX. Para as bandas do norte fica o
de todas as terras vizinhas, quando os Ponte da Ajuda, (Séc. XVI). soberbo morro de Monsaraz, a espreitar os
exércitos português e espanhol se cruza- terrenos de Alconchel, e ali mesmo em
ram, foi devassada e ocupada, mas os acordos de paz sempre repuseram a integridade territorial e frente, à medida que o autocarro vai
Olivença ficou sendo portuguesa até ao século XIX. Nessa altura (1801), quando o poder de
Napoleão já ameaçava a Europa, os seus aliados espanhóis invadiram Portugal, no sentido de avançando, vai ganhando forma a vila de
forçar a quebra da nossa aliança com a Inglaterra. A guerra durou muito pouco tempo, mas cus- Mourão com um portentoso castelo
tou-nos a vila de Olivença (a ponte construida no reinado de D. Manuel, e que ligava a aldeia da medieval, construído no reinado de D. Diniz,
Ajuda a Olivença, foi partida nesta altura). No entanto, o conflito apenas começava, e em 1811 a logo após a assinatura do tratado de
vila seria reconquistada pelas tropas anglo-lusas comandadas por Beresford. O facto acabaria por Alcañices. A muralha é extensa e alberga os
ser inútil, porque Beresford a voltaria a entregar aos espanhóis. Depois, em 1814, num tratado restos de instalações que serviram à
assinado em Paris (onde Portugal não teve representação), e no acordo final do Congresso de guarnição militar com todas as serventias que
Viena, em 1815, estava prevista a devolução de Olivença, mas a Espanha furtou-se a fazê-lo. Aliás, isso exigia (alojamentos, paióis, cavala-
esse acordo só seria assinado pelos espanhóis em 1817, contudo, por causa de um conflito que de- riças,…), e sua volta ainda é possível encon-
corria na fronteira sul do Brasil, Olivença voltou a não ser devolvida, mantendo-se como um pro- trar vestígios dos baluartes externos que servi-
blema diplomático pendente entre os dois países.
Hoje, passaram várias gerações de oliventinos que se desligaram de Portugal e a sua ram durante o século XVII e XVIII, tendo sido
identidate já não permite uma resolução linear da questão. Permanece em Olivença uma destruídos quando da guerra da sucessão de
população cujo passado histórico e cujas raízes mais profundas são portuguesas, mas cuja Espanha. Mas, à medida que o sol vai
referência cultural presente é, naturalmente, espanhola. subindo, vai sendo possível observar os cam-
pos que acompanham o vale do Guadiana, e
14 ABRIL 99 • REVISTA DA ARMADA