Page 307 - Revista da Armada
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A MARINHA JOANINA (11)



                                   O astrolábio
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                          e a altura do Sol
                          e a altura do Sol





               uma altura em que já passámos em revista alguns  do sul e se apro-
               dos factos mais significativos da exploração da costa  ximou do Equador,
         Nafricana, efectuada pelos portugueses, no século XV,  a Estrela Polar dei-
         parece-nos importante dedicar uma atenção especial à forma  xava de se avistar.
         como evoluiu a técnica de navegação, desde que se ensai-  Esse facto não era
         aram os primeiros passos junto à costa portuguesa, até que  muito grave quan-
         se passou o Equador para sul e se dobrou o cabo da Boa  do apenas estava
         Esperança. Já fizemos referência aos factos mais importantes  em causa a viagem
         desta evolução. Nomeadamente a forma como se usava a  de regresso, na me-
         altura da Estrela Polar e como ela servia para calcular a  dida em que no ca-
         posição dos navios em relação à costa. A primeira referência  minho do norte ela
         encontrada que se reporta a esta técnica é dada por Diogo  voltaria a aparecer e
         Gomes no texto que ditou a Martinho da Boémia, e de que  voltaria a dar a
         existe uma versão em latim no chamado Manuscrito “Valen-  indicação da posi-
         tim Fernandes”. Diz no texto o seguinte: “e eu tinha um  ção de Lisboa, mas
         quadrante, quando fui a estes países [ilha de Santiago], e  a progressão ao lon-
         escrevi na tábua do quadrante a altura do polo árctico”.  go da costa africana
           Como sabemos, a altura do polo celeste observada num  obrigava a situar
         determinado lugar indica directamente a latitude desse  outros locais im-
         lugar, mas esse polo não é fácil de localizar porque não tem  portantes que fica-  Medindo a altura do Sol em terra.
         nenhuma referência fixa visível. Os navegadores do século  vam para além do
         XV observavam a altura da Estrela Polar, que não está exac-  limite de visibilidade da Polar e era preciso encontrar outro
         tamente no polo, mas que não se encontra muito afastada  método.
         deste. Hoje, a Estrela está a cerca de 30’ do polo norte, mas  A solução, naturalmente, estava já descoberta e bastava
         em 1460 (mais ou menos quando Diogo Gomes fez a      que fosse adaptada à navegação, tornando-a acessível aos
         inscrição na tábua do quadrante) estava a 3 40’, valor que os  conhecimentos de um piloto. Podia determinar-se a latitude
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         portugueses tomavam por 3 e 1/2, sem erros significativos  do lugar observando a altura do Sol ao meio dia verdadeiro
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         para a navegação. Como é que convertiam, então, os valores  (no momento da passagem meridiana), mas o processo não
         da altura da estrela em valores da altura do polo?… Tinham  era tão fácil como com a Polar. Como se sabe, o Sol tem um
         uma tabela correctiva – a que chamaram de Regimento do  movimento aparente que vai de 23 27’ S (Trópico de Capri-
                                                                                           0
         Norte – onde determinavam os valores a somar ou subtrair  córnio), no dia em que começa o nosso inverno, até 23 27’ N
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         às alturas observadas, em função da posição das guardas da  (Trópico de Câncer), no dia em que começa o verão do He-
         Ursa Menor, permitindo-lhes determinar a altura do polo  misfério Norte. Quer dizer, a posição aparente do sol vai va-
         nas circunstâncias da observação. Desta forma conseguiram  riando continuamente ao longo do ano, mas existe sempre
                                         navegar com voltas   uma relação directa entre a sua altura meridiana e a latitude
                                         largas de vários dias  do lugar.
                                         sem avistar terra, sa-  Para que esta observação fosse efectuada com o maior ri-
                                         bendo sempre a sua   gor, foi adaptado à navegação (simplificado) um complexo
                                         localização em rela-  instrumento de observação astronómica usado só por astró-
                                         ção à costa africana  nomos experimentados. Trata-se precisamente do astrolábio
                                         ou europeia. Quando  náutico, o ex-libris das navegações portuguesas, cuja utiliza-
                                         chegavam à latitude  ção foi evoluindo lentamente até ao século XVI, até um domí-
                                         de Lisboa, onde o po-  nio completo da sua técnica. Na viagem de Vasco da Gama à
                                         lo tinha uma altura  Índia, em 1497-99, quando os navios alcançaram a baía de
                                         de cerca de 39 , ruma-  Santa Helena, perto do Cabo da Boa Esperança, o piloto Pero
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                                         vam a leste e acaba-  de Alenquer foi a terra e tirou a altura do sol com um astro-
                                         riam por encontrar   lábio de três palmos, feito em madeira, que tinha de ser arma-
                                         terra, mais ou menos  do numa cábrea de três paus, semelhante ao modelo que hoje
                                         em frente da barra,  podemos observar no pátio do edifício da Administração
                                         dependendo do rigor  Central de Marinha. Este grande astrolábio era bastante mais
                                         com que tinham efec-  rigoroso que os pequenos usados a bordo, de cujas leituras o
                                         tuado as observações.  piloto desconfiara.
                                           Contudo, quando a
                                         navegação se foi afas-                                   J. Semedo de Matos
         Medindo a altura do Sol a bordo.  tando para as bandas                                           CTEN FZ
         16 SETEMBRO/OUTUBRO 99 • REVISTA DA ARMADA
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