Page 126 - Revista da Armada
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não pode deixar de nos vir à ideia o facto de  lacional romano. Os vestí-
         que uma parte daquele espaço dentro de  gios dessa época longínqua
         poucos anos será ocupado pela albufeira da  estão patentes em diversos
         barragem de Alqueva. A pequena Aldeia da  caminhos e calçadas, na
         Luz — um pouco a sul de Mourão — ficará  presença de construções
         submersa dentro de dois ou três anos, e a  (pelo menos uma ponte) e
         ocasião parece própria para lançar um último  achados arqueológicos de
         olhar aquelas casas brancas que o dilúvio vai  toda a ordem, que se
         engolir para proveito e por engenho dos  encontram classificados e
         homens. É para lá que nos dirigimos, aprovei-  expostos no Museu Munici-
         tando a proximidade do rio para um almoço  pal. A mouraria de Moura
         piquenique, gozando os ares puros, o cheiro  (o local onde viviam os
         da terra e das árvores, o som fresco das águas  mouros durante o período  Moinhos do Guadiana.
         correntes, a presença de uns velhos moinhos  cristão) teve tanta importância que justificou  antiga mesquita. Por ali passaram as mesmas
         do Guadiana em ruínas e de uma paisagem  um foral próprio, e ainda é possível localizar  guerras e os mesmos conflitos com pontos
         que conforta a alma.               os seus contornos no traçado da cidade actual.  críticos na campanha da restauração (1640-
           No caminho de Moura, da parte da tarde,  Foi, seguramente, a mais importante de toda  1666), na guerra de sucessão de Espanha
         foi ocasião de recordar a lenda de Salúquia, a  a região. São ainda de destacar, a igreja de  (1704) e, mais tarde na chamada guerra das
         bela moura que se atirou da torre da alcáçova  S. João Baptista com o seu portal manuelino  laranjas (1801) a que se seguiram as invasões
         quando os cristãos conquistaram a praça  (foi construída no tempo de Afonso V e  francesas.
         (1232). É apenas uma história que se conta e  reformada por D. Manuel), e o Convento do  A muralha oferece ao viajante uma
         que vem sendo transmitida de geração em  Carmo, o primeiro mosteiro carmelita da  panorâmica de toda a vila com o seu amon-
         geração desde há umas centenas de anos,  Península Ibérica, de onde vieram os frades  toado de telhados vermelhos a contrastar
         mas serviu para justificar a toponímia do                             com o branco luzente das casas caiadas. Por
         local e tem a sua expressão no brasão de                              aqui e por ali sobressaem os edifícios mais
         armas da cidade, onde aparece o corpo de                              ricos, com quintais exuberantes, e não pode-
         uma mulher caída à porta de uma imensa                                ria deixar de se reparar no magnífico palácio
         torre, como se tivesse caído lá de cima.                              dos Marqueses de Ficalho onde se liga o
         Existem várias versões desta mesma história,                          imponente aqueduto. O museu etnográfico, a
         mas a mais persistente aponta para que os                             funcionar no antigo mercado municipal, é
         cristãos que conquistaram Moura tenham                                local obrigatório da visita e nele se podem
         abatido em emboscada vários cavaleiros                                apreciar as artes quase desaparecidas que
         muçulmanos de Aroche, de entre os quais o                             fabricavam todos os instrumentos e utensílios
         noivo da bela Salúquia, alcaidessa do castelo.                        da vida comum das gentes alentejanas de
         Depois, disfarçaram-se com os seus trajes e                           outra época. A forma de trabalhar a madeira,
         ludibriaram a guarda, que os deixou entrar na                         a chapa, o ferro, a cortiça, a fabricação do
         praça quase sem resistência. Salúquia não                             queijo de Serpa, a oficina de abegoaria, tudo
         resistiu ao desgosto e não suportou a ideia de                        está lá para memória dos presentes e como
         uma rendição, preferindo atirar-se da torre                           testemuho do engenho com que se trabalha-
         mais alta do castelo, com grande surpresa dos                         va ainda há poucos anos atrás.
         conquistadores portugueses, impressionados                              Todavia, uma das pérolas de Serpa é, sem
         com a tamanha determinação e com a sua                                dúvida nenhuma o museu dos relógios: 1400
         invulgar beleza.                                                      exemplares de máquinas do tempo que vêm
           Moura é hoje uma cidade pejada de mo-                               desde o século XVI até à idade do espaço.
         numentos e de testemunhos de um passado  Torre do relógio, (Serpa).   Relógios de bolso, de pulso, de mesa, reló-
         histórico riquíssimo. O castelo (actualmente                          gios para todos os gostos e de todos os estilos.
         fechado para escavações arqueológicas) foi  para o seu homónimo lisboeta, quando D.  Exemplares diversos da velha fábrica
         erigido por ordem de D. Diniz sobre uma  Nuno Álvares Pereira o mandou construir no  “Reguladora” (hoje desaparecida), os magní-
         cerca do período árabe (de que resta uma  morro em frente ao castelo de S. Jorge e nele  ficos Patek Phillipe, cinco exemplares
         torre) que, por sua vez, deve ter sido construí-  se fez Frei Nuno de Santa Maria.  Napoleão deixados em Portugal com a retira-
         da sobre um castro visigótico e, talvez, sobre  O tempo era escasso para visitar todo o  da dos franceses, os relógios que foram ao
         os restos de uma fortificação ou núcleo popu-  leste de Guadiana, de forma que a nossa  espaço, de tudo lá se pode encontrar.
                                                           opção ficou-se pela vila  E muito mais haveria para ver no Alentejo
                                                           de Serpa. A primeira visi-  a oriente do Guadiana, mas a dimensão de
                                                           ta foi ao castelo, cuja  um fim de semana é muito pequena para per-
                                                           origem é semelhante ao  mitir dar todas as voltas.
                                                           de Moura e Mourão,    O Domingo acabava-se e era preciso
                                                           com os quais desempe-  regressar ao Alfeite. Ficou um gosto a pouco,
                                                           nhava funções comple-  mas ficou também a noção da riqueza patri-
                                                           mentares na defesa da  monial, histórica e etnográfica, que é possível
                                                           raia alentejana. Foi con-  encontrar nessa parte quase esquecida do
                                                           quistado aos mouros nos  Alentejo.
                                                           tempos de D. Sancho II,
                                                           supondo-se que a torre
                                                           do relógio tenha origem                J. Semedo de Matos
                                                                                                          CTEN FZ
                                                           na antiga muralha árabe.
                                                           Aliás a Igreja de Santa
                                                           Maria que lhe está pega-  A Escola Naval está disponível em:
         Mourão.                                           da pode ter sido uma          www.escolanaval.pt
                                                                                         REVISTA DA ARMADA • ABRIL 99  15
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