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ESCOLA NAVAL



                                 Visita ao Alentejo,
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                              para lá do Guadiana
                              para lá do Guadiana


                rio Guadiana nasce nos montes de  tiveram as suas algaras e levaram a cabo uma  Rio Guadiana
                Toledo, em plena Meseta Ibérica, e  política militar que visava a extensão do seu
         Ocorre para oeste até encontrar o  espaço até ao Algarve. O facto consumado              Olivença
         Caia, na fronteira portuguesa, entre Badajoz  era uma vantagem dos portugueses, mas a
         e Elvas. A partir daí, procura o caminho do  definição da fronteira leste do reino não seria  Rib. da Talega  R. Olivença
         sul e durante séculos serviu de fronteira entre  uma contenda fácil, porque o rei de Castela
         províncias e dioceses, separando as regiões  tentaria sempre fazer valer os seus direitos.  Alconchel
         da Bética e da Lusitânia (hoje a Estremadura  No reinado de Afonso III de Portugal (1248-
         e Andaluzia espanholas do Alentejo e  1279), estando já conquistado o Algarve, foi    Rib. de Cuncos
         Algarve), desde o tempo do império romano.  feito um acordo com Afonso X de Castela  PORTUGAL  Mourão  ESPANHA
         Entretanto, no século XII, dentro da dinâmica  que previa a tomada de posse das terras a sul
         da reconquista e das relações entre reinos  pelo herdeiro do trono português (D. Dinis)
         ibéricos, a norte do rio Tejo o espaço do  quando fosse aclamado rei, mas a fronteira  R. Ardila
         Condado Portucalense acabaria por se sepa-  oriental seguiria a linha do Guadiana desde a
         rar do reino de Leão e Castela ganhando  foz do Caia até ao Atlântico. Contudo, quan-  Moura  Barrancos
         direitos de conquista e expansão para o sul  do em 1297, foi assinado o tratado de
         na continuidade da guerra com os mouros.  Alcañices e foram definitivamente estabeleci-  Rio Guadiana
         Contudo, quando as correrias dos cavaleiros  das as divisórias entre os dois reinos, um
         portugueses ultrapassaram a linha do Tejo,  vasto território a leste do Guadiana (corres-  Serpa  Aroche
         Castela reivindicou para si os direitos de con-  pondente aos actuais concelhos de Olivença,
         quista dessas terras, alegando que só o seu  Mourão, Moura, Barrancos, Serpa e uma  R. Chança
         rei era o herdeiro do reino visigodo, usurpa-  parte de Mértola) ficou integrado no reino de
         do pelos mouros no século VIII. A questão  Portugal. Hoje, como se sabe, Olivença está  Mértola         © PÁGINA ÍMPAR
         não se apresentava simples (dado que a  sob domínio espanhol, mas as restantes terras
         Santa Sé só aprovava as guerras com os  mantêm-se sobre jurisdição portuguesa, em-
         mouros na perspectiva de que se destinavam  bora tenham sido um espaço de contenda e
         a recuperar as possessões perdidas), mas os  de devastação sempre que houve conflitos  Nos passados dias 20 e 21 de Fevereiro, a
         portugueses, sempre que foi possível, man-  entre os dois países vizinhos.  Escola Naval foi visitar esses concelhos de
                                                                               além-Guadiana. Saídos pela manhã cedo,
                                      OLIVENÇA                                 entrámos no concelho de Mourão atraves-
                                                                               sando a ponte que o separa de Reguengos de
            Olivença, como a maioria das praças                                Monsaraz, pela estrada que conduz a S.
          daquela região, foi conquistada aos                                  Leonardo e a Villanueva del Fresno. E, apesar
          mouros por Geraldo Sem Pavor, teve de ser                            da espessa névoa que não nos deixava esten-
          devolvida depois do desastre de Badajoz
          e reconquistada no reinado de D. Sancho                              der a vista pelos amplos espaços que acom-
          II, com a colaboração dos cavaleiros da                              panham o rio para sul, é fácil entrever como
          ordem de Santiago. Depois, com o trata-                              a monotonia da planície é cortada por aque-
          do de Alcañices, ficou integrada no ter-                             les destacados outeiros, onde foram construí-
          ritório de Portugal, constituindo uma es-                        Foto de Semedo de Matos  das fortificações e onde acabaram por se
          pécie de espinha cravada em castela,                                 desenvolver os povoados que chegaram ao
          entre Badajoz e Alconchel. À semelhança                              século XX. Para as bandas do norte fica o
          de todas as terras vizinhas, quando os  Ponte da Ajuda, (Séc. XVI).  soberbo morro de Monsaraz, a espreitar os
          exércitos português e espanhol se cruza-                             terrenos de Alconchel, e ali mesmo em
          ram, foi devassada e ocupada, mas os acordos de paz sempre repuseram a integridade territorial e  frente, à medida que o autocarro vai
          Olivença ficou sendo portuguesa até ao século XIX. Nessa altura (1801), quando o poder de
          Napoleão já ameaçava a Europa, os seus aliados espanhóis invadiram Portugal, no sentido de  avançando, vai ganhando forma a vila de
          forçar a quebra da nossa aliança com a Inglaterra. A guerra durou muito pouco tempo, mas cus-  Mourão com um portentoso castelo
          tou-nos a vila de Olivença (a ponte construida no reinado de D. Manuel, e que ligava a aldeia da  medieval, construído no reinado de D. Diniz,
          Ajuda a Olivença, foi partida nesta altura). No entanto, o conflito apenas começava, e em 1811 a  logo após a assinatura do tratado de
          vila seria reconquistada pelas tropas anglo-lusas comandadas por Beresford. O facto acabaria por  Alcañices. A muralha é extensa e alberga os
          ser inútil, porque Beresford a voltaria a entregar aos espanhóis. Depois, em 1814, num tratado  restos de instalações que serviram à
          assinado em Paris (onde Portugal não teve representação), e no acordo final do Congresso de  guarnição militar com todas as serventias que
          Viena, em 1815, estava prevista a devolução de Olivença, mas a Espanha furtou-se a fazê-lo. Aliás,  isso exigia (alojamentos, paióis, cavala-
          esse acordo só seria assinado pelos espanhóis em 1817, contudo, por causa de um conflito que de-  riças,…), e sua volta ainda é possível encon-
          corria na fronteira sul do Brasil, Olivença voltou a não ser devolvida, mantendo-se como um pro-  trar vestígios dos baluartes externos que servi-
          blema diplomático pendente entre os dois países.
            Hoje, passaram várias gerações de oliventinos que se desligaram de Portugal e a sua  ram durante o século XVII e XVIII, tendo sido
          identidate já não permite uma resolução linear da questão. Permanece em Olivença uma  destruídos quando da guerra da sucessão de
          população cujo passado histórico e cujas raízes mais profundas são portuguesas, mas cuja  Espanha. Mas, à medida que o sol vai
          referência cultural presente é, naturalmente, espanhola.             subindo, vai sendo possível observar os cam-
                                                                               pos que acompanham o vale do Guadiana, e

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